Filósofa Marcia Tiburi
3por4: De que ética o Brasil precisa?
Marcia Tiburi: A primeira coisa que precisamos é aprender que ética é diferente de moral. Moral é o conjunto das nossas relações, como nos tratamos, como acreditamos em valores espirituais ou materiais. Ética é o pensamento sobre tudo isso. Quando penso sou capaz de agir sabendo o que fiz. Não há ética fora disso. Os brasileiros não se questionam sobre qual é a minha dentro deste mundo? Vemos muito a indignação moral, que é puramente afetiva, capaz de levar multidões ao choro, mas não criamos lastro para a passagem à reflexão, ou seja, à base de questionamento sobre ações e valores, o que poderia nos permitir entrar na ética. Além disso, não há ética sem responsabilidade e no Brasil ainda não entendemos que não se faz nenhuma responsabilidade real sem solidariedade. Temos que aceitar que este país é fruto de relações sociais que todos nós sustentamos com ações ou omissões.
3por4: Como os conceitos de cidadania e ética se fundem no cotidiano?
Marcia: A máquina cotidiana do trabalho e da produção, do serviço, da eficiência, extirpou o sentido da vida. Ninguém tem tempo - tempo custa caro - para lembrar que é um cidadão dentro de um mundo que está cheio de demandas ecológicas e sociais. A infelicidade na vida pessoal é fruto da infelicidade no universo da vida pública. Felicidade é um conceito ético e político, não uma mercadoria para uso imediato. Vivemos separando as esferas da vida privada e da vida pública e não vemos como uma interfere na outra. Se a pessoa da classe média e da classe alta não tem o interesse em ser cidadão, o que esperar de quem nem sequer teve oportunidade de conceber o valor da vida, da sociedade e da cultura porque vive em meio à miséria e só concebe aquele pequeno mundo de horrores? Ser feliz é algo que exige uma mudança destas condições. Não só por suas vidas pobres, mas pela pobreza da vida em geral. Só quem luta contra isso é que não se deprime hoje.
3por4: Pensar com ética é, também, pensar na sobrevivência do planeta?
Marcia: A ética é uma postura geral em relação ao outro, seja ele o que está ao seu lado, além de mim, seja uma pessoa, uma multidão, a natureza, o universo, o tempo passado, o futuro. Os ecologistas avisam há tempos, mas a sociedade não ouve. Brincamos com o planeta e só acordamos quando nossa sobrevivência é que está ameaçada. Ora, tantos animais foram extintos, o homem também pode ser. É preciso tomar cuidado e produzir ações que revertam esta situação. Claro que a coisa começa em casa e na escola, aprendendo a cuidar da reciclagem, dos gastos com energia e água, mas vai além, imperando sobre a necessidade de rever a política brasileira em relação à Amazônia. Não estamos agindo com ética diante da natureza.
3por4: Como o público recebe sua participação no Saia Justa do GNT?
Marcia: De um modo geral, as pessoas são muito generosas e gentis. Acho que gostam da novidade da filosofia. Há muito mais gente interessada em pensar do que imaginam as elites que tentam conduzi-las. Filosofia é pensamento libertador, que serve para emancipar quem a estuda e, é claro, quem não tem medo de ir em frente. Isso as pessoas estão querendo muito.
3por4: Dá para filosofar na televisão?
Marcia: Eu não gosto de tratar deste modo a questão. Quando falamos em filosofia, se trata de um pensamento crítico, lúcido, em busca dos princípios e argumentos relacionados às coisas. A tevê exige rapidez, o que é difícil quando se fala em fundamentar opiniões, dar detalhes explicativos. Mas não tentar é covardia.
3por4: Você acha que cumpre um papel específico no Saia?
Marcia: Tento fazer a minha parte como nômade nesta seara. Corajoso mesmo foi esse pessoal da TV que me chamou a participar. Não é meu espaço de aula, de conferência e, por isso, cuido de ser elegante o quanto possível, diante do encontro que ali é possível. Gosto tanto de minhas amigas, da atual formação, que tem sido bem prazeroso. Não penso que todos tenham que entender tudo, nem que tenha que ser tudo explicado. O Saia Justa é um modelo visual da conversação real das pessoas. Há, claro, os sexistas que se incomodam com um fórum de mulheres, mas aí é outra questão.
3por4: Existe diferença entre o pensar feminino e masculino?
Marcia: Nenhuma. A diferença é a história do pensamento. Os homens foram donos do espaço intelectual em função do poder que tinham nas mãos. As mulheres ficaram de fora, nem da universidade podiam participar durante séculos. Hoje, há uma autorização crescente e geral das mulheres em todas as áreas. Claro que chegamos a um lugar histórico de evolução da história humana, das idéias, e da possibilidade de criar conceitos. Hoje só não é livre para pensar e expressar-se quem não quer ou não sabe que pode.
3por4: Que coisas têm lhe incomodado no Brasil?
Marcia: O Brasil não me incomoda nunca. Adoro o meu país. Aprendi isso viajando. O Brasil é o lugar. O que deve incomodar a qualquer um que tenha consciência é o cinismo elevado à política profissional, à televisão e à cultura-mercadoria malfeita para otários, o roubo da reflexão pelos maus intelectuais. Mas tenho muita pena de quem quer agir e não sabe como. Esta pessoa vai acabar dando um jeito.
TIBURI, Marcia. Pensar é agir. O Pioneiro, Almanaque, Caxias do Sul, 1º abr. 2007, p. 24.
3por4: De que ética o Brasil precisa?
Marcia Tiburi: A primeira coisa que precisamos é aprender que ética é diferente de moral. Moral é o conjunto das nossas relações, como nos tratamos, como acreditamos em valores espirituais ou materiais. Ética é o pensamento sobre tudo isso. Quando penso sou capaz de agir sabendo o que fiz. Não há ética fora disso. Os brasileiros não se questionam sobre qual é a minha dentro deste mundo? Vemos muito a indignação moral, que é puramente afetiva, capaz de levar multidões ao choro, mas não criamos lastro para a passagem à reflexão, ou seja, à base de questionamento sobre ações e valores, o que poderia nos permitir entrar na ética. Além disso, não há ética sem responsabilidade e no Brasil ainda não entendemos que não se faz nenhuma responsabilidade real sem solidariedade. Temos que aceitar que este país é fruto de relações sociais que todos nós sustentamos com ações ou omissões.
3por4: Como os conceitos de cidadania e ética se fundem no cotidiano?
Marcia: A máquina cotidiana do trabalho e da produção, do serviço, da eficiência, extirpou o sentido da vida. Ninguém tem tempo - tempo custa caro - para lembrar que é um cidadão dentro de um mundo que está cheio de demandas ecológicas e sociais. A infelicidade na vida pessoal é fruto da infelicidade no universo da vida pública. Felicidade é um conceito ético e político, não uma mercadoria para uso imediato. Vivemos separando as esferas da vida privada e da vida pública e não vemos como uma interfere na outra. Se a pessoa da classe média e da classe alta não tem o interesse em ser cidadão, o que esperar de quem nem sequer teve oportunidade de conceber o valor da vida, da sociedade e da cultura porque vive em meio à miséria e só concebe aquele pequeno mundo de horrores? Ser feliz é algo que exige uma mudança destas condições. Não só por suas vidas pobres, mas pela pobreza da vida em geral. Só quem luta contra isso é que não se deprime hoje.
3por4: Pensar com ética é, também, pensar na sobrevivência do planeta?
Marcia: A ética é uma postura geral em relação ao outro, seja ele o que está ao seu lado, além de mim, seja uma pessoa, uma multidão, a natureza, o universo, o tempo passado, o futuro. Os ecologistas avisam há tempos, mas a sociedade não ouve. Brincamos com o planeta e só acordamos quando nossa sobrevivência é que está ameaçada. Ora, tantos animais foram extintos, o homem também pode ser. É preciso tomar cuidado e produzir ações que revertam esta situação. Claro que a coisa começa em casa e na escola, aprendendo a cuidar da reciclagem, dos gastos com energia e água, mas vai além, imperando sobre a necessidade de rever a política brasileira em relação à Amazônia. Não estamos agindo com ética diante da natureza.
3por4: Como o público recebe sua participação no Saia Justa do GNT?
Marcia: De um modo geral, as pessoas são muito generosas e gentis. Acho que gostam da novidade da filosofia. Há muito mais gente interessada em pensar do que imaginam as elites que tentam conduzi-las. Filosofia é pensamento libertador, que serve para emancipar quem a estuda e, é claro, quem não tem medo de ir em frente. Isso as pessoas estão querendo muito.
3por4: Dá para filosofar na televisão?
Marcia: Eu não gosto de tratar deste modo a questão. Quando falamos em filosofia, se trata de um pensamento crítico, lúcido, em busca dos princípios e argumentos relacionados às coisas. A tevê exige rapidez, o que é difícil quando se fala em fundamentar opiniões, dar detalhes explicativos. Mas não tentar é covardia.
3por4: Você acha que cumpre um papel específico no Saia?
Marcia: Tento fazer a minha parte como nômade nesta seara. Corajoso mesmo foi esse pessoal da TV que me chamou a participar. Não é meu espaço de aula, de conferência e, por isso, cuido de ser elegante o quanto possível, diante do encontro que ali é possível. Gosto tanto de minhas amigas, da atual formação, que tem sido bem prazeroso. Não penso que todos tenham que entender tudo, nem que tenha que ser tudo explicado. O Saia Justa é um modelo visual da conversação real das pessoas. Há, claro, os sexistas que se incomodam com um fórum de mulheres, mas aí é outra questão.
3por4: Existe diferença entre o pensar feminino e masculino?
Marcia: Nenhuma. A diferença é a história do pensamento. Os homens foram donos do espaço intelectual em função do poder que tinham nas mãos. As mulheres ficaram de fora, nem da universidade podiam participar durante séculos. Hoje, há uma autorização crescente e geral das mulheres em todas as áreas. Claro que chegamos a um lugar histórico de evolução da história humana, das idéias, e da possibilidade de criar conceitos. Hoje só não é livre para pensar e expressar-se quem não quer ou não sabe que pode.
3por4: Que coisas têm lhe incomodado no Brasil?
Marcia: O Brasil não me incomoda nunca. Adoro o meu país. Aprendi isso viajando. O Brasil é o lugar. O que deve incomodar a qualquer um que tenha consciência é o cinismo elevado à política profissional, à televisão e à cultura-mercadoria malfeita para otários, o roubo da reflexão pelos maus intelectuais. Mas tenho muita pena de quem quer agir e não sabe como. Esta pessoa vai acabar dando um jeito.
TIBURI, Marcia. Pensar é agir. O Pioneiro, Almanaque, Caxias do Sul, 1º abr. 2007, p. 24.
Nenhum comentário:
Postar um comentário