sábado, 31 de julho de 2010

Guerra de facções

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Por Juremir Machado da Silva

Polícia Civil e Ministério Público Estadual bateram cabeça. Numa boa. Quer dizer, numa má. Só que nenhuma parte pode admitir que passou ou tomou rasteira. Apesar de o MPE ter desautorizado publicamente a PC, os discursos tentaram ser conciliatórios. Mas não colou. O MP, como todo mundo sabe, corrigiu a investigação da PC sobre a morte de Eliseu Santos. Estava fácil demais. Por um momento, tivemos um orgulho sem tamanho da eficiência dos nossos investigadores. Tudo fora resolvido em tempo recorde. Os bandidos haviam sido pegos. Era coisa de ficção científica. Uma Polícia do futuro, técnica e espetacularmente ágil. Aí veio o MPE e, como quem não quer nada, jogou com tudo um tijolo na vidraça dos vizinhos. Depois, cautelosamente, explicou que era normal, apenas um procedimento rotineiro. Uau!

As dúvidas permanecem. Por que o MPE não pediu à Polícia Civil para refazer o dever de casa? Por que o MPE chamou a Brigada Militar para realizar diligências normalmente executadas pela Polícia Civil? Por que o MPE deixou vazar informações para a mídia na Quinta-Feira Santa e marcou uma coletiva para depois do feriado? Por que o MPE não deu a menor sinalização à Polícia Civil sobre a ampliação das investigações? O MPE fez, ao que parece, um belo trabalho. O trabalho que a Polícia Civil deixou de fazer. E ainda usa bem as palavras: em lugar de investigação paralela prefere investigação complementar. É outro enfoque, outro estilo, outra realidade. Só que nas ruas a percepção é muito mais simples: a Polícia Civil precipitou-se, concluiu um inquérito em tempo recorde e bateu de cara na parede. O MPE acabou com a festa. Estava tudo errado.

Como diz o bordão, o povo não é bobo. E gosta de espetáculo. Quer diversão e circo. Adorou a guerra entre o MPE e a Polícia Civil. Afinal, praticamente ninguém jamais acreditou na tese do latrocínio. Em cada esquina, um popular repete o refrão: tinha e tem coelho nesse mato. E coelho aparece na Semana Santa. É só procurar bem que os ovinhos são achados. Para isso, claro, é preciso meter a mão no ninho. Só que é ninho de cobras. O MPE jura que achou o ninho. A Polícia Civil pagou o pato. Nesse zoológico, bom cabrito é o que mais berra. A PC berrou. O MPE, na manha do ganso, deu o coice e recolheu a pata. Agora é com a Justiça. A Justiça, como sabemos todos, tarda e falha. Nem por isso vamos desprezá-la. Segue o baile.

Eu tenho outra tese. É meu ofício. Sempre tenho outra tese. Quando não tenho, invento. Depois, faço como a Polícia Civil. Bato pé. Não volto atrás. A minha tese é que foi latrocínio por acaso. Os bandidos estavam lá para cometer um crime encomendado. Haviam preparado tudo de maneira a confundir a Polícia. Fizeram tudo o que normalmente não se faz numa execução. Só para confundir os investigadores. Na hora, porém, de entrar em cena, esqueceram o roteiro e, para não perder a viagem, praticaram um latrocínio. O efeito foi o mesmo. A pena é que será diferente. Nada que a progressão de regime não resolva. 

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Somos todos do bem - III

Ao menos é o que apregoa o psicólogo americano Dacher Keltner, professor da Universidade da Califórnia e autor de um estudo que contesta o ceticismo radical

Por Moisés Sznifer, de São Francisco

Quando você afirma que nascemos para o bem, não estaria emitindo um juízo moral sobre as emoções?_Isso contraria a tese de Richard Dawkins de que o gene não tem noção do bem e do mal, busca apenas sobreviver. Quando escrevi meu livro estava frustrado com Richard Dawkins, devido à sua obra O Gene Egoísta. Entendo que as emoções são morais. Sabemos, por exemplo, que o sentimento de repugnância é uma forma de condenar a pureza das ideias e do caráter das outras pessoas e até pode levar ao genocídio. Isto é um resultado imoral das emoções. Há todo um movimento que tentei resumir no livro, em que emoções como vergonha, raiva, asco e compaixão são apresentadas como manifestações de julgamento moral, o que é irrefutável. Também sabemos que essas emoções são moldadas pela evolução, e estamos descobrindo quais partes do corpo e da mente estão a elas vinculadas. Acabamos de publicar um estudo que mostra que há certos genes que ajudam a construir sistemas fisiológicos, que viabilizam essas emoções. Publicamos recentemente um artigo sobre um gene existente no terceiro cromossomo, que nos indica quão compassiva e calma uma pessoa pode permanecer ao lidar com o estresse. Penso então que Dawkins estava contaminado por uma ideologia quando escreveu que temos um gene egoísta. Há dados hoje que evidenciam a existência de genes não egoístas, interessados no bem dos outros e que, portanto, possuem um certo conteúdo moral. Penso que Dawkins está equivocado.
Se nascemos para ser bons, como explicar as atrocidades cometidas por Pizarro contra os incas, Hitler contra os judeus, Stalin contra os contestadores do regime, os Inquisidores contra os hereges; o racismo, os genocídios e a escravidão?_É uma das perguntas mais difíceis. Quando observamos nossa evolução, vemos as tendências genocidas e o comportamento de lutar e fugir integrados em nossas estruturas primitivas de mamíferos e de répteis. As coisas em que estou interessado – estupefação, estética, narrativa, compaixão e drama – são adições posteriores à nossa natureza evoluída. Claro que estamos sempre em conflito com outros, enquanto indivíduos e culturas. Creio que deveríamos nos perguntar profundamente como essas coisas surgem. Dias atrás julguei interessantes os comentários feitos por algumas pessoas ao abordarem este assunto. Chamaram minha atenção sobre as práticas punitivas dos pais, na Alemanha nazista. Pais puniam seus filhos com castigos corporais. Segundo esses observadores, foi essa cultura profundamente violenta, dos pais castigarem fisicamente as crianças, que permitiu a emergência do nazismo e isto, por sua vez, fez emergir uma violência nos processos cognitivos, no livre pensar. Um exemplo oposto: os chineses viajando no século 16, para a África, nunca tinham tido a ideia de escravizar os povos como faziam os europeus. É sobre evidências como estas que devemos pensar coletivamente.
Como você julga o trabalho do etologista Konrad Lorenz, que afirma que somos extremamente agressivos por natureza?_Sim, somos agressivos. Há realmente instintos agressivos que emergem, por exemplo, quando alguém se aproxima de nosso filho de uma forma ameaçadora. Há, também, estudos do neurologista Joseph LeDoux mostrando que, se vejo a figura de uma pessoa de um background étnico diferente do meu, minha amídala cerebral é acionada de imediato e impõe o ato reflexo de lutar ou fugir. É parte de quem somos. Mas o trabalho de Lorenz foi atualizado por Franz de Waal, ao estudar os aspectos relacionados a comportamentos sociais de primatas, sobre como resolvem conflitos, cooperam, têm aversão à iniquidade e compartilham alimentos. Parte de minha missão com o livro é realmente desafiar o leitor a concluir: sim, nós nascemos com esta agressividade da espécie e ela é parte da nossa cultura, mas vejam também o outro lado da história, os inúmeros exemplos de cooperação, solidariedade, alegria e amor.
Como o bem pode prevalecer na luta contra o mal?_Como resposta, darei alguns exemplos: sabemos que aqui nos Estados Unidos nossa unidade básica, a família – que está com problemas – tornou-se uma unidade frágil de socialização. Se você busca criar crianças boas, solidárias, você estará contribuindo para construir um mundo melhor. Haverá de contar histórias que versem sobre o amor, a bondade, a solidariedade, a compaixão. São as histórias que narramos antes da criança dormir. Precisamos ensinar a elas uma linguagem de emoção para fazer surgir esses conceitos. Outro exemplo: quando pensamos em Estados, países e nações, entendemos que a igualdade pode realmente nos ajudar. Sabemos que um Estado com um bom sistema legal elimina matanças por vingança, e transforma culturas baseadas em vingança em culturas de perdão. Há muitas conexões interessantes entre este material e a pergunta mais ampla de como se constrói uma sociedade melhor. ______________________

Original no endereço: http://bit.ly/cL7ZWV

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Somos todos do bem - II

Ao menos é o que apregoa o psicólogo americano Dacher Keltner, professor da Universidade da Califórnia e autor de um estudo que contesta o ceticismo radical

Por Moisés Sznifer, de São Francisco

Em seu livro, você afirma que nossa busca por uma vida significativa requer engajamento com emoções. O que isso significa?_Se você observar muitas tradições e pensadores ocidentais, como Platão, os estoicos, os puritanos e Kant, concluirá que eles exprimiram um enorme ceticismo em relação às emoções como manifestações adequadas ao ser humano. No entanto, observamos na cultura mediterrânea uma grande sabedoria acerca delas. É principalmente nas culturas norte-europeias, sobre as quais escrevo, que prevalece ainda um grande desdém para com as emoções. O que estamos aprendendo agora, graças às pesquisas científicas, é que elas são muitas, boas e más. Se quiser viver bem, você precisará lidar com seu ser emocional e estar conectado às emoções dos outros. Se quiser ser feliz nos seus relacionamentos, também. Quase todos os nossos maiores insights na vida estão baseados na emoção, na sua verdade e na sua beleza. É a ciência nos fazendo retornar para este aspecto fundamental de nossas vidas.
Toda cognição é precedida por uma emoção, concorda?_Einstein dizia que toda ideia que teve, surgiu de uma sensação em seu corpo. É incrível, a teoria da relatividade emergindo do corpo...
Einstein também contou, em sua biografia, que na infância sonhava em viajar na velocidade da luz. Isso é pura emoção!_Incrível, não sabia disso...Concordo! É interessante supor que nossos pensamentos provêm unicamente de processos cognitivos que residem em nossa consciência, e acharmos que isso é tudo. Mas subjacente a isso há um corpo, o inconsciente, e sabemos hoje que a maioria das nossas intuições mais profundas, como o amor, a confiança e a verdade, é emocional. Eventualmente, em alguns casos, como quando se está fazendo palavras cruzadas, é possível que não haja nenhuma emoção presente.
O neurologista António Damásio afirma que nossas emoções ocorrem no teatro do corpo e nossos sentimentos no teatro da mente, logo as emoções precedem os sentimentos. Qual a diferença entre emoções e sentimentos e qual a relação que se estabelece entre eles?_Essa é a questão mais difícil no estudo científico da emoção. Algo que começou com William James no final do século 19, estimulado por outros pensadores. Temos esses corpos de mamíferos com músculos, padrões fisiológicos e hormônios que são produzidos por eventos emocionais. Isso é emoção pura, a ação dos músculos da face, a fisiologia. E é a partir daí que decorre uma incrível gama de sentimentos.
Damásio diz que não se consegue esconder as emoções, que transparecem em seu corpo. Já os sentimentos você pode disfarçar. Você concorda com Damásio e Oliver Sacks, quando dizem que as emoções designadas como puras e competentes ocorrem antes no corpo, e só depois começa-se a pensar sobre elas?_Tendo a concordar que isso ocorre com as emoções clássicas – raiva, espanto e estupefação. Porém, há um certo grupo de sentimentos – o sentimento de que você sabe alguma coisa ou o sentimento de que algo é verdadeiro – que pode estar apenas na mente. Mas a maioria das grandes emoções sobre as quais estamos conversando tem um grande componente corporal. 
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Original no endereço: http://bit.ly/b1CDqg 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Somos todos do bem

Ao menos é o que apregoa o psicólogo americano Dacher Keltner, professor da Universidade da Califórnia e autor de um estudo que contesta o ceticismo radical

Por Moisés Sznifer, de São Francisco

Trava-se nas prateleiras uma batalha do bem contra o mal. Algo que contrapõe a visão de Rousseau à de Thomaz Hobbes, o “bom selvagem” contra o homem-lobo. De um lado, despontam obras como O Gene Egoísta, de Richard Dawkins, e On Evil (“Sobre o mal”), de Terry Eagleton, que enfatizam o lado mais obscuro dos seres humanos. De outro, livros como o recém-lançado The Empathic Civilization (“A civilização da empatia”), de Jeremy Rifkin, e Born to Be Good (“Nascidos para o bem”), do psicólogo Dacher Keltner. Professor da Universidade da Califórnia e diretor do Centro de Ciências Greater Good (Bem Maior), Keltner diz na entrevista a seguir que escreveu seu livro na tentativa de “desmistificar” uma visão sombria unilateral que paira sobre a espécie humana. Segundo ele, a emoção prevalecente da compassion (misto de simpatia e solidariedade) foi muito bem elaborada por Darwin, mas propositadamente negligenciada pelos autores mais pessimistas. Aluno do psicólogo Paul Ekman, Keltner conviveu algum tempo com o dalai-lama, de quem absorveu o conceito confuciano de Jen, segundo o qual o significado de uma vida honrada passa pela bondade, pelo respeito aos outros e a gratidão. Apoiado nestas três fontes, escreveu um livro fácil de ler, repleto de metáforas inusitadas, anedotas simpáticas e exemplos curiosos acerca de vidas plenas de significado. É uma contribuição relevante à chamada psicologia positiva que prospera na Universidade de Berkeley, a mesma onde nasceu o movimento hippie, aquele que pregava “a paz e o amor” nos anos 60.
Jen Science é o título do primeiro capítulo de seu livro. Do que se trata?_Jen é a ideia central dos ensinamentos de Confúcio e se refere a uma complexa combinação de elementos como bondade, humanidade e respeito, intervenientes nos relacionamentos. Para Confúcio, uma pessoa Jen é alguém capaz de catalisar os bons fluidos emanados por outros, evitando absorver os negativos. O Jen é também aquele sentimento profundo que o envolve quando você consegue extrair o bem dos outros. Podemos identificá-lo fisicamente, por meio de neurotransmissores (a serotonina, por exemplo) e potenciais de ação, em áreas do cérebro que promovem a confiança, o carinho, a devoção, o perdão e a alegria.
Paul Ekman identificou seis tipos de emoções, das quais quatro são negativas, uma positiva e uma neutra. Como afirmar, então, que as pessoas foram programadas para ser boas?_Ekman partiu da teoria da evolução de Darwin sobre as emoções. São, para ele, representações da nossa evolução enquanto mamíferos e expressas em muitas partes do corpo – olhos, respiração, pele etc. Ekman fixou-se basicamente nas expressões faciais. Por 15 anos tenho estudado como manifestamos nossas emoções a partir do tato, da voz e dos movimentos de cabeça. Observei a existência prevalecente de emoções, como desejo, riso, compaixão, interesse e gratidão, o que me permitiu formular que estamos programados para as emoções positivas. É a minha proposição, ainda que Ekman dela divirja.
Mas em seu livro você cita uma obra de Darwin que reproduz uma lista de 25 emoções negativas e apenas 16 positivas. Não seria outra indicação contrária à tese de que nascemos para ser bons?_A natureza humana apresenta variadas nuances e emoções. A genialidade de Darwin foi mostrar que todas essas emoções negativas (como medo, raiva, nojo) são produtos da evolução. Mas frequentemente é negligenciada sua afirmação de que nossa emoção mais forte é a solidariedade. Este sentimento está no âmago de quem somos como espécie. Darwin pintou um quadro bem complexo, ao qual estamos retornando agora de forma integral, pois há boas e más emoções.
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Original no endereço: http://bit.ly/dwQ6cv 

terça-feira, 27 de julho de 2010

A civilização da empatia

Entrevista com Jeremy Rifkin

No novo livro de Jeremy Rifkin que é publicado agora na Itália, "La civiltà dell'empatìa" [A civilização da empatia] (Ed. Mondadori, 648 páginas), há uma primeira mensagem que, aparentemente, é tranquilizadora. Com uma robusta evidência científica, o autor explica que nós somos uma espécie animal "empática", treinada a provar compaixão, participação, solidariedade.

A reportagem é do jornal La Repubblica, 05-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A segunda mensagem é decisivamente alarmante. A nossa empatia, durante milênios, foi exercida dentro de círculos restritos, da família à comunidade agrícola até o Estado-nação, não se adaptou à extensão global da nova comunidade humana. Reprogramar a nossa consciência aplicar a empatia em escala planetária é urgente se queremos evitar a destruição da nossa espécie (e de muitas outras).

Um terceiro componente interessante do livro é um plano ambicioso para resolver a equação energética. Trata-se de aplicar à energia o modelo da Internet, no sentido de uma revolução a partir de baixo, um sistema de produção e de consumo difuso, capilar, descentrado e flexível.

Presidente da Foundation on Economic Trends deBethesda, professor da Wharton School, autor muito popular no mundo inteiro com livros como "La fine del lavoro" [O fim do trabalho] (1995) ou "A economia do hidrogênio" (Ed. M. Books, 2003), Rifkin discute nesta entrevista as teses da sua última obra, a mais ambiciosa e comprometedora de todas.

Eis a entrevista:

A advertência que o senhor lança não pode ser tomada levianamente: estamos próximos de uma espécie de implosão global, o estágio final e autodestrutivo das várias revoluções   industriais?

Não quero soar como o enésimo profeta do apocalipse, mas muitos sinais indicam que estamos verdadeiramente em um ponto de mudança na história da espécie humana. O nosso destino pode   ser jogado de modo fatal dentro de poucas décadas. Dois sinais recentes confirmam isso. Um foi a grande crise alimentar de 2008, que precedeu (e na realidade provocou) o colapso das finanças globais: sob a pressão do crescimento chinês e indiano, o petróleo chegou aos 147 dólares por barril, o aumento da produção agroalimentar provocou tumultos por causa do arroz e do pão em muitas nações emergentes. O segundo sinal foi o fiasco da cúpula de Copenhague sobre o ambiente: os mesmos líderes que não souberam prever o desastre de 2008 foram incapazes de enfrentar as mudanças climáticas.

O senhor acusa a cultura por meio da qual nós e as nossas classes dirigentes interpretamos o mundo?

Somos ainda prisioneiros da tradição iluminista, do pensamento de Locke e de Adam Smith: aquele que nos representa o homem como um ser racional, materialista, individualista, utilitarista. Se continuarmos usando esses instrumentos intelectuais do século XVIII, estamos verdadeiramente condenados. Dentro desse quadro cultural é impossível que seis bilhões de pessoas enfrentem a escassez de recursos naturais. Copenhague fracassou porque líderes como Obama e Hu Jintao continuaram pensando em termos geopolíticos tradicionais, segundo os interesses dos Estados-nações, em vez dos interesses da biosfera.

A empatia pode ter efeitos perversos, aumentando a entropia: esse é um conceito que o senhor já usou no passado, no sentido de uma degradação que destrói a energia disponível. Pode nos dar um exemplo histórico?

O Império Romano foi capaz de expandir a empatia dos seus cidadãos criando uma comunidade muito vasta, unida pelo mesmo destino. Mas, ao mesmo tempo, impulsionou a exploração da sua base agrícola até o extremo, até provocar um exaurimento que foi a verdadeira causa do declínio, antes das invasões bárbaras. A história se repete. Hoje, em escala bem mais ampla.

Quanto mais as civilizações se tornam complexas, mais se multiplicam as conexões entre os seres humanos. Mas ao mesmo tempo são exigidos maiores fluxos de energia, e estes aumentam a entropia. A Terceira Revolução Industrial que eu projeto nascerá da necessidade de mitigar o impacto entrópico das duas primeiras. Como as outras revoluções industriais, será impulsionada por uma convergência entre as novas tecnologias da comunicação e da energia. As primeiras civilizações hidráulico-industriais se fundaram sobre a invenção do alfabeto. A segunda revolução industrial do século XVIII ao XIX foi o encontro entre corrente elétrica, telégrafo, rádio, TV.

Por isso, hoje o senhor vê na Internet uma oportunidade benéfica e tem confiança nos jovens que cresceram dentro desse novo universo da comunicação?

A geração que se expôs ao conhecimento no terceiro milênio dá por óbvio que o mundo é feito de partilha e cooperação. As velhas gerações ainda têm uma ideia da mudança ditada do alto para baixo. Os jovens vivem em uma dimensão descentralizada, estão interconectados horizontalmente, sem hierarquias. A minha geração admirou as fotos da Terra tiradas da Apollo na expedição à Lua, foi a nossa primeira experiência de empatia para com todo o planeta visto de fora. Os nossos filhos, a cada dia, por meio do Google Maps, se percebem como cidadãos do planeta Terra.

Desastres como os terremotos no Haiti e no Chile, se transformam, com o Twitter, na ocasião para uma imediata solidariedade humana em escala global. Esses rapazes habituados a usar o Skype para falar com o colega de Tóquio intuem que somos uma única família planetária. Para eles, é mais fácil compreender que todo gesto cotidiano em todos os cantos do mundo tem um impacto em tempo real sobre a biosfera e atinge a espécie humana em qualquer lugar em que ela se encontre. Ali já se iniciou a transição para uma nova forma de consciência.

Nessa Terceira Revolução Industrial que está às portas, o modelo da Internet pode nos salvar também da crise energética? De que modo?

As novas tecnologias da comunicação convergem com as energias renováveis. É o que eu chamo de energia distribuída ou difusa. Porque as fontes renováveis – sol, vento, energia biotérmica, biomassa de rejeitos – encontram-se em nosso meio, igualmente repartidas em cada metro quadrado da superfície terrestre. Diferentemente das energias fósseis, como o petróleo e o carvão, cuja concentração territorial foi fonte de enormes problemas geopolíticos.

Na prática, o que significa abraçar o modelo da energia difusa?

Significa converter toda casa individual, toda mansão, em uma pequena central energética que usa o sol, o vento, os rejeitos, estocando-os e redistribuindo-os. Significa que a energia não consumida para as próprias necessidades será repartida segundo uma lógica de cooperação e de solidariedade. Não é socialismo, mas sim uma economia de mercado híbrida, exatamente como a Internet, com fenômenos como o software "open source", prefigurou uma superação do capitalismo puro, hibridizando-o com elementos de socialismo. Tudo isso já está começando a ocorrer e está mais próximo de vocês do que vocês acreditam.

Fonte: IHU

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A suplência no Senado


Pais, filhos e irmãos reforçam safra de suplentes em chapas para Senado

Leandro Colon e Marcelo de Moraes / BRASÍLIA
Nas eleições deste ano, os candidatos ao Senado estão preparando uma safra de suplentes que ameaça ampliar o cordão dos políticos de legitimidade questionável em atuação na Casa. São parentes de candidatos, empresários financiadores de campanha, líderes religiosos e até "suplentes profissionais" escalados para assumir em caso de licença, morte ou renúncia dos titulares que forem eleitos nas urnas.
O ex-governador do Amazonas Eduardo Braga (PMDB-AM) concorre a uma vaga no Senado com a mulher, Sandra, na suplência. O ex-governador do Tocantins Marcelo Miranda (PMDB) escolheu o pai, Brito Miranda. O senador Mão Santa (PSC-PI) fez uma troca: a atual suplente, sua mulher Adalgisa, abriu espaço para a filha Cassandra.
O senador Gilvam Borges (PMDB-AP) também mudou de parente: o irmão Geovani, que assumiu a vaga de senador por três vezes, foi substituído na chapa por outro irmão, Geová. Governador cassado e agora candidato a senador, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) inscreveu um tio, Ivandro.
Escândalos
A escolha de suplentes com base em critérios pouco justificáveis não é novidade e seus efeitos são bem conhecidos. A atual legislatura, marcada por sucessivos escândalos, chegou a ter, entre os 81 senadores em exercício, nada menos que 20 suplentes.
Chama a atenção, porém, o fato de a prática ter se intensificado, justamente depois de uma legislatura que produziu casos como o dos atos secretos revelado pelo Estado. A prática, perpetuada pelo desinteresse dos parlamentares em mudar as regras, é apontada como uma das razões da fragilidade do Legislativo.
Se Netinho de Paula (PC do B-SP) for eleito, por exemplo, a ex-ministra Matilde Ribeiro pode virar senadora, nem que seja por alguns meses. Segunda suplente do candidato, Matilde pediu demissão do cargo de ministra da Igualdade Racial em 2008 por envolvimento no escândalo dos cartões corporativos do governo federal.
A legislação eleitoral diz que cabe ao candidato indicar seus dois suplentes. São nomes que pouco aparecem durante a campanha, mas ganham prestígio e benesses quando viram titulares. Quem assume recebe, além do mandato, todos os benefícios de um senador, inclusive plano de saúde vitalício se ficar mais de seis meses no cargo.
Célebre pelos cabelos longos e pela atuação na tropa de choque do governo, o suplente Wellington Salgado foi um dos principais financiadores de campanha do titular do mandato, Hélio Costa (PMDB-MG). Salgado ocupou a vaga quando Costa se tornou ministro das Comunicações. Neste ano, outros empresários tentam repetir a trajetória.
O deputado Ciro Nogueira (PP-PI), que vai tentar o Senado, inscreveu como suplente João Claudino, dono de um patrimônio de R$ 623 milhões. De olho na reeleição, Romeu Tuma (PTB-SP) escolheu o empresário do ramo educacional Antonio Carbonari Netto, cujos bens somam R$ 46 milhões. O suplente da chapa de Romero Jucá (PMDB-RR), Sander Salomão, declarou um patrimônio de R$ 49,3 milhões.
Eterno
Há ainda a turma dos "suplentes profissionais": Neuto de Conto (PMDB-SC), ACM Júnior (DEM-BA) e Fernando Ribeiro (PMDB-PA). Os dois primeiros já assumiram as vagas dos titulares, enquanto Ribeiro é o eterno suplente de Jader Barbalho (PMDB-PA).
Em Mato Grosso do Sul, há o "suplente cruzado". Dagoberto Nogueira (PDT) escolheu a petista Gilda Santos, mulher de Zeca do PT, candidato a governador. No Paraná, o suplente de Ricardo Barros (PP) é José Richa Filho, irmão do candidato a governador pelo PSDB, Beto Richa.
Envolvido no escândalo do mensalão em 2005, que o levou à renúncia do mandato de deputado, Paulo Rocha (PT-PA) indicou Pastor Leodato Marques (PP) para uma das suplências. O senador João Ribeiro (PR-TO) optou pelo Pastor Amarildo (PSC) e seu colega de Senado Marcelo Crivella (PRB) inscreveu o Pastor Monteiro de Jesus (PRB), vereador de Barra do Piraí.
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Fonte: O Estadão - http://bit.ly/djQDbN  Acesso em 18.07.2010

domingo, 25 de julho de 2010

Floresta Amazônica - até a natureza(?)

Uma única tempestade derrubou meio bilhão de árvores na Amazônia, diz estudo
Tempestades que cruzam toda a bacia Amazônica são incomuns

Uma única, violenta e avassaladora tempestade que varreu toda a floresta amazônica em 2005 pode ter destruído meio bilhão de árvores, diz um estudo americano.

Embora tempestades sejam uma causa conhecida de mortes de árvores na Amazônia, o novo estudo - feito por especialistas da Tulane University, em Nova Orleans, em parceria com cientistas brasileiros do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e da Unesp - é o primeiro a oferecer uma contagem mais precisa.

Segundo seus autores, o trabalho revela perdas muito maiores do que se pensava, sugerindo que tempestades cumprem um papel bem mais importante do que se supunha na dinâmica da floresta amazônica.
Os cientistas advertem que, por causa das mudanças climáticas, tempestades violentas deverão se tornar mais frequentes na região, matando mais árvores e, consequentemente, aumentando as concentrações de carbono na atmosfera.

O estudo será publicado na revista científica Geophysical Research Letters.

Estudo

Uma pesquisa anterior tinha atribuído um aumento na mortalidade de árvores em 2005 na região a uma seca prolongada que afetou partes da floresta naquele ano. Mas o estudo recente identificou uma área não atingida pela seca onde houve grande perda de árvores (a região de Manaus).

Segundo os cientistas, entre 16 e 18 de janeiro de 2005, uma única linha de instabilidade com 1000 km de comprimento e 200 km de largura cruzou toda a bacia amazônica de sudoeste a nordeste, levando tempestades violentas, com raios e chuvas pesadas, provocando várias mortes nas cidades de Manaus, Manacaparu e Santarém.

Ventos verticais fortes, com velocidades de 145 km/hora, arrancaram ou partiram árvores ao meio. Em muitos casos, ao cair, as árvores atingidas derrubaram outras a seu redor.

Para calcular o número de árvores mortas, os pesquisadores usaram uma combinação de imagens de satélite, contagens feitas por especialistas em áreas pré-selecionadas da floresta e modelos matemáticos.

O uso associado de imagens de satélite e observações feitas no campo permitiu que os pesquisadores incluíssem quedas de grupos menores de árvores (menos de dez unidades) que não podem ser detectadas pelo satélite.

Os cálculos iniciais, relativos a áreas afetadas pela tempestade na região de Manaus, foram depois usados como base para se chegar ao número total de mortes em toda a floresta.

Os cientistas concluíram que entre 441 e 663 milhões de árvores foram destruídas em toda a floresta.

Nas regiões mais atingidas, cerca de 80% das árvores foram atingidas.

Linhas de instabilidade que se movem de sudoeste a nordeste na Amazônia são raras e pouco estudadas, disse Robinson Negrón-Juárez, da equipe da Tulane University.

Tempestades destrutivas que avançam na direção oposta, da costa nordeste para o interior do continente, são mais comuns - ocorrendo até quatro vezes por mês - e também provocam grandes quedas de árvores.

O que é bastante incomum são tempestades que cruzam toda a bacia Amazônica, como a de 2005, explicou Negrón-Juarez.

"Precisamos começar a medir a perturbação causada pelos dois tipos de linhas de instabilidade sobre a floresta", ele disse. "Precisamos dessas informações para calcular a perda total de biomassa nesses eventos naturais, algo que nunca foi quantificado".

Outro cientista da equipe, Jeffrey Chambers, acrescentou: "Com as mudanças climáticas, há previsões de que as tempestades aumentem em intensidade. Se começarmos a observar aumentos na mortalidade das árvores, precisamos ser capazes de estabelecer o que está matando as árvores".
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Fonte BBC Brasil - http://bit.ly/9NIclT

sábado, 24 de julho de 2010

Lula espanta os turistas de 2014

Lula desconstruiu o projeto do Ministério do Turismo para Copa de 2014 durante discurso na África – diz reportagem da UOL . Quando a Copa do Mundo está sendo encerrada, o país que sediará a próxima aproveita a presença da imprensa internacional, reunida para o evento, para vender o próximo país em termos turísticos. O Ministério do Turismo tentou fazer isso na África do Sul, mas Lula, bêbado(sic) e irreverente, fez um inesperado discurso “espanta turista”, de improviso, que seria cômico se não fosse trágico.

Toinho de Passira
Fontes: UOL – Copa do Mundo, Besta Fubana

Quem tem um presidente como Lula, não precisa de inimigo. O Ministério do Turismo preparou em Johanesburgo (África do Sul)um evento, que deve ter custado alguns milhões, para enaltecer as possibilidades turísticas na Copa de 2014, o tema internacional da campanha é “Brazil is Calling You” (O Brasil está lhe chamando) aproveitando a presença da mídia internacional.

Na hora do discurso o presidente apareceu bêbado, mais do que o usual, e resolveu improvisar. Em minutos, estragou tudo que havia sido planejado.

Um vexame que por certo causou prejuízos incalculaveis. Turismo é um dos itens mais importante de quem sedia uma Copa do Mundo, já que os dividendos da parte esportiva do evento é quase todo destinado a FIFA e as Federações que estão participando do evento.

Os jornalistas Alexandre Sinato, Bruno Freitas e Mauricio Stycer que fazem a cobertura da Copa para a UOL, dizem no texto que “De princípio Lula alertou os estrangeiros sobre o risco de ser mordido por “uma sucuri destreinada”, disse que os brasileiros não sabem inglês mas são bons na arte de “mimicar”, garantiu que o país é tão bem servido de homens quanto de mulheres e lamentou que as pessoas vão ao cinema e na volta não encontram o carro, porque foi roubado.

A cerimônia com a presença do presidente ocorreu num espaço montado pelo governo, num centro de convenções, no coração de Johanesburgo. Lula passou um tempo folheando o discurso preparado para o evento. Mas deixou-o de lado e arrancou gargalhadas já ao mencionar as autoridades presentes. Chamou o prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, de governador, corrigiu-se, mas acrescentou, rindo: “Mas um dia vai ser. Um dia vai ser”.

Lula elogiou a beleza do brasileiro. E observou, com aquele seu estilo filosófico próprio:

“Quando eu falo em beleza, vocês têm que compreender que para cada sapo tem uma sapa. Ninguém fica sem seu par”.

Em seguida, o presidente fez uma digressão sobre os motivos que impedem o brasileiro de ir ao cinema. Queria fazer um paralelo com a dificuldade de levar turistas estrangeiros ao Brasil. E disse:

“O cidadão vai ao cinema e depois quando vai buscar o carro, roubaram”.

Ao falar das belezas naturais do país, Lula mencionou especialmente o Amazonas, o Pantanal e a Chapada Diamantina.

“A floresta mais incrível do mundo, rios maravilhosos, mas tem que ser de maneira ordeira. Se sair da linha, uma sucuri destreinada vai pegar vocês”.

O presidente também divertiu o público ao falar que o turista que for para o Nordeste vai encontrar um povo muito acolhedor, mas que não sabe falar inglês.

“Mas tem a grande capacidade de fazer mímica. É a capacidade de mimicar do povo brasileiro”.

Dirigindo-se a Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais, Lula perguntou:

“Esse verbo existe?” E ouviu um não, mas o verbo existe segundo o dicionário Houaiss.

Lula encerrou o improviso lendo a última frase do discurso preparado para ser lido.

“Eu ia ler meu discurso, mas não li. Então vou ler só a última frase. O Brasil está te chamando. Celebre a vida aqui”, disse, fazendo graça.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Carga tributária

Carga tributária volta a subir e deve registrar recorde de 34,7% do PIB
Depois de cair no ano passado por causa da crise, arrecadação se recupera, ancorada pelo forte crescimento econômico do País em 2010
11 de julho de 2010
0h 00

Marcelo Rehder - O Estado de S.Paulo
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A carga tributária brasileira voltou a subir e deverá bater o recorde de 2008, depois de ter recuado no ano passado. Em 2010, a soma de todos impostos, taxas e contribuições pagos pelas empresas e cidadãos aos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) deverá representar 34,7% do Produto Interno Bruto (PIB), com alta de um ponto porcentual em relação a 2009 (33,7%). Em 2008, a carga foi de 34,4%.

As informações são de um estudo do consultor na área fiscal Amir Khair. Para projetar a carga tributária de 2010, Khair usou como base a arrecadação até maio e considerou um crescimento de 7% para o PIB, estimado em R$ 3,565 trilhões. Os valores de 2009 foram atualizados com a aplicação de uma correção de 6% (composto, em 70%, pelo IPCA e, em 30%, pelo IGP-DI). A metodologia de cálculo é a mesma usada pela Receita Federal.

O aumento da carga neste ano pode ser explicada, basicamente, pelo crescimento da economia, que faz ampliar a base de tributação. Da mesma forma, em 2009, a arrecadação caiu por causa dos efeitos recessivos da crise financeira mundial.

Quando o ambiente de negócios é favorável, as empresas não apenas faturam e lucram mais, como também empregam mais pessoas e pagam salários mais altos. Nesse cenário, mesmo sem aumento de alíquotas, o governo arrecada mais.

"Sempre que a economia passa por forte crescimento, como está ocorrendo este ano, o lucro das empresas e a massa salarial crescem acima do PIB", diz Khair. "Consequentemente, a arrecadação também cresce mais que a economia como um todo."

O empresariado reclama que o governo retira do setor privado recursos que poderiam ser destinados a investimentos produtivos, além de reduzir o consumo. Pesquisa encomendada ao Ibope pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que 65% das empresas veem a tributação como principal barreira para o crescimento econômico. O Ibope entrevistou mil empresas do setor entre abril e maio.

O avanço da arrecadação reflete ainda a redução das compensações e desonerações tributárias concedidas no ano passado pelo governo federal, para estimular o consumo no período de dificuldades financeiras. Passado o sufoco da crise, tanto a sonegação como a inadimplência de contribuintes tendem a cair enquanto a economia cresce.

Fiscalização. O aumento na eficiência da cobrança dos governos estaduais e federal também contribui para o crescimento da arrecadação. Por meio de sistemas de informações cada vez mais sofisticados, a fiscalização tem apertado o cerco contra os maus contribuintes.

A conjugação desses fatores fez a arrecadação federal dos primeiros cinco meses do ano crescer 13% acima da inflação, quando comparada com igual período de 2009. Os cofres da União receberam R$ 318 bilhões.

Até sexta-feira, a transferência de recursos da sociedade, na forma de pagamento de tributos, às três esferas de governo já acumulava no ano mais de R$ 642 bilhões, segundo o "Impostômetro", painel eletrônico instalado em frente ao prédio da Associação Comercial de São Paulo, no centro da capital paulista.

Criado pelo Instituto Brasileira de Planejamento Tributário (IBPT), o painel mostra, em tempo real, o valor estimado dos impostos, taxas e contribuições pagos no País. Até o fim do ano, o IBPT estima que o placar chegue a R$ 1,3 trilhão. Em 2009, a contagem ficou em R$ 1,1 trilhão.

Numa pesquisa feita pela empresa de consultoria Terco Grand Thorton, com 150 empresários, os tributos incidentes sobre a folha de pagamentos foram apontados por 45% do entrevistados como os mais pesados. "É um desestímulo ao emprego formal", diz Wanderlei Ferreira, sócio da Terco Grant Thornton.
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Fonte:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100711/not_imp579443,0.php

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O que da para o gasto

Passei as festas de final de ano numa chácara junto a trinta parentes e amigos. Dividido em três terços, o grupo tinha gente na faixa dos 20, 25 e 50 anos de idade. Para ter música durante as festas, montei um equipamento de som. Testei, ficou bem legal, com um sonzão. E me preparei para a curtição, sem imaginar que criaria um conflito.

Cada grupo apareceu com seus CDs e Ipods. Um queria Bossa Nova ou Jorge Benjor. Outro queria Beyoncé, Lady Gaga e funk. E o outro queria Queens of The Stone Age com lampejos de Jimmy Hendrix. E quando um grupo assumia o controle, o outro se rebelava. Pais tentaram impor autoridade sobre os filhos e foram ridicularizados. Filhos tentaram impor a vontade e foram infernizados. Por pouco não desliguei aquela
merda toda e ficamos só com o som do vento e dos pássaros. Mas como era festa, tinha que ter música.

Foi necessária uma reunião de consenso, quando ficou acertado que os interessados teriam direito de "pilotar" o equipamento durante uma hora. E um grupo não se queixaria do som do outro. Assim foi. Passei o réveillon ao som dos anos setenta e oitenta. Não era o que eu queria, mas foi divertido. E antes Village People do que o Créu, certo?

Ainda sob o impacto das horas intermináveis ao som de artistas descartáveis, ouvi de uma conhecida que costuma frequentar a casa de amigos - um dos quais foi cantor da noite paulistana - um relato interessante. O tal amigo cantor é um virtuose ao violão e as reuniões sempre acabavam numa roda musical. Mas as crianças cresceram. Agora, quando a roda se forma, o músico vai tocando clássicos da MPB enquanto os jovens reclamam das "músicas de velho". Até que vencem e assumem controle do violão:

- Quando Deus te desenhou, ele estava namorando...

Horrorizada, minha conhecida disse:

- Cara, meu amigo é músico profissional. Toca pra caramba. Do violão dele saem harmonias sofisticadas e ele é um excelente cantor. Aí os moleques começam a tocar aquelas musiquinhas modernas.

Minha amiga contava aquilo entristecida. E eu fiquei desconsolado ao concluir que isso é normal, que esse é o conflito de gerações e que quando eu era moleque também tive problemas com meus pais por causa de "músicas de velhos e músicas de jovens". Naquela época quem pegava o violão era eu:

- Preta, preta, pretinha...

Mas há uma diferença, que surgiu claramente quando minha amiga disse:

- Os moleques parece que só sabem três acordes. Mal feitos. Tocam mal e cantam mal músicas ruins. Barulho. Eu até tento ficar, mas não dá.

Reparou? Tocam mal e cantam mal músicas ruins, o que é diferente de cantar mal e tocar mal músicas boas. Pra molecada aquilo dá pro gasto. E a sofisticação do músico e das músicas é deixada de lado em troca dos três acordes, letrinhas básicas e melodias iguais.

Olha só, do jeito que as coisas andam essa mega-super-ultra simplificação, fazendo com que tudo seja mais fácil, rápido e dinâmico, não é uma coisa ruim. É uma necessidade. O problema é quando nos conformamos com "o que dá pro gasto".

Mas quer saber? Pode piorar.

Minha cunhada comprou um videokê.

Luciano Pires
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http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=13229&pageNo=1&num=20

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Quem paga mais

Por Fernando Torres e Graziella Valenti, de São Paulo-ValorOnline

26/04/2010
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Tamanho realmente é documento quando se fala de remuneração de executivos. No entanto, não é o único fator que determina quanto os diretores das companhias abertas vão receber pelos serviços prestados.

Levantamento feito pelo Valor com base em dados que começaram a ser divulgados neste ano ao mercado por determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reuniu as 50 empresas que tiveram o maior gasto médio por diretor no ano passado.

Ao se comparar a lista com as 50 maiores companhias por valor de mercado na Bovespa, há coincidência em 28 dos casos.

Grosso modo, as estatais e as elétricas dão lugar no ranking de maiores salários para empresas de porte menor (não exatamente pequenas), mas que têm uma estratégia agressiva de remuneração variável seja na forma de bônus ou via plano de opções.

Na média, o peso da parcela variável - planos de opções em ações, por exemplo - no total pago é de 56% nas 50 empresas que mais remuneram, em comparação com um índice de 29% nas demais companhias de uma amostra com 197 empresas que divulgaram os dados exigidos pela CVM.


Mesmo grávida, Gisele foi a mais bem paga em 2009

Ainda dentro dessas características das líderes, destaque para as empresas do segmento financeiro e também para aquelas que já tiveram ou ainda têm investidores de fundos com participação relevante no capital e na gestão. Das 50 da lista, nove contaram em algum momento com a gestão da GP ou do Pactual, por exemplo.

Maior banco do país, o Itaú Unibanco encabeça o ranking, com remuneração média de R$ 7,9 milhões para cada um dos seus 16 diretores estatutários em 2009. O valor está bem acima do pago pelos concorrentes Santander, com R$ 3,7 milhões, e Bradesco, com R$ 2,1 milhões.

Atrás do Itaú, Vale, AmBev, Pão de Açúcar e Lojas Renner completam a lista das cinco empresas que melhor remuneraram os principais executivos em 2009.

Na média, as 50 empresas que pagaram mais no ano passado tiveram uma despesa de R$ 2,7 milhões com cada diretor e gastaram R$ 29,8 milhões com diretoria e conselho. Nas demais companhias, o valor individual cai para R$ 760 mil e o custo da administração recua para R$ 6,2 milhões.

Ao serem confrontados com o resultado do levantamento, especialistas da área de recursos humanos disseram que o tamanho das empresas é o principal fator determinante para a remuneração, principalmente por conta da responsabilidade do executivo, que aumenta proporcionalmente.

Mas há desvios nessa regra geral, seja pela cultura ou filosofia da empresa em questão, seja por uma característica setorial ou por conta da fase vivida pela companhia.

Felipe Rebelli, líder na América Latina da área de talentos e recompensas da Towers Watson, consultoria especializada na área, diz que as empresas do setor financeiro costumam ter políticas de remuneração mais agressivas. "Elas pagam um salário fixo um pouco abaixo do mercado e dão como contrapartida uma parcela variável acima da média, sujeita aos resultados", diz.

Essa estratégia é repetida, às vezes com uma alavancagem menor, nas empresas não financeiras que possuem gestores de fundos de participação no comando.

Isso justificaria, por exemplo, o fato de a BR Malls, que teve a GP entre os principais acionistas, ter pago R$ 3,8 milhões em média para seus diretores, enquanto sua concorrente de porte um pouco maior Multiplan pagou R$ 2,1 milhões.

Da mesma forma, os diretores da incorporadora Gafisa, que também teve gestão da GP, e da PDG Realty, que tinha um fundo do Pactual como principal acionista, receberam 50% a mais, em 2009, do que seus pares da Cyrela, maior empresa do setor.

Os diretores da MRV foram os que tiveram a menor remuneração entre as companhias do setor com receita líquida acima de R$ 1 bilhão em 2009. O gasto médio individual foi de R$ 855 mil.

Do outro lado, a Direcional, que tem entre os acionistas a gestora Tarpon, teve despesa média de R$ 1,3 milhão com cada diretor, quatro vezes mais do que pagou EZ Tec e mais do dobro gasto pela Helbor, que tiveram receita maior em 2009.

Sem entrar nos casos específicos, Christian Pereira, consultor sênior da Mercer, diz que essas aparentes distorções têm a ver com a estratégia. "Às vezes uma empresa pequena tem que pagar como uma grande, porque senão vai continuar sendo pequena. Se a meta é ser maior e crescer como as concorrentes, ela pode contratar executivos de companhias maiores", afirma o especialista.

Ainda na análise do levantamento, chama atenção o fato de sete empresas ligadas a GP integrarem a lista das 50 que pagaram mais aos diretores em 2009.

A própria GP Investments ainda não divulgou as informações sobre remuneração, mas provavelmente integrará o ranking, uma vez que pagou R$ 40,9 milhões em opções de ações no ano passado.

Quando a discussão sobre remuneração ainda engatinhava no Brasil, em meados de 2008, Antonio Carlos Bonchristiano, presidente da GP, fez uma apresentação sobre a governança do grupo, em evento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Na ocasião, Bonchristiano não deixou margem para dúvidas: o tema é o coração da gestão GP.

"Meritocracia é algo difícil de implantar. Tem que ser algo que faça diferença na vida das pessoas", disse o executivo no evento, referindo-se à remuneração variável. "Não tem importância que o executivo ganhe muito, se o acionista também ganhar junto."

Bonchristiano se posicionou contra o excesso de benefícios. "O custo de se administrar os benefícios é muito maior do que o valor percebido. Ganhando bem, o executivo vai comprar o carro que ele quiser, o celular que ele quiser."

terça-feira, 20 de julho de 2010

Neymar do Santos

Em entrevista publicada pelo jornal Estadão no dia 26/4/2010 o jogador e estrela do Santos Futebol Clube, Neymar falou um pouco de sua história, início da carreira e religiosidade. Na reportagem assinada pela repórter Debora Bergamasco o atleta brincou ao lembrar seus primeiros salários como jogador profissional chegando aos números atuais que, recebendo do clube da baixada mais seus patrocínios, podem chegar até R$ 400 mil. Garante, porém, que 10% é da Igreja.

Desde pequeno, Neymar é freqüentador da Igreja Batista Peniel, de São Vicente. O pai e empresário do jogador, que também se chama Neymar, conta ainda que a cada jogo, Neymar (Júnior) entrava em campo sempre com sua faixa com os dizeres ‘Jesus’ na cabeça. O adorno não pôde mais ser utilizado no futebol profissional.

“O primeiro salarinho dele (Neymar) foi R$ 450. Fizemos esse primeiro contratinho dele no Santos e minha mulher pegava os R$ 45 e dava para igreja todo mês. OK, ainda sobravam uns R$ 400 para pagar as contas. Daí ele passou a ganhar R$ 800. Tá bom, doa R$ 80… Só que Deus começa a te provar, né? Pegamos R$ 400 mil. Caramba, meu, como vamos ‘dizimar’ R$ 40 mil? É um carro! Cara, mas daí você pensa que Deus foi fiel. Pum, dá R$ 40 mil! Mas daí vieram ‘catapatapum’ reais. Meu Deus, não quero nem saber, ‘dizima’ logo isso! (risos). É… Deus te prova no pouco e no muito”, conta o pai do atleta.

Confira abaixo trechos da entrevista publicada pelo jornal Estadão:

Dói abrir mão de R$ 40 mil?

Para Deus, nada dói. E acho legal. A gente conhece bem o pastor da Peniel. Faz dez anos que estou lá e agora estão ampliando a igreja. Acho que se a gente acreditar em Deus, as coisas vêm naturalmente. Deus me deu tudo: dom, sucesso…

Falando nisso, qual é a parte chata de fazer sucesso?

Ah, não tem parte chata. Eu acho que é sempre legal.

Já foi vítima de racismo?

Nunca. Nem dentro e nem fora de campo. Até porque eu não sou preto, né?

O que gostaria de poder comprar que ainda não tem?

Queria um carrão.

Mas você acabou de comprar um Volvo XC-60, por R$ 140 mil, Não é um carrão? Ah, é, mas queria uma Ferrari. Nunca andei.

Uma Ferrari ou um Porsche? Não sei. Qual é melhor?

Não sei, também. Ah, então eu queria um Porsche amarelo e uma Ferrari vermelha na garagem.

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Original no site do Estadão:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100426/not_imp542923,0.php

domingo, 18 de julho de 2010

Mordomo e vampiro

Por Juremir Machado da Silva  correio@correiodopovo.com.br
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Agora, felizmente, está ficando tudo mais claro. Levou tempo. Já podemos entender quase tudo. Ciro Gomes disparou contra todo mundo. Demonstrou uma impressionante rapidez no gatilho. Só bala perdida. Chutou o balde com vários anos de atraso. Bateu de cabeça na parede. Abusou dos clichês. Fez pose de matador. Triste pistoleiro solitário. Entregou verdades frias como telepizzas. Morreu de boca fechada. É, como se dizia em Palomas, um paspalho. Um cangaceiro aposentado. Disse que o cara de vampiro José Serra é melhor do que a cara de Caubi Peixoto Dilma Rousseff. Vai apoiar Dilma. Chamou o cara de mordomo Michel Temer de chefe do "ajuntamento de assaltantes" conhecido por PMDB. Vai engolir Temer como candidato a vice na chapa de dona Dilma. Tudo em casa.

Uma coisa é certa: Ciro vai fazer falta na campanha. A disputa ficará menos engraçada. Será como um circo sem palhaço. Quer dizer, sem o palhaço mais engraçado, aquele que diz as maiores barbaridades com espontaneidade a ponto de ninguém se ofender. O PMDB nunca se ofende. Nem vomita. Tem estômago de avestruz. Engole tudo, de botão de jaquetão até denúncias do Ciro. Sejamos francos, será uma eleição enfadonha sem o Ciro. Mais ou menos como o futebol sem as declarações do Romário e do Edmundo. Quem fará discursos inflamados e pretensamente mais profundos? Uma vitória de Ciro nas eleições daria uma grande contribuição para a história brasileira: a primeira-dama mais bonita de todos os tempos nestas paragens tropicais. Ciro é como Lampião. Já se apagou. Mas fez estragos.

O PT terá mais de nove minutos na televisão para Dilma graças ao consórcio com PMDB, PDT, PR, PRB e PSB. O PSDB só conseguiu aliciar até agora os remanescentes da ditadura militar - o Dem - e os herdeiros dos comunistas - o PPS. Faz sentido. Vigora a anistia total e irrestrita. Só dá cinco minutos e meio de TV. É o que se chama de aliança capaz de superar as diferenças ideológicas e de possibilitar o diálogo num patamar superior: o pragmatismo absoluto. Ou de comprovar a tese de alguns de que não existe mais essa de esquerda e direita. Falta o PP, a outra metade do Dem, que não sabe se casa com o PT, baseado no princípio de que os opostos se atraem, ou com o PSDB, seguindo a ideia de que não há mais opostos. São todos partidos de programa. Como certas garotas. Não confundir com partidos programáticos.

O Brasil tem muitos partidos. Até em demasia. Mas só dois parecem bons partidos. Todos querem se casar com eles. O PMDB, apesar de grande, aceita fazer o papel de padrinho de casamento. Ou de alcoviteira. O importante é figurar no testamento. Ou no contrato de matrimônio. Afinal, como todos sabemos, casamento implica cargos e encargos. Esses casamentos são sempre com união total de bens, isto é, união total com os bens da União. Como no filme do Woody Allen, tudo pode dar certo. Exceto para quem não fizer uma boa aliança. O derrotado Ciro Gomes poderá ser recompensado por suas críticas acerbas com um ministério. Um ministério dado pelo PT ou pelo PSDB.

sábado, 17 de julho de 2010

A ecopedagogia da terra


A Ecopedagogia como pedagogia apropriada ao processo da Carta da Terra
Moacir Gadotti *

RESUMO: O conceito de Ecopedagogia está relacionado com a sustentabilidade, para além da economia e da ecologia. A ecopedagogia inclui abordagens da planetaridade, educação para o futuro, cidadania planetária, virtualidade e a Pedagogia da Terra. A meta deste enfoque é discutir os paradigmas da Terra como uma comunidade global. Os princípios da Ecopeda-gogia são mais amplos do que a educação ambiental, desde que seu debate inclui processos de "co-educação", no marco da cultura de sustentabilidade, dentro e fora das escolas. A sustentabilidade educativa está além das nossas relações com o ambiente – ela se insere desde o quotidiano da vida, o profundo valor da nossa existência e nossos projetos de vida no Planeta Terra. Neste sentido, a Ecopedagogia, ou Pedagogia da Terra, é algo mais apropriado para a construção coletiva da Carta da Terra.

Palavras chaves: ecopedagogia, educação sustentável, pedagogia da Terra

ABSTRACT: The concept of "Ecopedagogy" is related to life sustainability, forward economy or ecology. The Ecopedagogy includes approaches of "planetaridade", education for the future, sustainability, planetary citizenship, virtuality or even Earth Pedagogy. The main aim of this study is to bring up Earth paradigm as a global community. The ecopedagogy concept is much larger than environmental education, since the central issue aims to debate the process of "co-education", within the culture of sustainability, inside and outside school’s projects. The sustainability education is much more than relationship with environment – it aims to debate, from quotidian life, the deep sense of our existence, our life project in the Planet Earth. In this scene, the Ecopedagogy, or Earth Pedagogy, is much more adequate to the collective process for building Earth Charter.

Key words: Ecopedagogy, education for sustainability, Earth pedagogy

Três décadas de debates sobre "nosso futuro comum" deixaram algumas pegadas ecológicas, tanto no campo da economia, quanto no campo da ética, da política e da educação, que podem nos indicar um caminho diante dos desafios do Século XXI. A sustentabilidade tornou-se um tema gerador preponderante neste início de milênio para pensar não só o planeta, um tema portador de um projeto social global e capaz de reeducar nosso olhar e todos os nossos sentidos, capaz de reacender a esperança num futuro possível, com dignidade, para todos.

O cenário não é otimista: podemos destruir toda a vida no planeta neste milênio que se inicia. Uma ação conjunta global é necessária, um movimento como grande obra civilizatória de todos é indispensável para realizarmos essa outra globalização, essa planetarização, fundamentada em outros princípios éticos que não os baseados na exploração econômica, na dominação política e na exclusão social. O modo pelo qual vamos produzir nossa existência neste pequeno planeta, decidirá sobre a sua vida ou a sua morte, e a de todos os seus filhos e filhas. A Terra deixou de ser um fenômeno puramente geográfico para se tornar um fenômeno histórico.

Os paradigmas clássicos, fundados numa visão industrialista predatória, antropocêntrica e desenvolvimentista, estão se esgotando, não dando conta de explicar o momento presente e de responder às necessidades futuras. Necessitamos de um outro paradigma, fundado numa visão sustentável do planeta Terra. O globalismo é essencialmente insustentável. Ele atende primeiro às necessidades do capital e depois às necessidades humanas. E muitas das necessidades humanas a que ele atende, tornaram-se "humanas" apenas porque foram produzidas como tais para servirem ao capital.

1- Pedagogia da Terra e educação sustentável

A sensação de pertencimento à Terra não se inicia na idade adulta e nem por um ato de razão. Desde a infância, sentimo-nos ligados com algo que é muito maior do que nós. Desde criança nos sentimos profundamente ligados ao universo e nos colocamos diante dele num misto de espanto e de respeito. E, durante toda vida, buscamos respostas ao que somos, de onde viemos, para onde vamos, enfim, qual o sentido da nossa existência. É uma busca incessante e que jamais termina. A educação pode ter um papel nesse processo se colocar questões filosóficas fundamentais, mas também se souber trabalhar ao lado do conhecimento essa nossa capacidade de nos encantar com o universo.

Hoje, tomamos consciência de que o sentido das nossas vidas não está separado do sentido do próprio planeta. Diante da degradação das nossas vidas no planeta chegamos a uma verdadeira encruzilhada entre um caminho Tecnozóico, que coloca toda a fé na capacidade da tecnologia de nos tirar da crise sem mudar nosso estilo poluidor e consumista de vida e um caminho Ecozóico, fundado numa nova relação saudável com o planeta, reconhecendo que somos parte do mundo natural, vivendo em harmonia com o universo, caracterizado pelas atuais preocupações ecológicas. Temos que fazer escolhas. Elas definirão o futuro que teremos. Não me parece realmente que sejam caminhos totalmente opostos. Tecnologia e humanismo não se contrapõem. Mas, é claro, houve excessos no nosso estilo poluidor e consumista de vida e que não é fruto da técnica, mas do modelo econômico. Este é que tem que ser posto e causa. E esse é um dos papéis da educação sustentável ou ecológica.

O desenvolvimento sustentável, visto de forma crítica, tem um componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação. É aqui que entra em cena a Pedagogia da Terra, a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia para a promoção da aprendizagem do "sentido das coisas a partir da vida cotidiana", como dizem Francisco Gutiérrez e Cruz Prado em seu livro Ecopedagogia e cidadania planetária (São Paulo, IPF/Cortez, 1998). Encontramos o sentido ao caminhar, vivenciando o contexto e o processo de abrir novos caminhos; não apenas observando o caminho. É, por isso, uma pedagogia democrática e solidária. A pesquisa de Francisco Gutiérrez e Cruz Prado sobre a ecopedagogia originou-se na preocupação com o sentido da vida cotidiana. A formação está ligada ao espaço/tempo no qual se realizam concretamente as relações entre o ser humano e o meio ambiente. Elas se dão sobretudo no nível da sensibilidade, muito mais do que no nível da consciência. Elas se dão, portanto, muito mais no nível da sub-consciência: não as percebemos e, muitas vezes, não sabemos como elas acontecem. É preciso uma ecoformação para torná-las conscientes. E a ecoformação necessita de uma ecopedagogia. Como destaca Gaston Pineau em seu livro De l’air: essai sur l‘écoformation (Paris, Païdeia, 1992) uma série de referenciais se associam para isso: a inspiração bachelardiana, os estudos do imaginário, a abordagem da transversalidade, da transdisciplinaridade e da interculturalidade, o construtivismo e a pedagogia da alternância.

Precisamos de uma ecopedagogia e uma ecoformação hoje, precisamos de uma Pedagogia da Terra, justamente porque sem essa pedagogia para a re-educação do homem/mulher, principalmente do homem ocidental, prisioneiro de uma cultura cristã predatória, não poderemos mais falar da Terra como um lar, como uma toca, para o "bicho-homem", como fala Paulo Freire. Sem uma educação sustentável, a Terra continuará apenas sendo considerada como espaço de nosso sustento e de domínio técnico-tecnológico, objeto de nossas pesquisas, ensaios, e, algumas vezes, de nossa contemplação. Mas não será o espaço de vida, o espaço do aconchego, de "cuidado" (Leonardo Boff, Saber cuidar, Petrópolis, Vozes, 1999).

Não aprendemos a amar a Terra lendo livros sobre isso, nem livros de ecologia integral. A experiência própria é o que conta. Plantar e seguir o crescimento de uma árvore ou de uma plantinha, caminhando pelas ruas da cidade ou aventurando-se numa floresta, sentindo o cantar dos pássaros nas manhãs ensolaradas ou não, observando como o vento move as plantas, sentindo a areia quente de nossas praias, olhando para as estrelas numa noite escura. Há muitas formas de encantamento e de emoção frente às maravilhas que a natureza nos reserva. É claro existe a poluição, a degradação ambiental para nos lembrar de que podemos destruir essa maravilha e para formar nossa consciência ecológica e nos mover à ação. Acariciar uma planta, contemplar com ternura um pôr de sol, cheirar o perfume de uma folha de pitanga, de goiaba, de laranjeira ou de um cipreste, de um eucalipto... são múltiplas formas de viver em relação permanente com esse planeta generoso e compartilhar a vida com todos os que o habitam ou o compõem. A vida tem sentido, mas ele só existe em relação. Como diz o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: "Sou um homem dissolvido na natureza. Estou florescendo em todos os ipês".

Isso Drummond só poderia dizer aqui na Terra. Se estivesse em outro planeta do sistema solar ele não diria o mesmo. Só a Terra é amigável com o ser humano. Os outros planetas são francamente hostis a ele, embora tenham sido originados na mesma poeira cósmica. Existirão outros planetas fora do sistema solar que abrigam a vida, talvez a vida inteligente? Se levarmos em conta que a matéria da qual se originou o universo é a mesma, é muito provável. Mas, por ora, só temos um que é francamente nosso amigo. Temos que aprender a amá-lo.

Como se traduz na educação o princípio da sustentabilidade? Ele se traduz por perguntas como: até que ponto há sentido no que fazemos? Até que ponto nossas ações contribuem para a qualidade de vida dos povos e para a sua felicidade? A sustentatibilidade é um princípio reorientador da educação e principalmente dos currículos, objetivos e métodos.

É no contexto da evolução da própria ecologia que surge e ainda engatinha, o que chamamos de "ecopedagogia", inicialmente chamada de "pedagogia do desenvolvimento sustentável" e que hoje ultrapassou esse sentido. A ecopedagogia está se desenvolvimento seja como um movimento pedagógico seja como abordagem curricular.

Como a ecologia, a ecopedagogia também pode ser entendida como um movimento social e político. Como todo movimento novo, em processo, em evolução, ele é complexo e, pode tomar diferentes direções, até contraditórias. Ele pode ser entendido diferentemente como o são as expressões "desenvolvimento sustentável" e "meio ambiente". Existe uma visão capitalista do desenvolvimento sustentável e do meio ambiente que, por ser anti-ecológica, deve ser considerada como uma "armadilha", como vem sustentando Leonardo Boff.

A ecopedagogia também implica uma reorientação dos currículos para que incorporem certos princípios defendidos por ela. Estes princípios deveriam, por exemplo, orientar a concepção dos conteúdos e a elaboração dos livros didáticos. Jean Piaget nos ensinou que os currículos devem contemplar o que é significativo para o aluno. Sabemos que isso é correto, mas incompleto. Os conteúdos curriculares têm que ser significativos para o aluno, e só serão significativos para ele, se esses conteúdos forem significativos também para a saúde do planeta, para o contexto mais amplo.

Colocada neste sentido, a ecopedagogia não é uma pedagogia a mais, ao lado de outras pedagogias. Ela só tem sentido como projeto alternativo global onde a preocupação não está apenas na preservação da natureza (Ecologia Natural) ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais (Ecologia Social), mas num novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico (Ecologia Integral) que implica uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais. Ela está ligada, portando, a um projeto utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje. Aqui está o sentido profundo da ecopedagogia, ou de uma Pedagogia da Terra, como a chamamos.

A ecopedagogia não se opõe à educação ambiental. Ao contrário, para a ecopedagogia a educação ambiental é um pressuposto. A ecopedagogia incorpora-a e oferece estratégias, propostas e meios para a sua realização concreta. Foi justamente durante a realização do Fórum Global 92, no qual se discutiu muito a educação ambiental, que se percebeu a importância de uma pedagogia do desenvolvimento sustentável ou de uma ecopedagogia. Hoje, porém, a ecopedagogia tornou-se um movimento e uma perspectiva da educação maior do que uma pedagogia do desenvolvimento sustentável. Ela está mais para a educação sustentável, para uma ecoeducação, que é mais ampla do que a educação ambiental. A educação sustentável não se preocupa apenas com uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o sentido mais profundo do que fazemos com a nossa existência, a partir da vida cotidiana.

2 – Consciência planetária, cidadania planetária, civilização planetária

A globalização, impulsionada sobretudo pela tecnologia, parece determinar cada vez mais nossas vidas. As decisões sobre o que nos acontece no dia-a-dia parecem nos escapar, por serem tomadas muito distante de nós, comprometendo nosso papel do sujeitos da história. Mas não é bem assim. Como fenômeno e como processo, a globalização tornou-se irreversível, mas não esse tipo de globalização – o globalismo – ao qual estamos submetidos hoje: a globalização capitalista. Seus efeitos mais imediatos são o desemprego, o aprofundamento das diferenças entre os poucos que têm muito e os muitos que têm pouco, a perda de poder e autonomia de muita Estados e Nações. Há pois que distinguir os países que hoje comandam a globalização – os globalizadores (países ricos) – dos países que sofrem a globalização, os países globalizados (pobres).

Dentro deste complexo fenômeno podemos distinguir também a globalização econômica, realizada pelas transnacionais, da globalização da cidadania. Ambas se utilizam da mesma base tecnológica, mas com lógicas opostas. A primeira, submetendo Estados e Nações, é comandada pelo interesse capitalista; a segunda globalização é a realizada através da organização da Sociedade Civil. A Sociedade Civil globalizada é a resposta que a Sociedade Civil como um todo e as ONGs estão dando hoje à globalização capitalista. Neste sentido, o Fórum Global 92 se constituiu num evento dos mais significativos do final de século XX: deu grande impulso à globalização da cidadania. Hoje, o debate em torno da Carta da Terra está se constituindo num fator importante de construção desta cidadania planetária. Qualquer pedagogia, pensada fora da globalização e do movimento ecológico, tem hoje sérios problemas de contextualização.

"Estrangeiro eu não vou ser. Cidadão do mundo eu sou", diz uma das letras de música cantada pelo cantor brasileiro Milton Nascimento. Se as crianças de nossas escolas entendessem em profundidade o significado das palavras desta canção, estariam iniciando uma verdadeira revolução pedagógica e curricular. Como posso sentir-me estrangeiro em qualquer território se pertenço a um único território, a Terra? Não há lugar estrangeiro para terráqueos, na Terra. Se sou cidadão do mundo, não podem existir para mim fronteiras. As diferenças culturais, geográficas, raciais e outras enfraquecem, diante do meu sentimento de pertencimento à Humanidade.

A noção de cidadania planetária (mundial) sustenta-se na visão unificadora do planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em diferentes expressões: "nossa humanidade comum", "unidade na diversidade", "nosso futuro comum", "nossa pátria comum", "cidadania planetária". Cidadania Planetária é uma expressão adotada para expressar um conjunto de princípios, valores, atitudes e comportamentos que demonstra uma nova percepção da Terra como uma única comunidade. Freqüentemente associada ao "desenvolvimento sustentável", ela é muito mais ampla do que essa relação com a economia. Trata-se de um ponto de referência ético indissociável da civilização planetária e da ecologia. A Terra é "Gaia", um super-organismo vivo e em evolução, o que for feito a ela repercutirá em todos os seus filhos.

Cultura da sustentabilidade supõe uma pedagogia da sutentabilidade que dê conta da grande tarefa de formar para a cidadania planetária. Esse é um processo já em marcha. A educação para a cidadania planetária está começando através de numerosas experiências que, embora muitas delas sejam locais, elas nos apontam para uma educação para nos sentir membros para além da Terra, para viver uma cidadania cósmica. Os desafios são enormes tanto para os educadores quanto para os responsáveis pelos sistemas educacionais. Mas já existem certos sinais, na própria sociedade, que apontam para uma crescente busca não só por temas espiritualistas e de auto-ajuda, mas por um conhecimento científico mais profundo do universo.

Educar para a cidadania planetária implica muito mais do que uma filosofia educacional, do que o enunciado de seus princípios. A educação para a cidadania planetária implica uma revisão dos nossos currículos, uma reorientação de nossa visão de mundo da educação como espaço de inserção do indivíduo não numa comunidade local, mas numa comunidade que é local e global ao mesmo tempo. Educar, então, não seria como dizia Émile Durheim, a transmissão da cultura "de uma geração para outra", mas a grande viagem de cada indivíduo no seu universo interior e no universo que o cerca.

O tipo de globalização de hoje está muito mais ligada ao fenômeno da mundialização do mercado, que é um tipo de mundialização. E mesmo esta mundialização, fundada no mercado, pode ser vista como uma globalização cooperativa ou como uma globalização competitiva sem solidariedade. Entre o estatismo absolutista e a mão invisível do mercado, pode existir (e existe) uma nova economia de mercado (há mercados e mercados!) onde predomina a cooperação e a solidariedade e não a competitividade selvagem, uma economia solidária, a verdadeira economia da sustentabilidade. Por tudo isso, precisamos construir uma "outra globalização" (Milton Santos, Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, Record, 2000), uma globalização fundada no princípio da solidariedade.

A globalização em si não é problemática, pois representa um processo de avanço sem precedentes na história da humanidade. O que é problemático é a globalização competitiva onde os interesses do mercado se sobrepõem aos interesses humanos, onde os interesses dos povos se subordinam aos interesses corporativos das grandes empresas transnacionais. Assim, podemos distinguir uma globalização competitiva de uma possível globalização cooperativa e solidária que, em outros momentos, chamamos de processo de "planetarização". A primeira está subordinada apenas às leis do mercado e a segunda subordina-se aos valores éticos e à espiritualidade humana. Para essa segunda globalização é que a Carta da Terra, como um código de ética universal, deveria dar uma contribuição importante, não apenas através da proclamação que os Estados podem fazer, mas, sobretudo, pelo impacto que seus princípios poderão ter na vida cotidiana do cidadão planetário.

3 – Movimento pela ecopedagogia

Essa travessia de milênio caracteriza-se por um enorme avanço tecnológico e também por uma enorme imaturidade política: enquanto a Internet nos coloca no centro da Era da Informação, o governo do humano continua muito pobre, gerando misérias e deterioração. Podemos destruir toda a vida do planeta. 500 empresas transnacionais controla 25% da atividade econômica mundial e 80% das inovações tecnológicas. A globalização econômica capitalista enfraqueceu os Estados Nacionais impondo limites para a sua autonomia, subordinando-os à lógica econômica das transnacionais. Gigantescas dívidas externas governam países e impedem a implantação de políticas sociais eqüalizadoras. As empresas transnacionais trabalham para 10% da população mundial que se situa nos países mais ricos, gerando uma tremenda exclusão. Esse é o cenário da travessia, um cenário ainda mais problemático pela falta de alternativas.

Os paradigmas clássicos estão esgotando suas possibilidades de responder adequadamente a esse novo contexto. Não conseguem explicar essa travessia, muito menos, passar por ela. Há uma crise de inteligibilidade diante da qual muitos falsos profetas e charlatães oferecem soluções mágicas. Uma nova espiritualidade surge muito bem aproveitada pelas mercoreligiões. A resposta dada pelo estatismo burocrático e autoritário é tão ineficiente quanto o neoliberalismo do deus mercado. O neoliberalismo propõe mais poder para as transnacionais e os estatistas propõem mais poder para o Estado, reforçando as suas estruturas. No meio de tudo isso está o cidadão comum que não é, nem empresário, nem Estado. A resposta parece estar além deste dois modelos clássicos, mas certamente não numa suposta "terceira via" que deseja apenas dar sobrevida ao capitalismo sofisticando a dominação política, a exploração econômica e provocando enorme exclusão social. A resposta parece vir hoje do fortalecimento do controle cidadão frente ao Estado e ao Mercado, a Sociedade Civil fortalecendo sua capacidade de governar-se e controlar o desenvolvimento. Aqui entra o papel importante da educação, da formação para a cidadania ativa.

Podemos dizer que há uma comunidade sustentável que vive em harmonia com o seu meio ambiente, não causando danos a outras comunidades, nem para a comunidade de hoje, e nem para a de amanhã. E isso não pode constituir-se apenas num compromisso ecológico, mas ético-político, alimentado por uma pedagogia, isto é, por uma ciência da educação e uma prática social definida. Nesse sentido, a ecopedagogia, inserida nesse movimento sócio-histórico, formando cidadãos capazes de escolherem os indicadores de qualidade do seu futuro, se constitui numa pedagogia inteiramente nova e intensamente democrática.

O Movimento pela Ecopedagogia ganhou impulso sobretudo a partir do Primeiro Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação, organizado pelo Instituto Paulo, com o apoio do Conselho da Terra e da UNESCO, de 23 a 26 de agosto de 1999, em São Paulo e do I Fórum Internacional sobre Ecopedagogia, realizado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal, de 24 a 26 de março de 2000. Desses encontros surgiram os princípios orientadores desse movimento contidos numa "Carta da Ecopedagogia". Eis alguns deles:
1. O planeta como uma única comunidade.
2. A Terra como mãe, organismo vivo e em evolução.
3. Uma nova consciência que sabe o que é sustentável, apropriado, o faz sentido para a nossa existência.
4. A ternura para com essa casa. Nosso endereço é a Terra.
5. A justiça sócio-cósmica: a Terra é um grande pobre, o maior de todos os pobres.
6. Uma pedagogia biófila (que promove a vida): envolver-se, comunicar-se, compartilhar, problematizar, relacionar-se entusiasmar-se.
7. Uma concepção do conhecimento que admite só ser integral quando compartilhado.
8. O caminhar com sentido (vida cotidiana).
9. Uma racionalidade intuitiva e comunicativa: afetiva, não instrumental.
10. Novas atitudes: reeducar o olhar, o coração.
11. Cultura da sustentabilidade: ecoformação. Ampliar nosso ponto de vista.

As pedagogias clássicas eram antropocêntricas. A ecopedagogia parte de uma consciência planetária (gêneros, espécies, reinos, educação formal, informal e não-formal...). Ampliamos o nosso ponto de vista. Do homem para o planeta, acima de gêneros, espécies e reinos. De uma visão antropocêntrica para uma consciência planetária, para uma prática de cidadania planetária e para uma nova referência ética e social: a civilização planetária.

Não se pode dizer que a ecopedagogia representa já uma tendência concreta e notável na prática da educação contemporânea. Se ela já tivesse suas categorias definidas e elaboradas, ela estaria totalmente equivocada, pois uma perspectiva pedagógica não pode nascer de um discurso elaborado por especialistas. Ao contrário, o discurso pedagógico elaborado é que nasce de uma prática concreta, testada e comprovada. A ecopedagogia está ainda em formação e formulação como teoria da educação. Ela se está se manifestando em muitas práticas educativas que o "Movimento pela ecopedagogia", liderado pelo Instituto Paulo Freire, tenta congregar.

O Movimento pela Ecopedagogia, surgido no seio da iniciativa da Carta da Terra. Ele está dando apoio ao processo de discussão da Carta da Terra, indicando justamente uma metodologia apropriada que não seja a metodologia da simples "proclamação" governamental, de uma declaração formal, mas a tradução de um processo vivido e da participação crítica da "demanda", como diz Francisco Gutiérrez.

A Carta da Terra deve ser entendida sobretudo como um movimento ético global para se chegar a um código de ética planetário, sustentando um núcleo de princípios e valores que fazem frente à injustiça social e à falta de eqüidade reinante no planeta. Cinco pilares sustentam esse núcleo: a) direitos humanos; b) democracia e participação; c) eqüidade; d) proteção da minoria; e) resolução pacífica dos conflitos. Esses pilares são cimentados por uma visão de mundo solidária e respeitosa da diferença (consciência planetária).

O intercâmbio planetário que ocorre hoje em função da expansão das oportunidades de acesso à comunicação, notadamente através da Internet, deverá facilitar o diálogo inter e transcultural e o desenvolvimento desta nova ética planetária. A campanha da Carta da Terra agrega um novo valor e oferece um novo impulso a esse movimento pela ética na política, na economia, na educação etc. Ela se tornará realmente forte e, talvez, decisiva, no momento em que representar um projeto de futuro um contraprojeto global e local ao projeto político-pedagógico, social e econômico neoliberal, que não só é intrinsecamente insustentável, como também essencialmente injusto e desumano.

4 – A ecopedagogia como pedagogia apropriada ao processo da Carta da Terra

Precisamos de uma "Pedagogia da Terra", uma pedagogia apropriada para esse momento de reconstrução paradigmática, apropriada à cultura da sustentabilidade e da paz, por isso, apropriada ao processo da Carta Terra. Ela vem se constituindo gradativamente, beneficiando-se de muitas reflexões que ocorreram nas últimas décadas, principalmente no interior do movimento ecológico. Ela se fundamenta num paradigma filosófico (Paulo Freire, Leonardo Boff, Sebastião Salgado, Boaventura de Sousa Santos, Milton Santos) emergente na educação que propõe um conjunto de saberes/valores interdependentes. Entre eles podemos destacar:

1º) Educar para pensar globalmente. Na era da informação, diante da velocidade com que o conhecimento é produzido e envelhece, não adianta acumular informações. É preciso saber pensar. E pensar a realidade. Não pensar pensamentos já pensados. Daí a necessidade de recolocarmos o tema do conhecimento, do saber aprender, do saber conhecer, das metodologias, da organização do trabalho na escola.

2º) Educar os sentimentos. O ser humano é o único ser vivente que se pergunta sobre o sentido de sua vida. Educar para sentir e ter sentido, para cuidar e cuidar-se, para viver com sentido em cada instante da nossa vida. Somos humanos porque sentimos e não apenas porque pensamos. Somos parte de um todo em construção.

3º) Ensinar a identidade terrena como condição humana essencial. Nosso destino comum no planeta, compartilhar com todos, sua vida no planeta. Nossa identidade é ao mesmo tempo individual e cósmica. Educar para conquistar um vínculo amoroso com a Terra, não para explorá-la, mas para amá-la.

4º) Formar para a consciência planetária. Compreender que somos interdependentes. A Terra é uma só nação e nós, os terráqueos, os seus cidadãos. Não precisaríamos de passaportes. Em nenhum lugar na Terra deveríamos nos considerar estrangeiros. Separar primeiro de terceiro mundo, significa dividir o mundo para governá-lo a partir dos mais poderosos; essa é a divisão globalista entre globalizadores e globalizados, o contrário do processo de planetarização.

5º) Formar para a compreensão. Formar para a ética do gênero humano, não para a ética instrumental e utilitária do mercado. Educar para comunicar-se. Não comunicar para explorar, para tirar proveito do outro, mas para compreendê-lo melhor. A Pedagogia da Terra funda-se nesse novo paradigma ético e numa nova inteligência do mundo. Inteligente não é aquele que sabe resolver problemas (inteligência instrumental), mas aquele que tem um projeto de vida solidário. Porque a solidariedade não é hoje apenas um valor. É condição de sobrevivência de todos.

6º) Educar para a simplicidade e para a quietude. Nossas vidas precisam ser guiadas por novos valores: simplicidade, austeridade, quietude, paz, saber escutar, saber viver juntos, compartir, descobrir e fazer juntos. Precisamos escolher entre um mundo mais responsável frente à cultura dominante que é uma cultura de guerra, de competitividade sem solidariedade, e passar de uma responsabilidade diluída à uma ação concreta, praticando a sustentabilidade na vida diária, na família, no trabalho, na escola, na rua. A simplicidade não se confunde com a simploriedade e a quietude não se confunde com a cultura do silêncio. A simplicidade tem que ser voluntária como a mudança de nossos hábitos de consumo, reduzindo nossas demandas. A quietude é uma virtude, conquistada com a paz interior e não pelo silêncio imposto.

É claro, tudo isso supõe justiça e justiça supõe que todas e todos tenham acesso à qualidade de vida. Seria cínico falar de redução de demandas de consumo, atacar o consumismo, falar de consumismo aos que ainda não tiveram acesso ao consumo básico. Não existe paz sem justiça.

Diante do possível extermínio do planeta, surgem alternativas numa cultura da paz e uma cultura da sustentabilidade. Sustentabilidade não tem a ver apenas com a biologia, a economia e a ecologia. Sustentabilidade tem a ver com a relação que mantemos conosco mesmos, com os outros e com a natureza. A pedagogia deveria começar por ensinar sobretudo a ler o mundo, como nos diz Paulo Freire, o mundo que é o próprio universo, por que é ele nosso primeiro educador. Essa primeira educação é uma educação emocional que nos coloca diante do mistério do universo, na intimidade com ele, produzindo a emoção de nos sentirmos parte desse sagrado ser vivo e em evolução permanente.

Não entendemos o universo como partes ou entidades separadas, mas como um todo sagrado, misterioso, que nos desafia a cada momento de nossas vidas, em evolução, em expansão, em interação. Razão, emoção e intuição são partes desse processo, onde o próprio observador está implicado. O Paradigma-Terra é um paradigma civilizatório. E como a cultura da sustentabilidade oferece uma nova percepção da Terra, considerando-a como uma única comunidade de humanos, ela se torna básica para uma cultura de paz.

O universo não está lá fora. Está dentro de nós. Está muito próximo de nós. Um pequeno jardim, uma horta, um pedaço de terra, é um microcosmos de todo o mundo natural. Nele encontramos formas de vida, recursos de vida, processos de vida. A partir dele podemos reconceitualizar nosso currículo escolar. Ao construí-lo e ao cultivá-lo podemos aprender muitas coisas. As crianças o encaram como fonte de tantos mistérios! Ele nos ensina os valores da emocionalidade com a Terra: a vida, a morte, a sobrevivência, os valores da paciência, da perseverança, da criatividade, da adaptação, da transformação, da renovação... Todas as nossas escolas podem transformar-se em jardins e professores-alunos, educadores-educandos, em jardineiros. O jardim nos ensina ideais democráticos: conexão, escolha, responsabilidade, decisão, iniciativa, igualdade, biodiversidade, cores, classes, etnicidade, e gênero.

"Carta" significa "mapa", um mapa para nos guiar nessa travessia conturbada. A Carta da Terra, nesse sentido, precisa ser considerada como um código de ética planetária a nos guiar hoje para um mundo onde predominem os valores da solidariedade e da sustentabilidade, um projeto, um movimento, um processo, que pode transformar o risco de extermínio em oportunidade histórica, transformar o temor em esperança. Adotar e promover a prática de seus valores, não pode ser apenas o compromisso de Estados e Nações, mas de cada ser humano, individual, pessoal, como sujeito da história, como vem promovendo o Manifesto 2000 da UNESCO. Precisamos de uma cultura de paz com justiça social para enfrentar a barbárie. Se aceitamos a barbárie, acostumamo-nos a um cotidiano de violência e de insustentabilidade.

No nosso livro Pedagogia da Terra defendemos a necessidade de uma Carta da Terra associada a um processo de paz, a uma cultura de paz. E, como a Carta da Terra é um documento ético, precisa da educação para tornar-se cada vez mais conhecido. Mas precisamos não só de mudança na consciência das pessoas. Precisamos de mudanças estruturais no campo econômico, como as propostas pela Agenda 21. A Carta da Terra precisa estar associada também à Agenda 21 e ter um grande suporte na sociedade civil. Os governos podem assinar tratados, podem adotar a Carta da Terra, mas não cumprirão suas promessas se a sociedade civil não estiver vigilante e não pressionar os governantes para que eles cumpram o que assumem. O que foi socialmente construído pode ser socialmente transformado. Um outro mundo é possível. Uma outra globalização é possível. Precisamos chegar lá juntos e, sobretudo, em tempo.

Fonte: Revista UFMT

*Moacir Gadotti (Rodeio, 1 de outubro de 1941) é professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) desde 1991 e o atual diretor do Instituto Paulo Freire em São Paulo.
Gadotti é licenciado em Pedagogia e Filosofia, mestre em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra (Suíça) e livre docente pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Possui várias publicações voltadas para a área de educação entre elas: Educação e poder. (Cortez, 1988), Paulo Freire: Uma bibliografia (Cortez, 1996), Pedagogia da Terra (Petrópolis, 2000) e Educar para um Outro Mundo Possível (Publisher Brasil, 2007).

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