sábado, 31 de março de 2007

A existência ética

Da obra: Convite à Filosofia
De Marilena Chauí
Ed. Ática, São Paulo, 2000.


Senso moral e consciência moral

Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no nosso, milhares de pessoas, sobretudo crianças e velhos, morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha injustiça (especialmente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral.

Quantas vezes, levados por algum impulso incontrolável ou por alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição, vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa. Gostaríamos de voltar atrás no tempo e agir de modo diferente. Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral.

Em muitas ocasiões, ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça, altruísmo, mesmo quando tudo isso lhe custa sacrifícios. Sentimos que há grandeza e dignidade nessa pessoa. Temos admiração por ela e desejamos imitá-la. Tais sentimentos e admiração também exprimem nosso senso moral.

Não raras vezes somos tomados pelo horror diante da violência: chacinas de seres humanos e animais, linchamentos, assassinatos brutais, estupros, genocídio, torturas e suplícios. Com freqüência, ficamos indignados ao saber que um inocente foi injustamente acusado e condenado, enquanto o verdadeiro culpado permanece impune. Sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens às custas da boa-fé de outros. Todos esses sentimentos manifestam nosso senso moral.

Vivemos certas situações, ou sabemos que foram vividas por outros, como situações de extrema aflição e angústia. Assim, por exemplo, uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu corpo está ligado a máquinas que a conservam. Suas dores são intoleráveis. Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz? Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos desligar os aparelhos? Ou não temos o direito de fazê-lo? Que fazer? Qual a ação correta?

Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje apoiá-la, é tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como se responsabilizar plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho. Ambos estão desorientados. Não sabem se poderão contar com o auxílio de suas famílias (se as tiverem).

Se ela for apenas estudante, terá que deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade onde os patrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras. Receia não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, porém, deseja a criança, sonha com ela, mas teme dar-lhe uma vida de miséria e ser injusta com quem não pediu para nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo?

Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego, mas que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho lhe permitirá sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Pode aceitar o emprego, mesmo sabendo o que será exigido dele? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a mulher morrendo?

Um rapaz namora, há tempos, uma moça de quem gosta muito e é por ela correspondido. Conhece uma outra. Apaixona-se perdidamente e é correspondido. Ama duas mulheres e ambas o amam. Pode ter dois amores simultâneos, ou estará traindo a ambos e a si mesmo? Deve magoar uma delas e a si mesmo, rompendo com uma para ficar com a outra? O amor exige uma única pessoa amada ou pode ser múltiplo? Que sentirão as duas mulheres, se ele lhes contar o que se passa? Ou deverá mentir para ambas? Que fazer? Se, enquanto está atormentado pela decisão, um conhecido o vê ora com uma das mulheres, ora com a outra e, conhecendo uma delas, deve contar a ela o que viu? Em nome da amizade, deve falar ou calar?

Uma mulher vê um roubo. Vê uma criança maltrapilha e esfomeada roubar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando por muitas dificuldades e que o roubo fará diferença para ele. Mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que com isso a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo? Ou deverá silenciar, pois a criança corre o risco de receber punição excessiva, ser levada para a polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora, revoltada, passar do furto ao homicídio? Que fazer?

Situações como essas – mais dramáticas ou menos dramáticas – surgem sempre em nossas vidas. Nossas dúvidas quanto à decisão a tomar não manifestam apenas nosso senso moral, mas também põem à prova nossa consciência moral, pois exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas, porque somos responsáveis por nossas opções.

Todos os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e a decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que estão referidos a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem. Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bom e o mau ou entre o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos a aprovação dos outros.

O senso e a consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva.


Juízo de fato e de valor

Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um juízo de valor.

Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor - avaliações sobre coisas, pessoas e situações - são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião.

Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis.

Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto.

Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral.

Como se pode observar, senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou detestar.

Qual a origem da diferença entre os dois tipos de juízos? A diferença entre a Natureza e a Cultura. A primeira, como vimos, é constituída por estruturas e processos necessários, que existem em si e por si mesmos, independentemente de nós: a chuva é um fenômeno meteorológico cujas causas e cujos efeitos necessários podemos constatar e explicar.

Por sua vez, a Cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e suas relações com a Natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores. Dizer que a chuva é boa para as plantas pressupõe a relação cultural dos humanos com a Natureza, através da agricultura. Considerar a chuva bela pressupõe uma relação valorativa dos humanos com a Natureza, percebida como objeto de contemplação.

Freqüentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles e neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos. Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade de geração a geração, as sociedades tendem a naturalizá-los. A naturalização da existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural.


Ética e violência

Quando acompanhamos a história das idéias éticas, desde a Antiguidade clássica (greco-romana) até nossos dias, podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la, controlá-la. Diferentes formações sociais e culturais instituíram conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de relações intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que pudessem garantir a integridade física e psíquica de seus membros e a conservação do grupo social.

Evidentemente, as várias culturas e sociedades não definiram e nem definem a violência da mesma maneira, mas, ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundo os tempos e os lugares. No entanto, malgrado as diferenças, certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos. Fundamentalmente, a violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e desejos, contrária ao seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão aos outros.

Quando uma cultura e uma sociedade definem o que entendem por mal, crime e vício circunscrevem aquilo que julgam violência contra um indivíduo ou contra o grupo. Simultaneamente, erguem os valores positivos – o bem e a virtude – como barreiras éticas contra a violência.

Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é a violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém. Eis por que o assassinato, a tortura, a injustiça, a mentira, o estupro, a calúnia, a má-fé, o roubo são considerados violência, imoralidade e crime.

Considerando que a humanidade dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de vontade livre, de capacidade para a comunicação e para a vida em sociedade, de capacidade para interagir com a Natureza e com o tempo, nossa cultura e sociedade nos definem como sujeitos do conhecimento e da ação, localizando a violência em tudo aquilo que reduz um sujeito à condição de objeto. Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros.

A ética é normativa exatamente por isso, suas normas visando impor limites e controles ao risco permanente da violência.


Os constituintes do campo ético

Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus sentimentos e pelas conseqüências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética.

A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as conseqüências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto).

A vontade é esse poder deliberativo e decisório do agente moral. Para que exerça tal poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos instintos e às paixões, mas, ao contrário, deve ter poder sobre eles e elas.

O campo ético é, assim, constituído pelos valores e pelas obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as virtudes. Estas são realizadas pelo sujeito moral, principal constituinte da existência ética.

O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as seguintes condições:
● ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;
● ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis;
● ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e conseqüências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às suas conseqüências, respondendo por elas;
● ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta.

O campo ético é, portanto, constituído por dois pólos internamente relacionados: o agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas.

Do ponto de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma exigência essencial, qual seja, a diferença entre passividade e atividade. Passivo é aquele que se deixa governar e arrastar por seus impulsos, inclinações e paixões, pelas circunstâncias, pela boa ou má sorte, pela opinião alheia, pelo medo dos outros, pela vontade de um outro, não exercendo sua própria consciência, vontade, liberdade e responsabilidade.

Ao contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente seus impulsos, suas inclinações e suas paixões, discute consigo mesmo e com os outros o sentido dos valores e dos fins estabelecidos, indaga se devem e como devem ser respeitados ou transgredidos por outros valores e fins superiores aos existentes, avalia sua capacidade para dar a si mesmo as regras de conduta, consulta sua razão e sua vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem subordinar-se nem submeter-se cegamente a eles, responde pelo que faz, julga suas próprias intenções e recusa a violência contra si e contra os outros. Numa palavra, é autônomo[i].

Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como a cultura e a sociedade definem para si mesmas o que julgam ser a violência e o crime, o mal e o vício e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude. Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e culturais da ação moral.

Conseqüentemente, embora toda ética seja universal do ponto de vista da sociedade que a institui (universal porque seus valores são obrigatórios para todos os seus membros), está em relação com o tempo e a História, transformando-se para responder a exigências novas da sociedade e da Cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se desenrola no tempo.

Além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo ético é ainda constituído por um outro elemento: os meios para que o sujeito realize os fins.

Costuma-se dizer que os fins justificam os meios, de modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia.

Suponhamos uma sociedade que considere um valor e um fim moral a lealdade entre seus membros, baseada na confiança recíproca. Isso significa que a mentira, a inveja, a adulação, a má-fé, a crueldade e o medo deverão estar excluídos da vida moral e ações que os empreguem como meios para alcançar o fim serão imorais.

No entanto, poderia acontecer que para forçar alguém à lealdade seria preciso fazê-lo sentir medo da punição pela deslealdade, ou seria preciso mentir-lhe para que não perdesse a confiança em certas pessoas e continuasse leal a elas. Nesses casos, o fim – a lealdade – não justificaria os meios – medo e mentira? A resposta ética é: não. Por quê? Porque esses meios desrespeitam a consciência e a liberdade da pessoa moral, que agiria por coação externa e não por reconhecimento interior e verdadeiro do fim ético.

No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras, fins éticos exigem meios éticos.

A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe como um fato dado, mas é instaurada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes.

Poderíamos indagar se a educação ética não seria uma violência. Em primeiro lugar, porque se tal educação visa a transformar-nos de passivos em ativos, poderíamos perguntar se nossa natureza não seria essencialmente passional e, portanto: forçar-nos à racionalidade ativa não seria um ato de violência contra a nossa natureza espontânea? Em segundo lugar, porque se a tal educação visa a colocar-nos em harmonia e em acordo com os valores de nossa sociedade, poderíamos indagar se isso não nos faria submetidos a um poder externo à nossa consciência, o poder da moral social. Para responder a essas questões precisamos examinar o desenvolvimento das idéias éticas na Filosofia.

[i] A palavra autônomo vem do grego: autos (eu mesmo, si mesmo) e nomos (lei, norma, regra). Aquele que tem o poder para dar a si mesmo a lei, a norma, a regra é autônomo e goza de autonomia ou liberdade. Autonomia significa autodeterminação. Quem não tem a capacidade racional para a autonomia é heterônomo. Heterônomo vem do grego: hetero (outro) e nomos; receber de um outro a lei, a norma ou a regra.

A ética e seus sentidos históricos

Rodrigo Cunha

A disputa eleitoral que se encerrou no dia 29 de outubro colocou em evidência um termo que deve continuar em pauta, mesmo após a reeleição de Lula, e estará no centro dos debates sobre a reforma política que será cobrada dos deputados e senadores que tomam posse em fevereiro de 2007: a ética. O que é isso, afinal? Será que esse termo, associado à idéia de moralidade, mudou muito desde a sua origem? O seu emprego em diversas outras esferas que não apenas a política tem outras conotações e outros sentidos? E mesmo na esfera política, ética significa muito mais do que simplesmente negar a corrupção?

A palavra “ética” vem do grego ethos, que significava, já na Grécia antiga, hábito, costume. Esse sentido é o mesmo atribuído pelos romanos da Antiguidade à palavra latina mores, que deu origem ao termo “moral”. A associação de valores positivos a hábitos e costumes, num primeiro momento, dependia do status social do indivíduo. “Um aristocrata, por exemplo, deveria ser corajoso e, eventualmente, generoso. Uma pessoa subalterna teria como melhor qualidade a obediência, a prestimosidade”, explica Rodrigo Duarte, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A ética se torna uma disciplina da filosofia a partir das indagações de pensadores como Heráclito e Sócrates sobre o comportamento humano, os costumes e os valores a eles atribuídos. Surge, então, a ética como filosofia moral, um campo do pensamento filosófico dedicado a discutir, problematizar e interpretar o significado dos valores morais. Para Sócrates, o ethos (costume) considerado bom e virtuoso tem origem no logos (razão), pois o sujeito ético é aquele que tem consciência do significado de suas atitudes e da essência dos valores morais, ou seja, ser ético implica em uma reflexão que justifique a ação.

Aristóteles acrescenta a essa idéia a noção de saber prático: o conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação. Ele também soma à consciência moral proposta por Sócrates a idéia de vontade guiada pela razão: a decisão ou deliberação sobre algo que depende de nossa vontade. “O principal termômetro da ética é o dilema. Uma pessoa pode decidir ultrapassar os limites de velocidade no trânsito para salvar a vida de um acidentado, mesmo sabendo que será multada”, ilustra Luiz Martins, professor de ética na comunicação na Universidade de Brasília (UnB). Na ética, nem sempre os fins justificam os meios, mas nesse caso, o fim é um valor maior: a vida. Para os filósofos da Antiguidade, ética e conduta do indivíduo são inseparáveis de política e dos valores da sociedade, pois é somente na existência compartilhada que se encontra liberdade, justiça e felicidade.

Na Idade Média, pensadores como São Tomás de Aquino orientaram-se pelas idéias de Aristóteles sobre ética, deslocando, porém, a base do comportamento ético da relação do indivíduo com a sociedade para a sua relação espiritual e interior com Deus. As principais virtudes para o cristianismo são a fé e a caridade, condições de todas as outras, como a coragem e a prudência, consideradas virtudes cardeais (fundamentais). O orgulho e a inveja, que para Aristóteles eram vícios por excesso, e a avareza, considerada um vício por deficiência do indivíduo, passaram a ser tratados pela ética cristã como pecados capitais. E o ócio, que para a sociedade escravagista greco-romana era condição para o exercício da política, torna-se no cristianismo um vício da preguiça, com a valorização do trabalho como uma virtude moral.

À idéia da filosofia antiga de que possuímos uma vontade consciente para controlar as paixões, os apetites e os desejos, o cristianismo contrapõe a idéia de que temos vontade livre (ou livre arbítrio), cujo primeiro impulso é voltar-se para o pecado e, portanto, precisaríamos do auxílio divino e de suas leis para sermos sujeitos morais. Surge, então, a noção de dever em relação às normas de condutas, que definem quais delas são morais ou éticas e quais são imorais ou antiéticas. O cristianismo também introduz a idéia de intenção: até então, a filosofia moral julgava como vício ou virtude as ações e atitudes visíveis; na ética cristã, a intenção invisível também tem o testemunho e o julgamento de Deus.

Quando as descobertas científicas começam a abalar os dogmas da Igreja, já na Idade Moderna, com a teoria heliocêntrica de Copérnico e Kepler na astronomia e suas repercussões na física de Galileu e Newton, há uma mudança no pensamento filosófico. O ser humano e o seu planeta deixaram de ser o centro do universo e a relação entre os corpos deixou de ser um jogo comandado pelas mãos divinas. “A própria posição do ser humano no mundo precisou ser revista, o que se reflete nas filosofias de Decartes, Pascal, Espinosa e outros”, diz Duarte, da UFMG.

No século XVII, Espinosa postula que por sofrermos ação de causas exteriores a nós, seríamos seres naturalmente passionais, e as paixões não seriam nem boas e nem más, apenas naturais. Para ele, são três as paixões originais: alegria, tristeza e desejo. Da primeira derivam o amor e a misericórdia, por exemplo; da segunda, a inveja e o orgulho; e da terceira, a ambição e a luxúria. O vício seria, então, sucumbir às paixões e desejos tristes governados por causas externas, e a virtude seria a força para ser e agir autonomamente.

A idéia de autonomia do sujeito moral, que age de acordo com sua consciência sem se submeter a poderes externos, acompanha a ética desde a filosofia antiga até hoje. “Não acredito em ética vigiada por câmeras em estádios de futebol. O mesmo pode-se dizer em relação às empresas que alegam o direito de vigiar seus empregados”, comenta Martins, da UnB. No século XVIII, essa idéia levou ao questionamento da submissão às leis divinas por dever do sujeito cristão, que condicionava o comportamento ético a um poder externo. A resposta de Rousseau a essa questão é a de que a consciência moral e o sentimento de dever seriam inatos – ou seja, nasceríamos com eles –; com a instituição da propriedade privada e dos interesses privados, o homem teria se tornado egoísta e mentiroso, necessitando que o dever às leis divinas o forçasse a se recordar de sua natureza originária. Já Kant pensou em uma solução diametralmente oposta: para ele, somos naturalmente egoístas, ambiciosos e agressivos e, justamente por isso, precisaríamos do dever para nos tornarmos seres morais; a moral, para Kant, porém, não viria de um sentimento natural em nossos corações, como em Rousseau, mas da razão, como diziam Sócrates e Aristóteles.

No século XIX, Hegel critica tanto Rousseau quanto Kant, por ambos terem enfatizado a relação do sujeito com a natureza e esquecido da relação do sujeito com a cultura e a história. Outra crítica de Hegel é que eles admitiam a relação entre ética e sociabilidade a partir de relações pessoais, enquanto deveriam ter como ponto de partida as relações sociais fixadas por instituições como família, sociedade civil e Estado. Para Hegel, somos seres históricos e culturais, e além de nossa vontade individual subjetiva, há uma vontade objetiva – social, pública, coletiva – muito mais poderosa, estabelecida pelas instituições e pela cultura. A vida ética, portanto, seria o acordo entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural.

“O reduto ético inexpugnável é o social. O velho imperativo categórico se forma socialmente”, explica Martins, da UnB. Assim, cada sociedade, em cada período da história, define os valores positivos e negativos para os comportamentos, os atos permitidos e os proibidos; cada cultura tem seus próprios costumes arraigados. “Um exemplo: a queima voluntária de viúvas junto com os corpos de seus maridos na Índia tradicional”, ilustra Duarte, da UFMG.

No século XX, Marx classifica de hipócrita os valores da moral vigente – de liberdade, felicidade e respeito à humanidade –, porque eram irrealizáveis em uma sociedade baseada na exploração do trabalho, na desigualdade social e econômica, e na exclusão dos direitos políticos e culturais de uma parcela de seus membros. Para Marx, era preciso mudar a sociedade para a ética se concretizar. Já Bergson parte da perspectiva de Hegel para falar em duas morais: uma fechada, ligada às ações individuais de acordo com os valores e costumes de uma sociedade; e uma aberta, na qual indivíduos excepcionais criariam novos valores e novas condutas que rompem com a moral vigente. Um exemplo de mudança de comportamento é a exposição da barriga de mulheres grávidas na praia: hoje é comum, mas não era nos anos 1960 quando a atriz Leila Diniz ousou desfilar sua maternidade.

Na complexa sociedade contemporânea, certas esferas específicas de atuação humana, na consolidação de suas posições sociais, adquiriram um poder considerável, tornando necessário o estabelecimento de éticas setoriais próprias, como a ética médica ou a ética jornalística. “É importante observar que quando se fala em ‘éticas’ com esse sentido, o que está em questão não é apenas a observância de preceitos morais considerados adequados pela comunidade (médica ou jornalística), mas também a capacidade de refletir adequadamente sobre a norma, suas possibilidades de aplicação e até mesmo (em casos absolutamente especiais) de transgressão”, diz Duarte.

No comportamento ético mais geral e não setorizado da atualidade, o filósofo da UFMG vê uma degradação na capacidade dos sujeitos para refletir, devido à sua disposição para seguir os apelos da propaganda comercial, política e ideológica, o que ele chama de “imitação das paixões”. Já Martins, da UnB, é mais otimista: “A ética antes era mais imposta e hoje ela é negociada. Há um contributo do cidadão em medidas como plebiscito, referendo e consultas públicas”, afirma, dando como exemplo a classificação de programas de TV por faixa etária, fixada pelo Ministério da Justiça após ouvir milhares de pessoas da sociedade civil.

Para Martins, tudo é ético, desde o simples ato de ceder o lugar a uma mulher grávida ou a um idoso no ônibus até o respeito às filas – em bancos, supermercados, entradas de shows – e o respeito dos motoristas não apenas pelas leis do trânsito, mas especialmente pelos pedestres, ciclistas e pelos outros motoristas. “O campo da ética é o respeito. E eu sou ético quando percebo que se eu sou cooperativo, acabo me beneficiando”, ensina.

Para saber mais:
A existência ética - capítulo 4 de Convite à Filosofia, de Marilena Chauí
A filosofia moral - capítulo 5 de Convite à Filosofia, de Marilena Chauí

O que é ser cidadão

Desenvolvido por Luiz Roberto Bendia, editor do Jornal dos Amigos
Referência bibliográfica: Ética e Cidadania, Caminhos da Filosofia, de Sílvio Gallo. Esse livro é o resultado do GESEF - Grupo de Estudos sobre o Ensino de Filosofia, ligado ao Departamento e a curso de Filosofia da Universidade Metodista de Piracicaba.


O que é cidadania
Segundo o Aurélio, cidadão é aquele indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este. Habitante da cidade. Indivíduo, homem, sujeito.

Do ponto de vista da filosofia, o objetivo deste trabalho é alcançarmos algo muito além da mera descrição do Aurélio. No nosso entendimento ser cidadão é ser chamado às responsabilidades para lutar pela defesa da vida com qualidade e do bem-estar geral.

O que é ética
Segundo o dicionário Aurélio, "é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto".

O Aurélio qualifica Ética diferente de Moral, que é o conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. Pode ser ainda o conjunto das nossas faculdades morais; brio, vergonha, que tem bons costumes. E de uma outra forma, relativo ao domínio espiritual (em oposição a físico ou material).

A palavra Ética tem sua origem na palavra grega Ethos, que significa o lugar onde o animal se esconde. Morada, morada espiritual, por conseguinte, uma referência. Sua evolução passou para o sentido de referência de valor, caráter.

Já a palavra Moral vem de origem latina: Mos, mores, significando costumes.

Alguns pensadores já definem ética e moral com o mesmo sentido.
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Afinal, o que é ser cidadão?

Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho justo, à saúde, a uma velhice tranqüila.

Como exercemos a cidadania?

Cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Expressa a igualdade dos indivíduos perante a lei, pertencendo a uma sociedade organizada. É a qualidade do cidadão de poder exercer o conjunto de direitos e liberdades políticas, socio-econômicas de seu país, estando sujeito a deveres que lhe são impostos. Relaciona-se, portanto, com a participação consciente e responsável do indivíduo na sociedade, zelando para que seus direitos não sejam violados.

A cidadania instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram na Independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa. Esses dois eventos romperam o princípio de legitimidade que vigia até então, baseado nos deveres dos súditos e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão. Desse momento em diante todos os tipos de luta foram travados para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo ocidental o estendesse para a s mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias.

Capturado no site:http://www.codic.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=8

A questão do sujeito na ética contemporânea

Cristina G. Machado de Oliveira

Muitos são os problemas a serem enfrentados pelo homem contemporâneo ao discutir a respeito da moral, o individualismo, o narcisismo hedonista, a recusa da razão dominadora, o relativismo moral. Uma das preocupações do ser humano ao se comportar moralmente é saber distinguir o bem do mal. O sujeito moral, ao se perguntar como deve agir em determinada situação, certamente se aproxima de questões teóricas e abstratas tais como: Em que consiste o bem? Qual o fundamento da ação moral?

Colocando tais questões, estaremos entrando no campo da ética, teoria que realiza a reflexão crítica sobre a experiência dos bons costumes ou dos deveres, e que tem por fim discutir as noções e princípios que fundamentam a conduta moral. A palavra ética, nos dias atuais, quer dizer, a ciência de fato que tem por objeto a conduta dos homens, abstração feita dos juízos de apreciação que dirigem os seres nessa conduta, com efeito, qualquer hipótese que se adote sobre a origem e a natureza dos princípios da moral. É certo que os juízos de valor que tratam da conduta são fatos cujas características cabe determinar, e que o estudo da conduta não pode ser substituído pelo estudo direto destas, porque o comportamento dos homens nem sempre é conforme seus próprios juízos sobre o valor dos atos.

Logo, um dos grandes dilemas da filosofia moral pode ser resumido nas seguintes questões: Existem ou não valores morais válidos para todos os homens? Como justificar a classificação das ações em moralmente corretas ou incorretas, boas ou más?

Para os antigos filósofos, tal como Platão, a justiça e a virtude centralizavam todo o problema moral. O termo virtude tem, em grego, um significado bem mais rico e bem diferente do que tem para nós hoje. Designa o que faz a excelência, a perfeição de um ser, em qualquer ser considerado e em qualquer domínio de atividade. É, para cada um, o poder de realizar aquilo que ele em conformidade com uma ordem, entendendo-se que ordem, para os antigos, era sinônimo de “valor”. É, portanto, a prática ordenada de seu próprio bem, de onde resulta harmonia e felicidade. Porém, como definir a excelência de um ser, e posto que se trata do homem, o que é a excelência humana? Se não houvesse qualquer ambigüidade nesse assunto, Sócrates não teria se preocupado em questionar com tanta freqüência o problema da essência da virtude, e sofistica não se distinguiria da filosofia. A educação moral, essa é, realmente, a tarefa tanto do sofista como do filósofo, um e outro reivindicando para si os mesmos valores. Eles celebram a sabedoria, a justiça, a temperança e a coragem, mas o que esses termos recobrem? Trata-se de partes de uma única virtude, da mesma forma como os olhos, as orelhas e o nariz são partes do rosto? Ou trata-se de nomes diferentes de uma mesma e única virtude?

Nos tempos da criação, os deuses confiaram a Epimeteu e a Prometeu o cuidado de dotar cada espécie das qualidades necessárias à existência. Epimeteu abasteceu tão generosamente os animais e os vegetais que, quando chegou a vez da espécie humana, nada mais restava. Prometeu decidiu então compensar a imprevidência do irmão e furtou de Hefesto e Atena o fogo. “Eis, portanto, como o homem conquistou a inteligência que se aplica às necessidades da vida” (Protágoras, 321d). Entretanto, se a habilidade técnica substitui com facilidade o instinto em tudo o que se refere à satisfação das necessidades e, em geral, à adaptação, ela não basta para permitir que os homens se entendam e administrem as cidades. A discórdia reina entre eles e ameaça aniquilá-los. “Foi então que Zeus, temendo o desaparecimento total da nossa espécie, enviou Hermes para levar aos homens o sentimento da honra e do direito, a fim de que esses sentimentos fossem o adorno das cidades e o laço através do qual se unissem as amizades”. (Protágoras, 322c) Esse sentido da justiça, porém, não deve ser repartido de forma desigual, como se, à semelhança das aptidões técnicas, exigisse uma competência especial. Nesse sentido, na época grega o conceito de justiça e virtude eram o cerne do problema moral.

Já na idade moderna a justiça é antes de tudo um princípio ordenador da sociedade. A ética deve se estabelecer em torno de princípios abstratos, assim como é abordado em Kant, o princípio supremo da moralidade. Uma de suas grandes questões filosóficas é o da ação humana, ou seja, o problema moral. Tratava-se de saber não o que o homem conhece ou pode conhecer a respeito do mundo e da realidade última, mas do que deve fazer, de como agir em relação a seus semelhantes, de como proceder para obter a felicidade ou alcançar o bem supremo.

Os modelos clássicos de moral nos dispõem de conceitos morais unívocos, porém o filósofo contemporâneo, Mark Johnson, discorda e questiona. Na perspectiva dele os conceitos que utilizamos em situações morais são essencialmente vagos, em comparação ao padrão de clareza e pureza de Kant. Na visão de Johnson temos que estender os juízos morais através da imaginação (construção metafórica), desse modo poderemos nos colocar no “lugar” do outro donde, assim, entenderíamos a relação moral.

No livro Moral Imagination Johnson, em linhas gerais, defende a tese de que a qualidade moral depende essencialmente do cultivo da nossa imaginação moral. Na visão dele o fornecimento de razões morais é uma prática imaginativa construtiva fundamentada basicamente no uso de metáforas, já que nossos conceitos morais mais essenciais são definidos metaforicamente (ex. vontade, liberdade, direito, lei, ação) e que o modo como conceituamos uma situação particular depende do uso sistemático de metáforas conceituais que tornam possível o entendimento comum aos membros de uma cultura. Nesse sentido, a proposta da obra é fornecer uma visão construtiva da concepção da racionalidade moral como imaginativa e munir uma compreensão expansiva e construtiva da moralidade que nos ajude a viver uma vida melhor.

A teoria da imaginação, nesse sentido, está na base da oposição entre o absolutismo e o relativismo. Johnson nega os dois termos, pois ambos alimentam-se de conceitos vistos por ele como errôneos tal qual a racionalidade. De acordo com ele, o absolutismo moral assume a existência de leis morais absolutas que nos dizem o que é certo e errado. Já o relativismo moral aceita a concepção de moralidade proposta, mas caracteriza as regras sempre inerentes a determinada cultura, e recusa que a racionalidade possa fornecer regras, conclui que a moralidade é irracional e subjetiva, supondo, portanto, que só haja racionalidade e objetividade onde há leis universais.

Dessa maneira, a proposta de Johnson é mostrar que tal concepção está comprometida com uma compreensão errada da natureza humana. A questão da natureza da razão e da imaginação humana é empírica. As ciências cognitivas podem então nos ensinar muito acerca de certos conceitos envolvidos na nossa compreensão moral. Assim, sua proposta é fornecer uma visão construtiva da visão da racionalidade moral como imaginativa. Tal concepção não tem por objetivo munir um sistema de regras, mas sim uma compreensão moral genuína que auxilie nas nossas deliberações morais.

Ao longo do desenvolvimento do livro Johnson utiliza alguns elementos primordiais para a sua argumentação, são eles: teoria dos protótipos, estrutura semântica, entendimento metafórico, experiências básicas e narrativas. Através desses ele irá desenvolver o seu pensamento em relação a moral.

Johnson inicia por caracterizar o modelo da moralidade tradicional – a teoria popular da lei moral, esta está ancorada em uma teoria psicológica da mente e da natureza humana. A teoria da lei moral é uma visão segundo a qual a moralidade consiste na subsunção de casos concretos a leis morais. Por outro lado a teoria psicológica pressuposta pela teoria da lei moral reconhece a existência do mental e o caracteriza como composto de quatro faculdades – percepções, paixões, vontade e razão. As percepções recebem impressões e as transmitem à razão e às paixões, estas são ativadas diretamente por percepções ou indiretamente pela memória ou por razões deduzidas das percepções. A vontade é capaz de tomar decisões livremente, e a faculdade da razão realiza cálculos. As paixões e a razão exercem força sobre a vontade que por sua vez exerce força sobre o corpo e as ações. A vontade pode resistir à força exercida pela razão e, muitas vezes, à força exercida pelas paixões. As paixões e a razão exercem forças opostas.
Assim, a teoria da lei moral assume a teoria psicológica, e a dualidade entre o físico e o mental Considera o problema moral como proveniente do fato das pessoas possuírem vontade livre e poderem ajudar ou prejudicar umas as outras. Reconhece leis morais universais capazes de prescrever as ações que devem ser realizadas e proibir outras ações. Assume a razão como guia privilegiado para a motivação moral. A crítica feita em relação a essa teoria é que nossa tradição moral deve ser vista apenas como uma entre outras, não havendo nela nada de absoluto, pois os conceitos que a definem são metafísicos. Tal teoria tende a ignorar ou negar o papel da imaginação nas nossas deliberações morais, possuindo um caráter necessariamente negativo e restritivo.

A teoria da lei moral na tradição filosófica coloca como idéia central o ser humano possuindo uma razão universal capaz de reconhecer um sistema de princípios morais que nos diga como agir. Assume a dualidade entre o racional e o corporal, conferindo privilégio a nossa natureza enquanto seres racionais. Um exemplo desse tipo de teoria é a ética racional kantiana, onde o fundamento da moralidade não é mais a razão divina, mas a razão universal. Aceita como correta a descrição feita pela teoria da lei moral e, por seguinte, que se aplique a todos os seres humanos as concepções de agente moral, dever, vontade, razão e liberdade por ela pressupostas.
É certo que existem valores morais diversos, contudo, de acordo com Johnson no mundo não existem escolhas, pois temos o limite social, cultural etc. Nós somos inseridos no mundo e este sendo social já é formado, situado, sendo assim, tem sentido afirmarmos que o eu pode deliberar totalmente?

A deliberação moral reside na questão – que tipo de pessoa quero ser? Então, a moral é quando a decisão contribui para a identidade do seu “eu”.

De acordo com o modelo popular temos o “eu” movido pelo instinto e não um “eu” racional e ahistórico. O que determina o “eu”?

Johnson cita e explica algumas características objetivistas do “eu”, são elas:
1- O eu é racional, essencial – para o objetivismo moral o agente moral deve ser um tipo de quase-objeto com uma natureza determina, fixa, assim é considerado como tendo uma natureza imutável que partilha com todas as outras criaturas de sua espécie.
2- O eu é não histórico – como a essência do agente moral não é modificada por condições históricas o “eu” permanece fixo, independentemente da cultura e do tempo.
3- O eu é universal – pelo fato de possuirmos razão prática os agentes morais são todos iguais, pois agir moralmente é considerado como um problema, pois temos que sair de nossas particularidades e nos dar conta da natureza racional universal partilhada em virtude da qual constituímos uma comunidade moral universal.
4 – O eu é bifurcado em razão e desejo – estabelece que o eu consiste em entendimento e desejo, sendo distintos um do outro, porém a máquina da mente, por si mesma, nada quer, e o desejo sem o auxílio do entendimento, nada pode ver. Essa dupla natureza é a verdadeira força motivacional do ser, pois nos empurram e determinam os objetos de nossos apetites ou aversões.
5- O eu é individual e atômico – define assim por entender as pessoas como fontes de seus próprios fins, já que a racionalidade e a liberdade são inerentes, propriedades essenciais das pessoas individuais.
6 – O eu é separado de seus atos – o que ilustra muito bem essa característica é o racionalismo kantiano, já que Kant alega que nosso entendimento moral comum reconhece corretamente que o eu pode ter valor moral em si mesmo, a despeito de suas ações.

Dentre essas características Johnson afirma que existem duas problemáticas. São: o “eu dividido” e o “eu individual”, pois na primeira as duas faculdades estão separadas, porém devem estar unidas para poderem juntas serem base para a vontade racional. E na segunda característica, o objetivismo vê o eu como tendo uma essência fixa, mas não há alguma “coisa” estática que é ou deva ser que determina o que o agente moral deva fazer. A identidade de alguém como agente moral muda e é moldado pela forma de alguém deliberar sobre seus fins e propósitos.

Nos seres humanos a identidade do eu é sempre uma continuidade de um processo de experimentação ao longo do tempo, por isso, a compreensão da capacidade moral de agir deve reconhecer este caráter temporal. A narrativa, dessa forma, é o modo pelo qual nós podemos melhor sintetizar as ações e eventos, instituindo uma unidade narrativa, ou seja, um encadeamento seqüencial dos acontecimentos. Esta unidade narrativa também nos fornece justificativas para certos atos, e ao mesmo tempo possibilita uma espécie de previsão imaginativa das conseqüências do futuro.

Johnson propõe uma visão “experimentalista”, segundo a qual a pessoa deve ser encarada como um eu-em-processo, um organismo biológico auto-transformador em intercâmbio com um ambiente físico, interpessoal e cultural. A deliberação moral é a dimensão do procedimento adaptativo complexo que diz respeito ao desenvolvimento do nosso caráter, à natureza de nossas relações com os outros, e a nossa habilidade de discernir soluções construtivas que desempenhem possibilidades para o significado e bem estar em nossas vidas interdependentes. Nesse sentido, a visão experimentalista vê o eu e suas ações entrelaçadas em um processo experimental básico, um procedimento de interações físicas, interpessoais e culturais. Assim, o pano de fundo narrativo é imprescindível para o nosso entendimento de seqüências de ação, ou, em outras palavras, os eventos são sintetizados na narração de modo a construírem uma cadeia sucessiva que lhes reveste de sentido e unidade. Porém, nossas vidas não são simplesmente uma série de eventos incoerentes. A maior parte desta atividade sintetizante, de acordo com Johnson, é realizada por estruturas imaginativas e a estrutura narrativa fornece a unidade sintética mais compreensível que podemos alcançar. Dessa maneira, o motivo porque a narrativa é a maneira mais adequada de explicação das ações humanas é que as formas de ação podem ser apreendidas metaforicamente como “jornadas”, isto é, uma síntese das partes em um todo unificado com uma certa estrutura. Logo, enquanto nós podemos capturar certos aspectos de nossa experiência via conceitos, modelos, proposições, metáforas e paradigmas, somente a narrativa compreende a temporalidade e a organização teleológica ao nível genérico no qual nós perseguimos a unidade e o significado para a vida.

Mas como se dá a construção de narrativas? Esta é produzida a partir da infância, de nossas experiências confusas, inicialmente em resposta às perguntas mais primordiais, tais como: “quem”, “o que”, “quando”, “onde”, “porque” e “como”.

Desse modo, Johnson reafirma a sua intenção de rejeitar a tendência tradicional que adota um ponto de vista atemporal da humanidade e de suas ações, e afirma a importância da função de recursos imaginativos no contexto tipicamente narrativo em que se desenvolve a vida humana.
Em suma, nós somos basicamente seres em processo, criaturas sintetizantes cujos corpos nos situam em um mundo que é ao mesmo tempo físico, social, moral e político. Portanto, nós estamos localizados em uma tradição cultural específica que supre o estoque de funções sociais, estruturas, modelos e metáforas que são o nosso modo de apreender o mundo, compreendê-lo e raciocinar sobre ele. Assim, os julgamentos morais ocorrem nesse panorama biológico-cultural e fazem uso dessas ferramentas imaginativas. E por fim, como o processo sintetizante mais completo, a narrativa desempenha o papel de organizar nossa identidade e de avaliar nossos cenários ao fazermos escolhas morais.

Assim, nós podemos aprender a viver não somente com múltiplos sistemas morais, mas também com a multiplicidade de valores e bens que experimentamos em nossas próprias vidas. Nós negociamos nosso caminho por intermédio desse emaranhado que é a moral deliberativa, nunca certos de onde poderemos finalizar, mas guiando somente nossas idéias e nossa ação no mundo.

Bibliografia:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna, 1992.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia – Ser, Saber e Fazer. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
JOHNSON, Mark. Moral Imagination. --
KANT. Obras Incompletas. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger.São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os pensadores)
MANON, Simone. Platão. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

A ética no mass media

Rodrigo Duarte Professor do departamento de Filosofia da Fafich

Durante muito tempo a própria palavra “ética” sequer fazia parte do vocabulário do português falado no Brasil, possivelmente em virtude de a “coisa” que lhe correspondia estar há muito em desuso entre nós. Coube aos meios de comunicação de massa recolocar o termo na ordem do dia, principalmente após os escândalos de corrupção que levaram ao impeachment de Fernando Collor de Melo e que desde então, vêm atingindo altos representantes do Estado brasileiro, sejam do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. O fato de os meios de comunicação terem sido responsáveis pela reintrodução da palavra “ética” no português corrente leva a perguntar se há alguma afinidade, também, da “coisa” ética – e não apenas da palavra – com os mass media e, se houver, que tipo de relacionamento é esse.

Um caminho possível para esse questionamento é começar pela etimologia da palavra “ética”. Ela vem do termo grego ethos, que significava, principalmente, uso, costume, hábito. O fato de a palavra ser grega indica, também, a origem histórica da ética como disciplina filosófica: desde os filósofos pré-socráticos – ainda no século VI a.C. –, havia indagações sobre o modo de ser humano que fosse mais de acordo com o logos, i.e., com a razão. Toda a maiêutica (“parto de idéias”) de Sócrates tem como objetivo atingir a clareza sobre esse acordo entre o ethos e o logos, entre o costume e a racionalidade.

Os dois filósofos que lhe sucederam, Platão e Aristóteles, responsáveis pelo chamado “período sistemático” da filosofia grega, têm suas obras repletas de reflexões sobre a natureza da virtude, da felicidade, do bem etc. Aristóteles foi, aliás, autor dos primeiros tratados sistemáticos de ética de que se tem notícia. O que estava em questão no pensamento desses dois gigantes da filosofia grega era compreender como os ethoi (costumes) particulares – em alguns casos, literalmente bárbaros – poderiam ser elevados a um nível de generalidade compatível com o logos (a razão), entendido, desde cedo, como um procedimento de nossa psique responsável pela promoção e identificação de universalidades.

O legado grego à posterior civilização ocidental é, também no caso da ética, de valor inestimável. De fato, desde os primórdios do Cristianismo, mesmo com o advento de contextos históricos muito diferentes do da Grécia Clássica, o pensamento moral grego nunca deixou de ser considerado pelos grandes filósofos. No início da era cristã, por exemplo, Santo Agostinho envidou esforços para adaptar a herança grega – principalmente platônica – ao regime de interioridade psíquica trazido pela consolidação do Cristianismo. Em plena Idade Média, entre outros grandes pensadores, Santo Tomás de Aquino realizou tarefa semelhante, orientando-se, principalmente, pelo pensamento de Aristóteles.

O advento da Idade Moderna, com as enormes transformações econômicas, artísticas, religiosas e científicas, trouxe à filosofia da época questões também aparentadas com a mesma indagação grega sobre a necessidade de elevar os usos e costumes humanos a uma espécie de denominador comum, que seria o patamar da racionalidade. Acreditava-se à época – de modo tão exagerado quanto propriamente inviável – que a universalidade recém-conquistada no plano da ciência natural, com a física mecanicista de Galileu, Copérnico e Kepler, entre outros, seria passível de ser transposta para o âmbito das ações humanas, i.e., para o domínio da própria ética.

Dentro desse espírito, estava o projeto de Descartes da mathesis universalis (matemática universal, aplicável, também, à moral humana) e os esforços de Leibniz para o estabelecimento de um calculus racionator, i.e., um infalível método de raciocínio que, entre outras coisas, acabaria com os dissensos dos sábios em matéria de metafísica e moral.

Devemos a Immanuel Kant a limpeza de todo esse terreno de confusões entre âmbitos que se deixam resolver matematicamente, como a física, e os que são da ordem da reflexão, não se deixando, de modo algum, quantificar, embora exijam um elevado nível de racionalidade para sua abordagem. Segundo Kant, a racionalidade de tipo matemático é adequada à compreensão apenas do mundo natural e o mundo humano – inclusive todo o campo de ação ética – encerra em si um tipo próprio de racionalidade, em que ressalta a autonomia dos sujeitos – daí, um grau de imponderabilidade que inviabiliza a matematização.

Essa distinção abriu um novo campo de reflexão para os valores, i.e., os bens imateriais da humanidade, tais como o seu potencial ético e o patrimônio cultural. A idéia kantiana de autonomia – no fundo, uma espécie de radicalização da exigência grega de submeter os costumes à razão – tornou-se um dos principais motores da reflexão ética na filosofia pós-kantiana, mesmo que as diversas correntes de pensamento tenham divergido sobre a natureza e o alcance dessa autonomia.

Do ponto de vista da reflexão ética, esse é o cenário que antecedeu o surgimento, no início do século XX, dos mass media nos países mais industrializados. A invenção do cinematógrafo, nas últimas décadas do século XIX, e do rádio, logo no início do seguinte, coincide com o advento de sociedades de massa, em que surge concomitantemente a necessidade de controles sociais mais acurados por parte dos detentores do poder. Fosse pela simples necessidade de manter a ordem pública no sentido mais imediato, de coibir roubos ou assassinatos, ou para a manutenção do regime capitalista super-industrializado, que passava, à época, de um modelo liberal, concorrencial, para outro de tipo “monopolista” (ou, mais apropriadamente, oligopolista), os novos meios de comunicação foram imediatamente postos a serviço do status quo e, muito rapidamente, revelaram-se como meios muito eficazes de difusão ideológica.

A expressão “indústria cultural”, cunhado por Max Horkheimer e Theodor Adorno na década de 1940, designa esse “sistema”, formado inicialmente pelo cinema e pelo rádio – aos quais se juntaram, posteriormente, a televisão, o vídeo e os recursos de computação multimídia e de rede –, que tem como objetivo último padronizar o comportamento das pessoas, de modo a impedir “surpresas” na condução de uma economia progressivamente “globalizada” e de um modelo de política em que a concessão do direito de voto aos cidadãos pode pôr em risco a manutenção do sistema capitalista.

Desse modo, nem é preciso dizer que a primeira coisa que a indústria cultural sacrifica é a liberdade dos indivíduos num sentido mais substancial – e não apenas no de escolher entre a mercadoria A ou B –, i.e., de sua autonomia como potenciais sujeitos responsáveis por suas ações morais. Diante disso, ainda que os mass media, ocasionalmente, dêem alguma contribuição para “moralizar” a vida pública, não se pode dizer que eles sejam – ou tenham sido – responsáveis, no Brasil, pela introdução da “coisa” ética. Limitaram-se apenas à reintrodução da palavra correspondente.

ÉTICA - Definição IV

Kierkegaard e Foucault diziam que a ética grega é uma estética, ou uma poética, preocupando-se com a arte de viver, com a elaboração de uma vida bela e boa.

Valls ALM. in: Ética e Contemporaneidade

ÉTICA - Definição III

“Realmente os termos “ética” e “moral” não são particularmente apropriados para nos orientarmos. Cabe aqui uma observação sobre sua origem, talvez em primeiro lugar curiosa. Aristóteles tinha designado suas investigações teórico-morais - então denominadas como “éticas” - como investigações “sobre o ethos”, “sobre as propriedades do caráter”, porque a apresentação das propriedades do caráter, boas e más (das assim chamadas virtudes e vícios) era uma parte integrante essencial destas investigações.

A procedência do termo “ética”, portanto, nada tem a ver com aquilo que entendemos por “ética”. No latim o termo grego éthicos foi então traduzido por moralis. Mores significa: usos e costumes. Isto novamente não corresponde, nem à nossa compreensão de ética, nem de moral. Além disso, ocorre aqui um erro de tradução. Pois na ética aristotélica não apenas ocorre o termo éthos (com 'e' longo), que significa propriedade de caráter, mas também o termo éthos (com 'e' curto) que significa costume, e é para este segundo termo que serve a tradução latina.”

Tugendhat E. Lições sobre Ética. Petrópolis: Vozes 1997:35.

ÉTICA - Definição II

A Ética existe em todas as sociedades humanas, e, talvez, mesmo entre nossos parentes não-humanos mais próximos. Nós abandonamos o pressuposto de que a Ética é unicamente humana.

A Ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral).

Singer P. Ethics. Oxford: OUP, 1994:4-6.

ÉTICA - Definição

Ética é uma palavra de origem grega, com duas origens possíveis. A primeira é a palavra grega éthos, com e curto, que pode ser traduzida por costume. A segunda também se escreve éthos, porém com e longo, que significa propriedade do caráter.

A primeira é a que serviu de base para a tradução latina Moral, enquanto que a segunda é a que, de alguma forma, orienta a utilização atual que damos a palavra Ética.Ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom.

Moore GE. Princípios Éticos. São Paulo: Abril Cultural, 1975:4

Uma Lágrima e Um Sorriso!


Eu não trocaria as tristezas do meu coração pelas alegrias dos homens, e não desejo que as lágrimas que a melancolia provoca nos meus olhos se transformem em risos. Prefiro que minha vida permaneça uma lágrima e um sorriso: uma lágrima que purifique meu coração e me faça compreender os mistérios e segredos da vida, e um sorriso que me aproxime dos meus semelhantes e simbolize minha glorificação aos deuses. Uma lágrima que me irmana aos tristes de coração, e um sorriso que proclama a minha alegria de viver.

Prefiro morrer de muito desejar a viver na indiferença. Quero sentir nas minhas profundezas fome pelo amor e a beleza, pois observei e verifiquei que os satisfeitos são os mais infelizes dos homens e os que mais se assemelham à matéria inanimada; e escutei e descobri que os gemidos de saudade do apaixonado são mais embaladores que as melodias dos violinos.

Quando a noite cai, a flor fecha as pétalas e dorme abraçada aos seus desejos; e quando rompe a madrugada, descerra os lábios para receber o beijo do sol. A vida da flor é desejo seguido de união: uma lágrima e um sorriso.

Evapora-se a água do mar e se eleva e se condensa em nuvens que passeiam por sobre os valores e as colinas. Mas quando encontram brisas suaves, descem em lágrimas sobre os campos e se juntam aos arroios e voltam ao mar, sua pátria. A vida das nuvens é separação e depois reencontro: uma lágrima e um sorriso.

Assim a alma se separa do espírito universal e caminha no mundo da matéria e passa como nuvem por cima das montanhas de tristeza e dos campos de alegria, e quando encontra as brisas da morte, volta à sua origem: ao mar do amor e da beleza, ao coração de Deus...

Gibran Khalil Gibran

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