sábado, 27 de dezembro de 2008

Novos Tempos


Viva, viva, é Natal!


Todos nós temos uma natureza humana.O que a torna preciosa é o potencial que temos de compreender nossa natureza ilimitada inseparável de nossa natureza humana. O potencial de compreendermos essa natureza ilimitada é revelado e dele nos assenhoramos através de cada um dos vários caminhos espirituais. Não só a capacidade biológica que temos é crucial nisso, mas especialmente os ensinamentos que recebemos dos mestres.
Os mestres poderiam não ter surgido, mas vieram a nós.Poderiam ter vindo e ficado em silêncio, mas deram ensinamentos. Poderiam ter dado ensinamentos e esses ensinamentos poderiam ter desaparecido, mas os temos. Que grande ventura! Temos saúde e oportunidade para compreender os mistérios mais profundos!
No Natal comemoramos o nascimento de Jesus Cristo. Comemoramos a vida humana preciosa. Comemoramos os ensinamentos de bondade e compaixão. Comemoramos os ensinamentos sobre a vida eterna. Compreendemos a transitoriedade das experiência do cotidiano e a oportunidade extraordinária de termos amigos espirituais, companheiros verdadeiros em nossa passagem por esse mundo ilusório. Compreendemos que estamos todos além do sofrimento e morte. Agradecemos termos recebido esses exemplos preciosos e extraordinários.
Que todos sejam felizes e superem todo o sofrimento. Que todos encontrem as verdadeiras causas da felicidade e superem as verdadeiras causas do sofrimento. Que todos superem suas estruturas cármicas e desenvolvam lucidez. Que todos aprendam a ajudar verdadeiramente os outros seres e encontrem nisso sua alegria! São meus votos nesse natal e no tempo do próximo ano.

Lama Padma Samten
Centro de Estudos Budistas Bodisatva e Instituto Caminho do Meio.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Um ponto de vista sobre a crise


"Vou fazer um slideshow para você. Está preparado?
É comum, você já viu essas imagens antes. Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África. Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele. Aquelas com moscas nos olhos. Os slides se sucedem. Êxodos de populações inteiras. Gente faminta. Gente pobre. Gente sem futuro.
Durante décadas, vimos essas imagens. No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto. Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.
São imagens de miséria que comovem. São imagens que criam plataformas de governo. Criam ONGs. Criam entidades. Criam movimentos sociais.
A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer. Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.
Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo. Resolver, capicce? Extinguir. Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.
Não sei como calcularam este número. Mas digamos que esteja subestimado. Digamos que seja o dobro. Ou o triplo. Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.
Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse. Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.
Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia."
Texto atribuído ao Vice-Presidente de Criação e sócio da Bullet, Muniz Neto, sobre a crise mundial.
____________________________________________________________________________
Não sei a que ponto esses números estão corretos. Porém, se for isso, não estaríamos cometendo o maior dos maiores entre todos os pecados? Não seria a atitude mais confrontante da ética global? E por que ninguém divulga isso?
Bem, ou isso não confere com a verdade, ou a realidade é que somos a espécie viva mais repugnante do planeta. Pense sobre isso. E, se por acaso souber de outra realidade, de outros números, por favor traga para o debate!
Seja como for, a máxima que tenho insistido há um bom tempo, a de que "tudo está baixo do poder econômico", infelizmente é mais verdadeira que eu próprio imaginara!
Reflitamos, indignamo-nos, sim, mas e a atitude?
Carlos Roberto Sabbi
...

A minha Próxima Vida

Minha próxima vida quero vivê-la de trás pra frente.
Começar morto para despachar logo esse assunto.
Depois acordar num lar de idosos e ir-me sentindo melhor a cada dia que passa.
Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a aposentadoria e começar a trabalhar, recebendo logo um relógio de ouro no primeiro dia.
Trabalhar por 40 anos, cada vez mais desenvolto e saudável até ser jovem o suficiente para entrar na faculdade, embebedar-me diariamente e ser bastante promíscuo, e depois estar pronto para o secundário e para o primário, antes de virar criança e só brincar, sem responsabilidades.
Aí viro um bebê inocente até nascer.
Por fim, passo 9 meses flutuando num spa de luxo com aquecimento central, serviço de quarto a disposição e espaço maior dia a dia, e depois
- Voilà! - desapareço num orgasmo!
A minha Próxima Vida, Woody Allen

domingo, 7 de dezembro de 2008

Aprenda a chamar a polícia


Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.
Como minha casa era muito segura, com grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali, espiando tranquilamente.
Liguei baixinho para a polícia informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa. Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível.
Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guardada em casa para estas situações. O tiro fez um estrago danado no cara!
Passados menos de três minutos, estavam na minha rua cinco carros da polícia, um helicóptero, uma unidade do resgate, uma equipe de TV e a turma dos direitos humanos, que não perderiam isso por nada neste mundo. Eles prenderam o ladrão em flagrante, que ficava olhando tudo com cara de assombrado. Talvez ele estivesse pensando que aquela era a casa do Comandante da Polícia.
No meio do tumulto, um tenente se aproximou de mim e disse: - Pensei que tivesse dito que tinha matado o ladrão.
Eu respondi:- Pensei que tivesse dito que não havia ninguém disponível.
(Luís Fernando Veríssimo)
Aqui nessa estória, mas que perfeitamente poderia ser uma história, há um bom espaço para debater o que seria ético! Aqui os meios justificam o fim?
Um encontro da teoria com a prática; ou da verdade com a realidade?
O que você faria?
E o que seria perfeitamente ético?
...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ilusões do amanhã

Poema de um aluno da APAE

'Por que eu vivo procurando um motivo de viver,
Se a vida às vezes parece de mim esquecer?
Procuro em todas, mas todas não são você.
Eu quero apenas viver, se não for para mim, que seja pra você.

Mas às vezes você parece me ignorar, Sem nem ao menos me olhar, Me machucando pra valer.

Atrás dos meus sonhos eu vou correr... Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.

Se a vida dá presente pra cada um, o meu, cadê?
Será que esse mundo tem jeito? Esse mundo cheio de preconceito.

Quando estou só, preso na minha solidão, Juntando pedaços de mim que caíam ao chão, Juro que às vezes nem ao menos sei, quem sou.

Talvez eu seja um tolo, que acredita num sonho.
Na procura de te esquecer, eu fiz brotar a flor.
Para carregar junto ao peito, E crer que esse mundo ainda tem jeito.
E como príncipe sonhador... Sou um tolo que acredita, ainda, no amor.'


PRÍNCIPE POETA (Alexandre Lemos - APAE) Este poema foi escrito por um aluno da APAE, chamado, pela sociedade, de excepcional. ..
Ele tem 28 anos, com idade mental de 15.
...

A entrevista com o famoso Reynold Remhn


Existem pessoas que realmente sabem dar respostas sábias às grandes questões sobre o mercado de trabalho. Aqui vai um pequeno resumo da entrevista com o famoso Reynold Remhn:
Pergunta: Ainda é possível ser feliz num mundo tão competitivo?
Resposta: Quanto mais conhecimento conseguimos acumular, mais entendemos que ainda falta muito para aprendermos. É por isso que sofremos. Trabalhar em excesso é como perseguir o vento. A felicidade só existe para quem souber aproveitar agora os frutos do seu trabalho.
Segunda pergunta:
O profissional do futuro será um individualista?
Resposta: Pelo contrário. O azar será de quem ficar sozinho, porque se cair, não terá ninguém para ajudá-lo a levantar-se.
Terceira pergunta: Que conselho o Sr. dá aos jovens que estão entrando no mercado de trabalho?
Resposta: É melhor ser criticado pelos sábios do que ser elogiado pelos insensatos. Elogios vazios são como gravetos atirados em uma fogueira.
Quarta pergunta: E para os funcionários que tem Chefes centralizadores e perversos?
Reposta: Muitas vezes os justos são tratados pela cartilha dos injustos, mas isso passa. Por mais poderoso que alguém pareça ser, essa pessoa ainda será incapaz de dominar a própria respiração.
Última pergunta: O que é exatamente sucesso?
Resposta: É o sono gostoso. Se a fartura do rico não o deixa dormir, ele estará acumulando, ao mesmo tempo, sua riqueza e sua desgraça.
Belas e sábias respostas. Eu só queria me desculpar pelo fato de que não existe nenhum Reynold Remhn. Eu o inventei. Todas as respostas, embora extremamente atuais, foram retiradas de um livro escrito há 2.300 anos: o ECLESIASTES, Bíblia. Mas, se eu dissesse isso logo no começo, muita gente, talvez, nem tivesse interesse em continuar me ouvindo (lendo).
Max Gheringer para a rádio CBN
Comentário de Max Gheringer - Rádio CBN.
...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Habeas Pinho

Em 1955 em Campina Grande, na Paraíba, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma boa seresta.
Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão. Aquele pedido ficou conhecido como "Habeas Pinho" e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praias no Nordeste.
Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador da República, Governador do Estado e Deputado Federal.
Eis a famosa petição.


HABEAS PINHO

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca :


O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos e pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.

O juiz Arthur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:

"Para que eu não carregue
Muito remorso no coração,
Determino que seja entregue,
Ao seu dono, o malfadado violão!“

A prisão de cada um

Por Martha Medeiros*

O psiquiatra Paulo Rebelato, em entrevista para a revista gaúcha Red 32, disse que o máximo de liberdade que o ser humano pode aspirar é escolher a prisão na qual quer viver.

Pode-se aceitar esta verdade com pessimismo ou otimismo, mas é impossível refutá-la. A liberdade é uma abstração. Liberdade não é uma calça velha, azul e desbotada, e sim, nudez total, nenhum comportamento para vestir.

No entanto, a sociedade não nos deixa sair à rua sem um crachá de identificação pendurado no pescoço. Diga-me qual é a sua tribo e eu lhe direi qual é a sua clausura. São cativeiros bem mais agradáveis do que o Carandiru: podemos pegar sol, ler livros, receber amigos, comer bons pratos, ouvir música, ou seja, uma cadeia à moda Luis Estevão, só que temos que advogar em causa própria e hábeas corpus, nem pensar. O casamento pode ser uma prisão. E a maternidade, a pena máxima. Um emprego que rende um gordo salário trancafia você, o impede de chutar o balde e arriscar novos vôos. O mesmo se pode dizer de um cargo de chefia.

Tudo que lhe dá segurança ao mesmo tempo lhe escraviza.

Viver sem laços igualmente pode nos reter.

Uma vida mundana, sem dependentes para sustentar, o céu como limite: prisão também. Você se condena a passar o resto da vida sem experimentar a delícia de uma vida amorosa estável, o conforto de um endereço certo e a imortalidade alcançada através de um filho.
Se nem a estabilidade e a instabilidade nos tornam livres, aceitemos que poder escolher a própria prisão já é, em si, uma vitória. Nós é que decidimos quando seremos capturados e para onde seremos levados.

É uma opção consciente.

Não nos obrigaram a nada, não nos trancafiaram num sanatório ou num presídio real, entre quatro paredes.

Nosso crime é estar vivo e nossa sentença é branda, visto que outros, ao cometerem o mesmo crime que nós - nascer - foram trancafiados em lugares chamados analfabetismo, miséria e exclusão.

Brindemos: temos todos, cela especial.

*Martha Medeiros (1961) é gaúcha de Porto Alegre, onde reside desde que nasceu. Fez sua carreira profissional na área de Propaganda e Publicidade, tenho trabalhado como redatora e diretora de criação em vária agências daquela cidade. Em 1993, a literatura fez com que a autora, que nessa ocasião já tinha publicado três livros, deixasse de lado essa carreira e se mudasse para Santiago do Chile, onde ficou por oito meses apenas escrevendo poesia.De volta ao Brasil, começou a colaborar com crônicas para o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde até hoje mantém coluna no caderno ZH Donna, que circula aos domingos, e outra — às quartas-feiras — no Segundo Caderno. Escreve, também, uma coluna semanal para o sítio Almas Gêmeas e colabora com a revista Época. Seu primeiro livro, Strip-Tease (1985), Editora Brasiliense - São Paulo, foi o primeiro de seus trabalhos publicados. Seguiram-se Meia noite e um quarto (1987), Persona non grata (1991), De cara lavada (1995), Poesia Reunida (1998), Geração Bivolt (1995), Topless (1997) e Santiago do Chile (1996). Seu livro de crônicas Trem-Bala (1999), já na 9a. edição, foi adaptado com sucesso para o teatro, sob direção de Irene Brietzke. A autora é casada e tem duas filhas.

...

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O poder pode fazer mal à saúde






O exercício do poder pode se transformar numa doença mental e colocar todo um país em risco. É o que alerta David Owen, autor de In Sickness and In Power, livro que se dedica a mostrar que o comportamento arrogante de alguns chefes de Estado não é um traço de personalidade, mas sim uma patologia, a “Síndrome da A r r o g â n c i a ” .
O estudo do ex-médico britânico, resenhado na Foreign Affairs, primeiro dá exemplos de como doenças podem interferir na capacidade de tomar decisões. Um caso é o de Anthony Eden, premiê britânico que sofria da vesícula durante a Crise de Suez, em 1956.
Em razão dos medicamentos que tomava, sobretudo Drinamyl, ele tinha febre, insônia e acessos de super confiança, desligando-se do mundo real. Para Owen, Eden, normalmente ponderado, foi convencido por Israel e França a enganar os EUA e a fazer a guerra contra o Egito por causa de seu estado deplorável de saúde.
Outro caso levantado por Owen é o de Kennedy. O episódio desastroso da Baía dos Porcos teria sido resultado direto das doenças do presidente americano – ele sofria de Mal de Addison, uma insuficiência suprarenal crônica, e fortes dores nas costas, problemas para os quais ele não recebeu tratamento adequado durante muito tempo. Mais tarde, com uma nova equipe médica a observá-lo, Kennedy estava em melhores condições para tomar decisões, como na Crise dos Mísseis em Cuba.
Mas Owen fala também do exercício de poder em si como uma doença. Segundo ele, a experiência do comando pode levar a alterações patológicas, narcisismo e comportamento irresponsável.
O líder que sofre da “Síndrome da Arrogância” se convence de que está no poder para grandes feitos e que o mundo espera isso dele, mesmo que signifique atropelar considerações morais e as regras básicas da boa administração. Quanto mais tempo no poder, maior é a doença, casos de Mao, Fidel e Mugabe.
Owen cita também os exemplos de Tony Blair e de George W. Bush, considerados por ele “especialmente narcisistas”. O autor descreve uma reunião de Bush com o negociador palestino Nabil Shaat, em 2002, na qual o presidente americano teria dito: “Estou numa missão divina. Deus me disse: ‘George, vá lá e acabe com a tirania no Iraque’. E eu fui”. Para Owen, o principal remédio contra a “Síndrome da Arrogância” é, antes de mais nada, o fortalecimento das instituições democráticas.

Entrevista com a Dra. Maya Angelou



Marguerite Ann Johnson nasceu em St. Louis, Missouri, no dia 4 de abril de 1928.
Passou a infância na Califórnia, Arkansas, e St. Louis, e viveu com a avó paterna, Annie Henderson, na maior parte de sua infância.
Quando tinha 8 anos, foi estuprada pelo namorado da mãe em St. Louis; isto levou a anos de mudez para Maya que finalmente superou com a ajuda de uma vizinha atenciosa, e um grande amor pela literatura.
Aos 16, Maya se tornou a primeira motorista negra de ônibus em São Francisco; em anos posteriores, tornou-se a primeira mulher negra a ser roteirista e diretora em Hollywood.
Nos anos 60s tornou-se amiga de Martin Luther King Jr. e Malcolm X; serviu no SCLC com Dr. King, e trabalhou durante anos para o movimento de direitos civis. Também nos anos 60, trabalhou e viajou pela África, como jornalista e professora, ajudando vários movimentos de independência africanos. Em 1970, publicou o primeiro livro, I Know Why the Caged Bird Sings, com grande sucesso, e foi nomeado para o Pulitzer Prize em poesia no ano seguinte.
Angelou teve uma carreira longa e distinta, é poeta, escritora, ativista de direitos civis, e historiadora, entre outras coisas. Também é atriz, dançarina, e cantora, atuou na peça de Jean Genet, "The Blacks", e o aclamado seriado, "Roots". Angelou provavelmente é conhecida melhor pelos trabalhos autobiográficos, que incluem I Know Why the Caged Bird Sings e All God's Children Need Travelling Shoes.
Em 1993, Angelou leu um de seus poemas chamado "On the Pulse of Morning", na posse de Bill Clinton como presidente; este foi um dos pontos altos de sua carreira, e novamente a trouxe para as vistas do público. Atualmente, é professora de história americana na Wake Forest University, Carolina do Norte, ainda fazendo suas excursões e dando palestras em vários lugares.
Em abril deste ano, Dra. Maya Angelou foi entrevistada por Oprah Winfrey na passagem de seu aniversário, mais de 70 anos. Oprah perguntou como ela sente diante da velhice que chega.
Resposta: 'animada!'.
Comentando as mudanças no corpo, disse que há muitas, a cada dia. Como os seios, que estão competindo um com o outro para ver qual chega primeiro à cintura. A platéia riu de chorar.
Uma das grandes vozes do nosso tempo, Maya Angelou é uma mulher simples, direta e cheia de sabedoria.
Alguns exemplos:
# Aprendi que aconteça o que acontecer, pode até parecer ruim hoje, mas a vida continua e amanhã melhora.
# Aprendi que dá para descobrir muita coisa a respeito de uma pessoa observando-se como ela lida com três coisas: dia de chuva, bagagem perdida e luzes de árvore de Natal emboladas.
# Aprendi que, independentemente da relação que você tenha com seus pais, vai ter saudade deles quando se forem.
# Aprendi que 'ganhar a vida' [making a living] não é o mesmo que 'ter uma vida' [making a life].
# Aprendi que a vida às vezes nos oferece uma segunda oportunidade.
# Aprendi que a gente não deve viver tentando agarrar tudo pela vida afora; tem que saber abrir mão de algumas coisas.
# Aprendi que quando decido alguma coisa com o coração, em geral vem a ser a decisão correta.
# Aprendi que mesmo quando tenho dores, não tenho que ser um fardo para os que me cercam.
# Aprendi que todo dia a gente deve estender a mão e tocar alguém. As pessoas adoram um abraço apertado, ou mesmo um simples tapinha nas costas.
# Aprendi que ainda tenho muito o que aprender.
# Aprendi que as pessoas esquecem o que você diz, esquecem o que você faz, mas não esquecem como você faz com que se sintam.
...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Os 3 últimos desejos


Os 3 últimos desejos de ALEXANDRE - O GRANDE.

Quando, à beira da morte, Alexandre convocou os seus generais e relatou seus 3 últimos desejos: 
1 - Que seu caixão fosse transportado pelas mãos dos médicos da época;

2 - Que fosse espalhado no caminho até seu túmulo os seus tesouros conquistados (prata, ouro, pedras preciosas...); e

3 - Que suas duas mãos fossem deixadas balançando no ar, fora do caixão, à vista de todos.

Um dos seus generais, admirado com esses desejos insólitos, perguntou a Alexandre quais as razões. Alexandre explicou:

1 - Quero que os mais iminentes médicos carreguem meu caixão para mostrar que eles NÃO têm poder de cura perante a morte;

2 - Quero que o chão seja coberto pelos meus tesouros para que as pessoas possam ver que os bens materiais aqui conquistados, aqui permanecem;

3 - Quero que minhas mãos balancem ao vento para que as pessoas possam ver que de mãos vazias viemos e de mãos vazias partimos.

(Desconheço a autoria)

domingo, 23 de novembro de 2008

A Amazônia internacionalizada?


SHOW DO ENTÃO MINISTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS
Durante debate em uma universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do DF, ex-ministro da educação e atual senador CRISTÓVAM BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um brasileiro.
Esta foi a resposta do Sr.Cristóvam Buarque:
"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.
"Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade."
"Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço."
"Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação."
"Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e instruído pelo gosto de um proprietário ou de um país."
"Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado."
"Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro."
"Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maiores do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil."
"Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro."
"Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!"

sábado, 22 de novembro de 2008

Obama vai dar samba

Publicado originalmente no O Globo.
Martinho da Vila 10/6/2008

Há anos eu li um livro ímpar na obra de Monteiro Lobato, "O presidente negro", que me fez sonhar. É uma obra futurística, remete o leitor ao dia em que o personagem Jin Roy disputa a Presidência dos EUA com uma mulher, Evelyn Astor, e o conservador Kelog, tal como ocorreu nas prévias para as eleições americanas.
O livro, inicialmente lançado com o título "O choque das raças", me impressionou. Eu o emprestei a alguém que não me devolveu e faz tempo que procuro um outro e não consigo encontrar. Felizmente foi reeditado agora pela Editora Globo, oportuno neste momento histórico em que Obama se prepara para o seu desafio maior, que é se eleger o primeiro presidente negro de um país no qual há pouco mais de 40 anos os negros eram proibidos de morar no mesmo bairro que os brancos, usar o mesmo banheiro público, freqüentar a mesma escola e eram obrigados a ceder o lugar, nos ônibus, a brancos.
Confirmado como candidato do Partido Democrata à Casa Branca, o topo dessa onda Obama pode dar um samba-enredo dos bons. Senador estadual por Illinois, era quase desconhecido no país quando foi convidado para apresentar o programa democrata na convenção nacional do partido e despontou como uma estrela em ascensão. Conquistou uma cadeira no senado americano com 70% dos votos, numa esmagadora vitória.
Orador brilhante e político carismático, é graduado em ciências políticas pela Universidade de Colúmbia e advogado formado em Harvard. Freqüentemente descrito pela direção do partido como "inteligente mas não arrogante, confiante mas aberto a outros pontos de vista, orgulhoso de sua negritude, mas não atado por questões de raça". Isso lhe permitiu trabalhar com republicanos por questões como saúde e educação e o levou a conquistar eleitores sem basear sua campanha na questão da negritude. Para derrotar o casal Clinton, teve uma forte ajuda financeira e superou obstáculos, sendo os principais a cor da pele e o nome islâmico que lembra Saddam e Bin Laden.
Barack Hussein Obama é um jovem de 46 anos, nascido em Onolulu, Havaí, e filho de um negro muçulmano do Quênia com uma americana branca. Agora a briga é com o republicano John McCain. Eu faço parte do rol de brasileiros que têm uma certa aversão aos EUA e, aomesmo tempo, uma admiração invejosa.
O "Leão do Norte" tem mais ou menos a nossa idade, é a maior potência mundial e está sempre à frente, enquanto o Brasil só recentemente saiu da classificação de "país do Terceiro Mundo". Fizeram, antes de nós: a independência, a abolição da escravatura, a república, colocaram negros em pontos-chave da política e implantaram ações afirmativas adotando o sistema de cotas, só agora discutido no Brasil.
Sou de opinião que a Lei de Cotas em universidades deveria ser extinta e criada uma outra mais abrangente, estendida aos três poderes de maneira exemplar, às universidades federais e estaduais, o que levaria a ser norma nas particulares e, naturalmente, aplicada em todos os setores da sociedade. Nas minhas primeiras andanças pelo mundo, o que mais me impressionou foram rostos negros em cartazes luminosos em Nova York e em veículos de propaganda espalhados por aquele país, bem como ver famílias negras em seus próprios carros, alguns de último tipo. Nas lojas e butiques, vi pretos trabalhando e até encontrei um amigo de BH, o negro Josias, gerenciando um supermercado.
Havia muitos pretos nas universidades e em cargos de chefia. Entrei num banco e vi neguinho na cadeira do gerente e nos caixas, o que nunca havia visto nos bancos onde tinha contas. Vi gente como eu nos três poderes e quase não acreditei ao saber que o prefeito da capital, Washington, era um negão. Enquanto por aqui ainda há empresas que não admitem negros.
De volta ao Brasil, procurei me informar sobre Malcon X, Luther King e então entendi a fala do
Abdias do Nascimento e outros líderes dos diversos segmentos do nosso Movimento Negro. Aí me engajei na luta deles e no Ano do Centenário da Abolição da Escravatura, graças à influência do guerreiro Milton Gonçalves, coordenei uma mensagem de final de ano na TV Globo onde caras negras preenchiam as telas cantando "Axé, axé, axé para todo mundo axé", passando mensagens. De lá para cá, houve sensíveis avanços, e já não se vêem só caras brancas na nossa publicidade.
Com a eleição de um operário para a Presidência - o que eu considero uma revolução feita com votos - pela primeira vez na República tivemos ministros negros. E ainda temos. A fotografia dos nossos governantes ficou mais bonita e com aparência democrática. A nossa Justiça - que, além de cega, é feia e branca - ganhou um par de olhos cor-de-azeviche e mais abertos para interpretar as leis. Sinal de novos tempos. Bom sinal. Vai dar samba.
MARTINHO DA VILA é compositor.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Por que eu não consigo perdoar?

.
Um pai vivia na Espanha com seu filho adolescente. O relacionamento dos dois tornou-se tão hostil a ponto do rapaz sair de casa.
O pai deu início a uma longa jornada à procura do filho rebelde e colocou um anúncio num jornal de Madri como último recurso.
O nome do filho era Paco, muito comum entre os espanhóis. O anúncio dizia apenas o seguinte: “Querido Paco encontre-me na frente do jornal de Madri amanhã ao meio dia. Está tudo perdoado. Eu amo você”.
No dia seguinte, ao meio-dia, havia mais de 800 Pacos em frente ao escritório do jornal, todos ansiosos por perdão.
As pessoas que acham difícil perdoar não vêem a si mesmas de maneira realista. Elas são muito arrogantes ou extremamente inseguras. Embora guardar ressentimentos dê a algumas pessoas uma sensação de satisfação, a verdade é que os incapazes de perdoar magoam a si mesmos muito mais do que aos outros.
Autoria desconhecida

Com um pé atrás

Ando cada vez mais cético. Olha só esse escândalo da operação Satiagraha, com o delegado Protógenes. O herói que prendeu o banqueiro desonesto agora é o indiciado que passa por cima da Constituição e abusa de seu poder de polícia. Mas basta sair às ruas para ver a manifestação pró Protógenes numa esquina e a manifestação contra Protógenes na outra... Todos cheios de razão. Afinal, ele é mocinho ou bandido?
Algum tempo atrás Oscar Niemeyer fez 100 anos. A vida toda li e ouvi que ele é o grande nome da arquitetura brasileira, admirado em todo o mundo, criador de obras que entraram para a história da humanidade. Mas na comemoração de seu centenário, dezenas de críticos caem de pau. Ele seria apenas um bom escultor e péssimo arquiteto. Faz coisas bonitas, mas impossíveis de serem habitadas. E é comunista. Prega um mundojusto, de paz entre os homens, mas defende regimes como o de Fidel Castro, Stalin e outros assassinos.
Pelé é o maior jogador de futebol do mundo, personagem requisitada e sempre presente nos mais importantes eventos globais. Mas a crítica caide pau sobre ele desde que afirmou uns trinta anos atrás que o brasileiro não sabia votar. Pelé era bom de bola, mas tem que ficar de bocafechada...
Aprendi na escola que os Bandeirantes foram os grandes heróis brasileiros, os homens destemidos que conquistaram o Brasil, derrotando osíndios selvagens. Para descobrir mais tarde que eram bandidos sanguinários.
E os espanhóis que conquistaram a América Latina? Admiráveis guerreiros e navegadores que descobriram novos mundos e acabaram com costumesselvagens das tribos que sacrificavam seres humanos. Mas um outro ângulo diz que eles eram saqueadores, genocidas. Exploradores.
E Che Guevara? O herói romântico que embalou os sonhos de várias gerações? Surge agora como um psicopata que matava por prazer, não tomavabanho e foi o covarde que implorou para não ser morto.
E os estadunidenses que lutaram contra o comunismo e salvaram povos de massacres perpetrados por ditadores perversos? Admiráveis, não é? Mas são os exploradores capitalistas, invasores em busca de riquezas naturais, que destroem as culturas regionais, etc etc etc.
Lula? É amado por uns, odiado por outros. Como Bush. Obama. Bento 16. Chaplin. John Lennon. Jesus Cristo. Gandhi. Juscelino... até Deus! Escreva aqui o nome de quem você quiser. Sempre aparecerá alguém com uma história que ninguém sabia, comprovando que ele ou ela tem ou tinha um comportamento questionável que deve ser criticado. Ninguém mais é absolutamente bom. E, se um dia foi, era por falta de informação de quem o admirava... E para piorar temos cada vez menos tempo para dedicar aos estudos, à reflexão. E assim o tempo passa a ser inimigo do entendimento e da coerência. Pressionados pelo tempo ouvimos rapidamente, lemos rapidamente e tiramos nossas conclusões incertas e superficiais.
É duro admitir, mas aos cinqüenta anos de idade fico a cada dia mais cético. Não tenho mais segurança para defender ninguém que eu não conheça profundamente. Acabaram o preto e o branco. Tudo ficou cinza quando mergulhamos na era da informação: temos toda ela à nossa disposição, contra, a favor ou muito pelo contrário. E precisamos selecionar. Julgar. E escolher. Por isso fica cada vez mais importante ser cético. Mas não o cético-burro, que adota o ceticismo como postura política perante o mundo, que não acredita em nada. O ceticismo que me interessa é o ceticismo como método, acreditando que a certeza, o preto, o branco, o bom e o mau são possíveis, sim senhor.
Mas sempre com um pé atrás.
Luciano Pires
http://www.lucianopires.com.br/

domingo, 16 de novembro de 2008

Parábola da Caverna

Em obra clássica, a República, Platão desenvolve muitas idéias de seu mestre Sócrates. No livro VII, a parábola da caverna tornou-se um marco filosófico no pensamento ocidental sobre processos de mudança social, educação e desenvolvimento.
A alegoria pode ser resumida como segue.
“ Havia seres humanos vivendo em uma caverna subterrânea com uma abertura para o exterior e a luz. Eles estavam lá desde a infância; suas pernas e pescoços estavam acorrentados de tal modo que não se podiam mover; só podiam olhar para a frente, para a parede do fundo da caverna, pois eram impedidos de virar a cabeça por causa das correntes.
Havia um fogo ardente, a distância, que projetava sobre a parede do fundo as sombras de pessoas e objetos que passassem atrás.
Assim os prisioneiros da caverna, que só podiam olhar para aquela parede, acreditavam que as sombras que viam eram a realidade; e passaram a distingui-las e nomeá-las, associando-as ás formas que viam e aos sons que ouviam. As sombras eram a sua verdade, a realidade do seu mundo.
Imaginando que um deles pudesse libertar-se das correntes, pôr-se de pé, virar a cabeça e olhar para o fogo, ele sofreria com a súbita e intensa luminosidade e não poderia ainda ver a nova realidade. Ele precisaria acostumar-se com a claridade do fogo e a visão do mundo superior, além da caverna. Veria primeiro as sombras, depois os reflexos de homens e objetos na água e então os veria diretamente; depois veria o céu, o sol e poderia raciocinar sobre ele. Esta é a sequência do conhecimento.
Imagine-se que este homem retornasse á caverna. Teria dificuldades para acostumar-se novamente á semi- escuridão e para interpretar as sombras com habilidade, como seus antigos companheiros faziam. Estes diriam que ele voltara enxergando menos que antes e ridicularizariam suas idéias, não acreditando na estranha realidade que lhes era relatada.
Os prisioneiros concluiriam então que era melhor não sair da caverna, não rejeitar as sombras tão familiares, e que era extremamente perigoso aventurar-se lá fora.
E se o regressado insistisse em suas ousadas e esquisitas opiniões, seria julgado um perturbador da ordem e condenado por tal conduta ultrajante”.
A parábola da caverna, escrita no século IV a.c; discute as relações entre aparência, realidade e conhecimento, temas apaixonantes, atuais e ainda não esgotados no limiar do século XXI.
A caverna simboliza o mundo da visão aparente; a luz do fogo, o sol; a jornada ao exterior, subida ao mundo intelectual, do conhecimento e do bem. O mundo inferior ou visível composto de sombras, aparências disformes da realidade, e é habitado por homens que se tornam prisioneiros de suas crenças e opiniões baseadas simplesmente no que enxergam. O mundo superior, o inteligível, é a verdade, a realidade na qual os homens são livres para ver a luz, o sol, o mundo, a existência .
Passar do mundo das aparências para o mundo da realidade requer coragem para assumir riscos, motivação para mudança, mente aberta.
Na organização, em geral, a maioria das pessoas age como os prisioneiros da caverna, acomodados em suas crenças ortodoxas que bloqueiam novas idéias e visões, tal qual as correntes da alegoria de Platão.
Fonte: MOSCOVICI, FELA – RENASCENÇA ORGANIZACIONAL , LTC,RJ 1988.

Um pensador da ética

Por Renato Janine Ribeiro
Num dia de dezembro de 1513, um homem escreve a um amigo. Está no campo, banido. Foi preso e torturado. Mas não se queixa. Conta que passa o dia com os camponeses, gritando, jogando. À noite, porém, troca de roupa. Veste os melhores trajes. Lê os autores antigos e, espanto!, dialoga com eles. Ouve suas opiniões, suas idéias. (Essa passagem é sempre citada, quando se quer explicar a Renascença). Quase no final, informa que gastou algumas semanas escrevendo um livrinho, De principatibus (Dos principados), "onde me aprofundo tanto quanto posso nas cogitações desse tema...".
Gastou nisso umas poucas semanas, que definirão para a posteridade o seu nome – Nicolau Maquiavel ou, em italiano, Niccolò Machiavelli. A elas Maquiavel deverá a glória: seu nome gerará um adjetivo que todos conhecem. De uns trinta grandes filósofos, apenas dois – ele e Platão – chegaram a tanto. Mesmo quem nunca os leu tem noção do que é amor platônico ou ação maquiavélica. Não importa que nós, professores de filosofia, provemos que os adjetivos convêm mal aos dois filósofos. Eles pegaram. O renome de Maquiavel é maior que ele próprio.
Mas é um mau renome, uma má fama, infâmia. O Príncipe foi lido, bem cedo, como um livro de conselhos aos governantes, para quem os fins justificariam os meios (essa frase, aliás, não é de Maquiavel). Ele defenderia o despotismo e a amoralidade dos príncipes. Há aqui, porém, um problema. Maquiavel escreveu O Príncipe de um jato só, enquanto se dedicou vários anos a outro projeto – os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, um longo comentário ao historiador de Roma antiga.
Ora, os Discursos são uma obra republicana. E, se Maquiavel foi torturado a mando dos Médici, que acabavam de retomar Florença, isso se deveu a ter sido ele um dos líderes da República florentina. O Maquiavel mais extenso é republicano – e sobre ele temos um livro notável de Newton Bignotto, Maquiavel republicano (1991). Mas talvez o autor d’O Príncipe seja o Maquiavel mais intenso: essas semanas no campo emancipam a política da moral cristã.
Daí, questões sérias. Rousseau, dois séculos e meio depois d’O Príncipe (isto é, a meio caminho entre Maquiavel e nós), sugere: tudo seria uma enorme paródia. Republicano da gema, nosso autor teria contado – como a sério – todo o mal que os reis fazem, para fazer-nos odiá-los. Há um enigma Maquiavel. Ainda maior, porque O Príncipe é talvez a obra filosófica que parece mais fácil de ler. Nenhuma dificuldade para entender cada linha ou página. Só para saber o que, afinal, ele quis dizer.
Maquiavel começa distinguindo repúblicas e monarquias: falará delas. Dos reinos, uns são antigos e outros novos: só tratará dos novos. E, destes, uns foram conquistados por armas próprias e outros, com armas alheias e graças à fortuna (no sentido de sorte) – interessam-lhe estes. Como um novo governante, que não se beneficia da opinião favorável que a idade dá a um regime, pode conseguir ser aceito por seu povo? eis a questão. Isto é: como passar da força bruta ou da violência ao poder, que depende do consentimento dos dominados.
E com isso Maquiavel é um dos raros pensadores da política a pensar, não só o exercício, mas a tomada, do poder – não a continuidade, mas a novidade. Não é fortuito que o marxista italiano Antonio Gramsci tenha escrito sobre ele: Maquiavel pode ser revolucionário.
Todo governante procura "conservar o [seu] estado". Quer dizer seu estado de governante, a condição de quem manda. Mas daí brota outro sentido, que surge com Maquiavel: o Estado que o príncipe governa. E como o conservará? Não há receituário. Aqui está o erro de quem lê, n’O Príncipe, regras a aplicar. Pois o que ele destaca na política (ou aquilo a que seus leitores recentes se mostram mais atentos) é justamente o que exige argúcia e invenção!
Diz ele que deseja escrever coisa que preste, útil; por isso não tratará do Estado como deve ser mas como é; nada melhor, para que o governante planeje bem suas ações. A ação deliberada, planejada, eficaz se dá no plano do que ele chama de virtù e que nada tem a ver com a virtude, no sentido cristão ou moral. Mas ninguém realiza todos os seus planos. Metade dos resultados de nossas ações, diz, se deve à virtù, metade à fortuna.
Uma forte convicção medieval era que o governante deveria seguir a moral cristã. Era essa a chave do bem governar. Mas Maquiavel mostra, usando a história e a experiência, que sempre venceu quem pensou mais no êxito do que na moral ou na salvação da alma. Nem por isso devemos ser cruéis de propósito: ele recomenda praticar o bem sempre que possível, o mal quando necessário.
Só que o governante não tem garantia de sucesso. Este sempre é incerto. Um homem privado pode, se respeitar leis e regras, vencer na vida; vive no quadro de um sistema que premia e pune; mas um governante, que não tem rede a protegê-lo, não tem segurança disso.
Lembremos o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele falou muito na ética da responsabilidade, conceito que Max Weber cunhou para dar conta do que Maquiavel iniciara. Teríamos por um lado a ética de princípios ou valores, e por outro a que leva em conta os efeitos previsíveis da ação. O homem privado poderia dar-se ao luxo de seguir os princípios, em sua pureza.
Já o homem público precisa pautar-se pela ética da responsabilidade, insistia FHC, citando Weber (teve a cautela de não citar Maquiavel). Esse foi um ponto de debate no governo passado, com parte da oposição atacando o presidente em nome de um discurso moral. Subentendia-se que a ética da responsabilidade fosse uma ética com desconto, uma ética enfraquecida, até mesmo uma não-ética. Mas ela não é isso.
Se o subtexto de FHC era Maquiavel, não era amoral. A melhor bibliografia atual repudia a imagem de um Maquiavel anti-ético. Destaquemos o livro de Claude Lefort, comentado adiante, que precisaria ser traduzido. Ou o livro utilíssimo de Quentin Skinner, Maquiavel, infelizmente esgotado (Brasiliense), ou ainda duas passagens de seu Fundações do pensamento político moderno (Companhia das Letras).
Dois brilhantes textos mais curtos valorizam a ética de Maquiavel. Isaiah Berlin, em "A originalidade de Maquiavel" (in Estudos sobre a humanidade, Companhia das Letras), diz que na obra dele não se opõem a ética e uma política sem ética – mas duas éticas. Uma é cristã, preza a salvação da alma. Outra – a do Príncipe – é pagã e valoriza a pólis, a cidade, este mundo.
Mas o grande pequeno artigo é a "Nota sobre Maquiavel", de Merleau-Ponty (in Signos, Martins Fontes). Diz ele que uma bondade "incapaz de dureza" (a ética dos princípios) não é verdadeira, nem sequer para o indivíduo – e que O Príncipe encarna "algumas das condições de todo humanismo sério" e, mais que isso, "a regra de uma verdadeira moral". Esta exige levarmos em conta as conseqüências prováveis de nossos atos. De nada vale ficar nas boas intenções. Maquiavel terá lançado as bases da ética de nossos tempos. Merleau-Ponty assim efetua uma enorme reviravolta, que faz o filósofo mais mal falado de todos – e cujo prenome gerou em inglês um apelido para o diabo, "Old Nick" – se tornar um possível grande pensador ético.
Talvez isto signifique o seguinte: na Idade Média, o quadro moral dava conta do lugar tanto do príncipe quanto do súdito, que deviam ambos obedecer à religião. Em tese, bastava isso para fazer um bom rei ou um fiel cristão. Maquiavel mostra que o príncipe não está mais submetido – nem protegido – por esse quadro. É essa insegurança que lhe dá liberdade. Ninguém é livre sem ansiedade. Mas hoje temos um mundo em que também se desfizeram os quadros de referência que protegiam – e prendiam – os cidadãos. Não só o príncipe, mas todos nós.
Se, na reflexão de FHC, a vida pública é diferente da vida privada, o que vemos hoje – e disso se aperceberam os comentadores recentes de Maquiavel – é que a vida privada tomou cores que eram da vida pública. O ex-presidente também errou, ao separá-las. Pois a vida privada igualmente se tornou insegura: casamentos, empregos e até profissões terminam.
Essa insegurança é maior, mais duradoura e mais inquietante do que a gerada pelo temor do assalto: nenhuma polícia pode superá-la. Por isso, não é verdade que o homem privado possa ignorar a lição d’O Príncipe. Hoje é ele quem mais tem a aprender lendo esse poderoso livro. Porque cada um de nós está, em certa medida, na condição do príncipe de Maquiavel: com mais liberdade do que nunca antes, mas também mais inseguro.
Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política na USP e curador deste dossiê, é autor de A sociedade contra o social (Companhia das Letras), Ao leitor sem medo – Hobbes escrevendo contra o seu tempo (Ed. UFMG) e de A universidade e a vida atual (Campus), entre outras obras.
.

As duas éticas ou A ação possível


A modernidade começa com uma desilusão: quando se percebe que do bem não decorre o bem. Maquiavel faz essa terrível constatação – aquilo que, no plano privado ou pessoal ou religioso1 redundar em catástrofe no campo da política. Alguns dizem que, com isso, o pensador italiano terá separado a política e a ética, proclamando a primeira como imoral ou pelo menos amoral. Não é verdade. Maquiavel mostra-se exigente com o seu príncipe, ou seja, com aquele que governa os demais homens: nada mais errado do que imaginar as regras que presidem a sua ação como efetuando uma desqualificação daquela que seria a verdadeira ética, ou seja, a pessoal ou religiosa. Ninguém compreenderá nada de Maquiavel, ou da política moderna, se não tiver isso bem em mente. Podemos, isso sim, falar em duas éticas, como faz Max Weber, nisso claramente tributário do florentino.
O tema das duas éticas, ou melhor, o da segunda ética, da que o estadista pratica, tornou-se estes últimos anos um dos tópicos centrais da fala de um presidente brasileiro formado nas ciências sociais. Ele próprio um cientista político2, parte significativa de sua fala consistiu em atacar a ingenuidade daqueles que pensam que o líder político deveria pautar sua ação por regras morais. Não se pode dizer que o seu discurso, nesse campo, seja original: não pretende sê-lo. Ele e seus partidários retomam, basicamente, o que Weber disse. Isso em nada reduz a importância de seu discurso. Ao político, não cabe tanto a originalidade, mas o endosso e a execução. Enquanto no mundo das idéias a novidade, a originalidade contam enormemente, no da ação o que vale mesmo é pô-las em prática. O pensador escreve, o político assina. Os próprios intelectuais têm consciência disso, quando se cansam de apenas especular e procuram um príncipe – um tirano de Siracusa no caso de Platão, um rei da Prússia para Voltaire, uma czarina da Rússia para Diderot – que converta em carne o seu verbo. A essa busca geralmente se segue uma decepção, mas nem por isso deixa, quem filosofa sobre a ação, de procurar aquele que transforme em prática a sua teoria.
Resumindo, a ética de princípios, que pode ser a do indivíduo privado, é a mais próxima de uma ética tradicional. Não se deve, porém, confundi-la com esta última, já que a tradição consiste em seguir acriticamente uma lista de mandamentos, um gabarito do que é certo ou errado – enquanto uma ética de princípios, ou valores, supõe que estes tenham sido meditados, ponderados, refletidos, antes de um sujeito os incorporar e assumir como seus. Mesmo assim, essa ética está perto da tradição na medida em que atribui aos valores uma vigência forte, ou até um caráter absoluto. Não os considera valores apenas porque valem, isto é, porque foram instituídos por um sujeito ao avaliar o mundo e suas circunstâncias. Essa última visão, que, simplificando, seria a introduzida por Nietzsche, soa geralmente fraca, aos olhos de quem defende ou pratica uma ética de princípios. Com efeito, derivar estes últimos dos interesses, vontade, desejos ou mesmo da consciência dos homens reduz-lhes o caráter normativo.
Já a ética da responsabilidade é aquela que se aplica na política – não: melhor dizendo, é aquela que vale sobretudo para quem age politicamente. (Agir politicamente, isto é, levando em conta as relações de poder, pensando na construção do futuro, pode fazer-se também fora da esfera usual da política: posso agir politicamente na minha vida pessoal, por exemplo). Essa ética é muito mal compreendida pelo grande público. O maior erro a seu respeito consiste em entendê-la como uma não-ética. Na política, tudo seria válido, já que validado pelos resultados. Mas não é assim que funciona esse tipo de ética.
Essencialmente, trata-se de uma ética da ação política, mais que da instituição política. Das instituições e da ação, já tratamos, ao desenvolver uma oposição entre Mandeville e Maquiavel. O pensador florentino priorizou a ação. Seu mundo é plástico, em constante mutação. É visto do ângulo do indivíduo criativo (e aqui Burckhardt o captou muito bem, ao vincular a Renascença à figura do condottiere, do guerreiro quase sem princípios que plasma o seu mundo). Já o inglês, autor da Fábula das abelhas, confere menor importância ao agir, e maior ao modo pelo qual este se desvia em instituições.
Não é esse o mesmo modo pelo qual Mandeville abre o mundo moderno. (Assim como se fala, em xadrez, de tal ou qual "abertura", diríamos que existem, nesta partida que é a modernidade, uma abertura Maquiavel e uma abertura Mandeville). O italiano enfatiza ações que procuram produzir determinados fins. Se não os produzem, isso se chama fracasso. César Borgia assim fracassou. Nem por isso, será ele menos digno de nossa admiração – sempre segundo Maquiavel. César Borgia bateu-se e fez o que pôde (ou quase). De todo modo, a medida da ação está na produção direta de seu resultado.
Já Mandeville se interessa por outra coisa. O seu ponto é como ações que visam a um fim, este não político, mas privado, econômico, interesseiro, egoísta3, podem ser canalizadas de modo a produzir indiretamente fins que, do ponto de vista social, sejam positivos. Por isso, seu problema é o da canalização, isto é, o das instituições que desviam o rumo consciente dos atos.
Nesse sentido, Mandeville pretende exatamente o contrário de Maquiavel. Para este último, o importante era preservar o sentido das ações. Bom seria que as ações de César Borgia, orientadas para a conservação de seu poder, dessem certo. Já para Mandeville, o importante é desviar o sentido dos atos. Bom será que o egoísmo e a ganância de cada indivíduo resultem em outra coisa, em livre concorrência, em progresso econômico.
O ponto de vista do indivíduo, e de sua ação, é o óculo ideal de Maquiavel (evidentemente, o do indivíduo chefe, líder, estadista ou pelo menos conquistador). Para Mandeville, porém, é fundamental desfocar esse ponto de vista, seqüestrar, de seus autores, os atos. Por isso, enfim, o resultado dos atos fica, para Maquiavel, aquém deles, raras vezes lhes emulando o alcance político – ao passo que, em Mandeville, o resultado vai além do ato, conferindo-lhe uma dimensão bem maior do que poderiam ter.
Essas diferenças entre os dois grandes mestres do xadrez político obedecem a uma diferença anterior e fundamental. Para Maquiavel, a ação e seu resultado compartilham um sentido político. César Borgia agindo, e o resultado histórico de suas ações, das de seus contemporâneos e ainda da fortuna, são, tudo, política. Já para Mandeville, a ação e seu resultado diferem radicalmente quanto ao sentido. A seu ver, nem a ação individual nem seu fruto histórico são políticos. Ocorre nele um esvaziamento significativo do teor político da vida. (E é a onipresença do político em Maquiavel que permite uma leitura recente, que enfatiza seus vínculos com o humanismo cívico).
Em Mandeville, a ação é radicalmente privada. Não é privada apenas porque se dá no recesso do lar, no íntimo da consciência, no cerne do coração. É-o porque somente busca interesses pessoais, agressivos em relação aos outros. É privada, até, na valoração má e negativa do termo. Evidentemente, o autor não quer com isso afirmar que o homem seja mau. Tomar o privado enquanto mau é um recurso argumentativo muito inteligente, pelo qual Mandeville implica o seguinte: se o que afirmo vale até para o pior, até para o mau em estado puro, valerá muito mais para quem é neutro eticamente ou mesmo bom4. De todo modo, ainda que a ação seja privada e egoísta, seu resultado é social.
Dos dois grandes exemplos de Mandeville, um reza que da ganância de cada um decorre a concorrência capitalista, o outro que da prostituição no porto de Amsterdam se segue o respeito à virtude das matronas e donzelas5. Nos dois casos, não só o móvel da ação individual (busca desenfreada do ganho econômico, desejo sexual do marinheiro, desejo de ganho ou indecência das prostitutas) não é político, mas também o resultado é social e não político. O esvaziamento do político significa, aqui, que a sociedade passa a ser pensada em termos, digamos, próprios, de seu funcionamento, e não mais como fruto de uma ação plasmadora do mundo. A sociedade é despolitizada nas suas causas e nos seus efeitos.
Maquiavel teria dificuldade em aceitar esses termos. Para ele, a construção da casa comum dos homens passava por uma ação que lhe imprimisse uma forma. Era essa ação o que mais lhe importava. Aqui, porém, a construção prescinde dos atores ou das ações – melhor dizendo, não prescinde deles, mas se faz mediante um desvio significativo em face da consciência ou do anseio que os movesse a agir.
Ora, o importante para Mandeville é justamente esse desvio. O decisivo, para ele, é estabelecer claramente tal desvio. "Vícios privados, benefícios públicos" assim significa que o ponto de vista do indivíduo, ou de sua consciência, se torna insuficiente para se entender o funcionamento do social. Além disso, e de forma nada acessória, por essa via o social substitui o político – e um social no qual a economia desempenha papel fundamental.
Dessas duas distintas aberturas, decorrem duas maneiras bastante diferentes de jogar a política. Se abrirmos com Mandeville, estaremos considerando a vida social como barata, e nos contentaremos com o papel de indivíduos procurando seu bem pessoal, e produzindo a vida social como que por acaso. (Evidentemente, toda a genialidade desse jogo está em fazer passar por acaso aquilo que não o é; em construir uma teia de relações que produza o social enquanto almejamos o particular).
Se abrirmos, porém, com Maquiavel, estaremos considerando o social como resultante do político. Reabilitaremos a ação política, seja esta a do estadista, seja a do opositor. O governante e o rebelde compartilham essa ética: veja-se por exemplo o que diz Julien Sorel, numa passagem d’O vermelho e o negro, de Stendhal, em que ele exalta o líder político que talvez tenha sido quem mais, ou melhor, mesclou os papéis de chefe revolucionário e de dirigente no governo:
"- Danton fez bem em roubar? – perguntou-lhe ele bruscamente [isto é, perguntou Julien Sorel a Mathilde de la Mole], e com um ar cada vez mais feroz. – Os revolucionários do Piemonte, da Espanha, deviam comprometer o povo com crimes? Dar a pessoas mesmo sem mérito todos os postos do Exército, todas as cruzes? As pessoas que tivessem essas cruzes não temeriam a volta do rei? Dever-se-ia saquear o tesouro de Turim? Numa palavra, senhorita – disse, aproximando-se dela com um ar terrível –, o homem que quiser expulsar da terra a ignorância e o crime deve passar como a tempestade e espalhar o mal ao acaso?"6
Basta essa passagem – que, observemos sem nos determos, no romance exerce o decisivo papel de consumar o enamoramento de Mathilde por Julien, ao perceber ela que lida com um homem superior, cujos devaneios não se limitam aos da vida privada, mas se alçam a questões das mais relevantes para a época –, basta essa passagem para mostrar que a ética da responsabilidade não é apenas a do governante. É também a do rebelde, seja ele Danton, seja Julien Sorel. É a de todo aquele que vê o social como podendo e/ou devendo ser plasmado por uma ação criadora – e pouco importa se esta é a do indivíduo ou a do grupo. A essa ação que cria o social, cabe chamar de ação política.
É política assim a ação que assume como seu o ponto de vista da criação, que pretende moldar, criar, o social. Há política quando nos fazemos sujeitos de uma realidade, isto é, quando não a tomamos por dada, ou por independente da ação humana, mas a concebemos como resultando dessa ação – e, melhor ainda, nos propomos a agir, moldando o mundo. Para se definir a ação como política, não tem mais valor falar ex parte principi, falar do lugar do príncipe – nem do do revolucionário, que contesta aquele a fim de lhe ocupar a posição. O que importa é, pois, uma atitude criativa, de quem se torna sujeito de sua vida, e não mais o lugar: a postura, e não a posição, eis o que conta. Sai-se de uma idéia de poder delineada a partir de um espaço, de um território, mais ou menos estáticos, e passa-se a uma política que tem mais a ver é com uma atitude, com um enfoque, com o rumo de uma ação.
(...)
NOTAS
1 É óbvio que esses adjetivos não são sinônimos. Mas, para o que nos interessa, estão bastante próximos, sendo sua diferença sobretudo de ênfase: no caráter religioso (e portanto algo altruísta) ou pessoal (e quem sabe egoísta) da boa conduta.
2 O nome de "príncipe dos sociólogos", dado por alguns a Fernando Henrique Cardoso, tem mais a ver com o constante trânsito interno entre as várias ciências sociais, do que com uma denominação precisa de área.
3 O que não significa que a ação política seja necessariamente desinteressada, altruísta.
4 Esse modo de argumentar aparece já no rei Jaime I da Inglaterra, quando mostra como mesmo o mau rei detém um direito divino: se a legitimidade cabe até para o tirano, o monarca que não segue o bem, quanto não valerá para os bons reis? Cf. meu Ao leitor sem medo – Hobbes escrevendo contra o seu tempo, 2a edição, Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999, cap. V, esp. p. 147-49.
5 Mandeville, The Fable of the Bees, respectivamente notas G e H – na edição da Penguin, que é a que utilizamos, p. 118-30.
6 Parte II, cap. 9, p. 287-8 da ed. Abril, 1971, na trad. de De Sousa e Casemiro Fernandes; p. 228 do original francês, na ed. L’intégrale.

Este trecho faz parte do livro
A sociedade contra o social (Cia. das Letras, 2000).
.

sábado, 15 de novembro de 2008

O bem e o mal e as virtudes e vícios segundo Platão

As pessoas podem debater assuntos como a moral e a ética de pelo menos dois modos: com sua experiência própria, obtida no cotidiano, e também a partir do ponto de vista filosófico. O saber prático que acumulamos no dia-a-dia permite que todas as pessoas tenham condições de falar e construir um pensamento a respeito da ética. Esse pensamento formado no cotidiano é fundamental para o equilíbrio de toda e qualquer sociedade.
Quando queremos entender mais profundamente a questão da ética podemos recorrer aos filósofos. A Ética é um ramo de estudo da Filosofia. Para compreender as idéias éticas e morais do presente vamos entrar no pensamento de alguns filósofos. Vamos tentar entender seu código-fonte. Para isso, precisamos de atenção e ir além da superficialidade.
Vamos falar um pouco da série Star Wars, dirigida por George Lucas. O filme fala da luta permanente entre o bem e o mal. O bem é representado pelos cavaleiros Jedi, e a maior expressão do mal é Lord Vader ou Darth Vader. O mal está presente em todo o universo? O que é o mal para quem escreveu a ficção Star Wars? O mal é um dos lados da força. A força é a energia vital do universo e ela se manifesta de duas formas, a boa e a má. Por isso, em Star Wars, o jovem Anakin Skywalker virou o terrível e temível Darth Vader. Esta posição tem um fundamento filosófico chamado de maniqueísmo. O maniqueísmo é uma doutrina simplista que divide o mundo em dois lados, o bem e o mal. No filme em questão, o bem e o mal travam uma luta incessante.
Uma questão importante: em Star Wars, as coisas são um pouco mais complexas, pois o lado escuro da força disputa as pessoas o tempo todo. Algumas são ganhas pelo Dark Side. Outras não. Depois veremos qual seria a explicação disso, mas agora o importante é discutirmos o que é o bem e o mal.
Atenção para duas perguntas: no filme Star Wars, o mal é real? O que é o mal? A resposta parece fácil, mas não é. Ali, o mal existe e está em todos os lados. Os cavaleiros Sith são os guardiões avançados do mal. Aqueles que usam espadas de luz vermelha são os Sith. Já os Jedi são os cavaleiros que buscam manter o universo com o equilíbrio no lado bom da força. Mas o mal existe e é difícil de definir. Ele é o oposto do bem. Nesse filme, ele é efetivamente real e seu impacto é destruidor, desorganizador e implacável. Em geral, o mal é impiedoso como Darth Vader e sua Estrela da Morte.
Aqui vamos aprofundar nossa reflexão. Vamos abrir as fontes e buscar a origem da idéia de mal como real. Ela não está na religião católica. Sabe por quê? O catolicismo foi muito influenciado pelas idéias do filósofo grego Platão, nascido 428 a.C.
Para Platão, o mal não é real. O mal acontece no universo como a ausência do bem. Não dá para estudar ética sem discutir o que é o bem, e, portanto, o que vem a ser o mal. Não se esqueça de que estamos discutindo isto do ponto de vista filosófico para podermos ir mais longe. Vamos entender um pouco as idéias de Platão, depois voltamos a Star Wars.
O filósofo inglês Mark Rowlands escreveu uma passagem genial e muito fácil de entender:
"Platão - um nerd de matemática confesso - acreditava que a matemática espelhava a estrutura verdadeira da realidade, ou algo assim, e por isso vamos usar um exemplo que agradaria a ele. Suponha que temos alguns círculos desenhados em papel. Alguns deles serão versões melhores de círculos que os outros. Alguns serão mais ovais que circulares, por exemplo. Mas podemos distinguir claramente quais círculos oferecem os melhores exemplos de círculos e quais oferecem os piores. Como podemos ser capazes disso?""
"De uma maneira ou de outra, devemos ter algum tipo base de comparação. Se podemos distinguir os bons exemplos de círculo dos maus, e todos os graus intermediários de bom e mau, então devemos ter alguma idéia de como um círculo perfeito deve ser. Se não tivéssemos tal idéia, então como poderíamos separar os bons exemplos dos maus, os superiores dos inferiores? Então vamos admitir que devemos ter alguma idéia que nos permite distinguir as boas versões de círculo das más. De onde tiramos esta idéia? A resposta de Platão é que não tiramos isto de lugar algum no mundo físico."
"De acordo com Platão, nós a tiramos de um lugar fora do mundo físico. Há que existir, ele conclui, um reino não-físico do ser, e neste reino residem coisas como círculos perfeitos. Não apenas círculos perfeitos, tudo perfeito. Neste reino não-físico existe um homem perfeito, uma mulher perfeita, um cavalo perfeito, um triângulo perfeito, uma nuvem perfeita, uma espada (ou sabre de luz) perfeita e assim por diante. A estes exemplos perfeitos de coisas Platão se referia como FORMAS, e a este reino não-físico que os contém, ele chamava MUNDO DAS FORMAS."
Antes de continuarmos, repare que Platão é considerado um FILÓSOFO IDEALISTA exatamente porque ele defendia que as coisas nascem das idéias. Ao contrário dos MATERIALISTAS que dizem ser as idéias fruto do mundo e não o mundo fruto das idéias. E o que isto tem a ver com a questão do bem e do mal? Para responder isto, vamos avançar um pouco mais na explicação do Prof. Mark Rowlands:
"Estas formas eram, de acordo com Platão, arrumadas hierarquicamente, e no topo desta hierarquia estava aquilo que Platão chamava em si de FORMA DO BEM, o que podemos chamar de BONDADE EM SI. O conceito por trás disso é bem similar ao caso dos círculos. Várias pessoas, ações, regras e instituições são, pelo menos aos nossos olhos, boas. Algumas dessas coisas são más. E no meio existem várias graduações de bom e mau. Mas mesmo as coisas que consideramos boas não são perfeitamente boas. Não importa o quão boa uma pessoa seja, por exemplo, ela sempre poderia ser melhor. (...) Assim sendo, além do mundo físico ordinário (normal), PLATÃO DEFENDEU A EXISTÊNCIA DE UM MUNDO NÃO-FÍSICO DAS FORMAS. Entretanto, de acordo com Platão, não só este mundo físico das formas existe, mas ele é, de fato, mais real que o mundo físico ordinário."
Ética pode ser ensinada? Ou o mal presente na sociedade pode fazer as pessoas tornarem-se eternas "Darth Vader"? Independentemente dos pontos de vista, para formarmos um melhor juízo disso, precisamos conhecer mais e melhor o pensamento de quem se dedicou ao terreno da ética. Vamos voltar à questão das virtudes e dos vícios.

Para Aristóteles, as virtudes e os vícios podem ser definidos pelo critério do excesso, da falta e da moderação. O vício sempre seria uma conduta ou um sentimento excessivo ou deficiente. Já a virtude seria um sentimento ou conduta moderados.

Para entendermos bem esta questão, vamos usar dois exemplos: para Aristóteles, CORAGEM é uma virtude. Já a TEMERIDADE (podemos chamar de IMPRUDÊNCIA diante de qualquer perigo) é um vício por excesso e a COVARDIA seria um vício por deficiência. Para Aristóteles, a VAIDADE é um vício por excesso, e a MODÉSTIA, um vício por deficiência. Aristóteles vê no RESPEITO PRÓPRIO a virtude, diante da vaidade ou modéstia.

Sobre a boa sorte de alguém, Aristóteles via que os homens podiam ter sentimentos. Quando estes sentimentos eram de moderação, tínhamos a JUSTA APRECIAÇÃO da sorte do nosso conhecido. Mas também nosso sentimento podia descambar para o vício por excesso e tornar-se INVEJA.

Um hacker precisa ter vontade de conhecer e de compartilhar seu conhecimento. Um hacker que é superficial naquilo que se propõe a fazer ou entender está submetido ao vício da preguiça. O pior tipo de preguiça é a preguiça mental. Quando temos um grande problema pela frente, a preguiça sempre aparece como a droga para um viciado. ROMPER COM A PREGUIÇA DE APRENDER é um dos pilares fundamentais da ÉTICA HACKER.

Vamos continuar buscando resgatar um outro aspecto muito importante de nosso debate sobre o bem e o mal, sobre vícios e virtudes. Para isso, vamos recorrer a um importante filósofo chamado Baruch Spinoza (1632-1677), nascido em Amsterdã, na Holanda. Spinoza era de uma família tradicional judia de origem portuguesa. Sua família emigrou porque os judeus estavam sendo perseguidos em Portugal. Spinoza tinha uma outra visão sobre vícios e virtudes. Ela estava ligada também ao controle das paixões e dos sentimentos. Para entendermos um pouco sobre isto, vamos ler um trecho do livro 'Convite à Filosofia', da professora Marilena Chaui:

"Para Spinoza, somos seres naturalmente passionais, porque sofremos a ação de causas exteriores a nós. Em outras palavras, ser passional é ser passivo, deixando-nos dominar e conduzir por forças exteriores ao nosso corpo e à nossa alma. Ora, por natureza, vivemos rodeados por outros seres, mais fortes do que nós, que agem sobre nós. Por isso, as paixões não são boas, nem más, são naturais. Três são as paixões originais: alegria, tristeza e desejo. As demais derivam-se destas."

"Assim, da alegria nascem o amor, a devoção, a esperança, a segurança, o contentamento, a misericórdia, a glória. Da tristeza surgem o ódio, a inveja, o orgulho, o arrependimento, a modéstia, o medo, o desespero, o pudor. Do desejo provêm a gratidão, a cólera, a crueldade, a ambição, o temor, a ousadia, a luxúria, a avareza."

"Uma paixão triste é aquela que diminui a capacidade de ser e agir de nosso corpo e de nossa alma; ao contrário, uma paixão alegre aumenta a capacidade de existir e agir de nosso corpo e de nossa alma. No caso do desejo, podemos ter paixões tristes (como a crueldade, a ambição, a avareza) ou alegres (como a gratidão e a ousadia)."
Veja agora como Spinoza amarra as suas idéias:

"Que é o VÍCIO? Submeter-se às paixões, deixando-se governar pelas causas externas. Que é a VIRTUDE? Ser a causa interna de nossos sentimentos, atos e pensamentos. Ou seja, passar da passividade (submissão a causas externas) à atividade (ser causa interna). A virtude é, pois, passar da paixão à ação, tornar-se causa ativa interna de nossa existência, atos e pensamentos. As paixões e desejos tristes nos enfraquecem e nos tornam cada vez mais passivos. As paixões e desejos alegres nos fortalecem e nos preparam para PASSAR DA PASSIVIDADE À ATIVIDADE. Como sucumbimos ao vício? Deixando-nos dominar pelas paixões tristes e pelas desejantes nascidas da tristeza. O vício não é um mal, é fraqueza para existir, agir e pensar. Como passamos da paixão à ação ou à virtude? Transformando as paixões alegres e as desejantes nascidas da alegria em atividades de que somos a causa. A virtude não é um bem, é a força para ser e agir autonomamente."

O texto foi longo, mas é extremamente claro. Vamos retomar nosso caminho. Os filósofos explicam de vários modos a questão da ética e do que vem a ser o bem e o mal. O importante é sabermos que não existe sociedade nem agrupamento humano que possa existir sem uma moral e uma ética. O professor Vanderlei de Barros Rosas afirmou que alguns filósofos e pensadores diferenciam ética e moral de vários modos:

"Ética é princípio, moral são aspectos de condutas específicas,Ética é permanente, moral é temporal,Ética é universal, moral é cultural,Ética é regra, moral é conduta da regra,Ética é teoria, moral é prática."

Para encerrar, vamos ler o trecho de um texto do professor Renato Janine Ribeiro, chamado "Ser Ético, Ser Herói", disponível integralmente no site oficial dele.
"Ser ético é mostrar-se capaz de heroísmo. Vale a pena então irmos, deste filme recente (Casa da Rússia), baseado num livro de John Le Carré, para a tragédia grega Antígona, que Sófocles escreveu no século V antes de Cristo. Penso que toda reflexão sobre a ética deve começar por ela.

Antígona é filha de Édipo. Dois de seus irmãos lutam pelo poder, e ambos morrem. O trono fica então com seu tio, Creonte, que manda enterrar um dos sobrinhos com todas as honras - e deixar o corpo do outro aos abutres. Antígona não aceita isso. Participa do enterro solene de um irmão e depois sepulta, com os ritos religiosos, o outro, o proscrito.

O rei fica furioso. Está convencido de que é uma conspiração contra ele. Manda descobrir quem violou suas ordens. Ao saber que é a sobrinha, tenta poupá-la: se ela negar que foi ela, ou se pedir desculpas, enfim, ele lhe dá todas as saídas - sob uma condição só, de que ela negue o seu ato. Antígona se recusa e é executada.

Essa história é exemplar. Ela mostra que há um conflito latente entre a ética e a lei. Um governante dá ordens. Estas podem ser legítimas ou não. Creonte fez o que não devia, moralmente, mas é ele quem manda. A lei está com ele. Neste caso, o que fazer?

Vou passar a um caso relativamente recente. Um tempo atrás, eu estava na França, quando um homem morreu na calçada, em frente de uma farmácia, sem que ninguém o acudisse. O farmacêutico explicou: se tocasse no outro, se tornaria responsável por ele. Só um médico poderia fazê-lo. Descobriu-se, porém, que bastaria um remédio simples para salvar o rapaz da morte. O que fazer?
Assisti então a um amplo debate. Foi sugerida uma mudança na lei, para que as pessoas pudessem acudir a seus próximos sem serem processadas, quando agissem de boa fé. Também se propôs um sistema de atendimento mais rápido das emergências. Mas quem, a meu ver, resolveu a questão foi um jornalista, que disse mais ou menos o seguinte: - Se precisarmos de uma lei que autorize as pessoas a agirem humanamente, a socorrerem os outros sem pensar nos castigos e riscos que correm, não estará tudo perdido? Porque nunca as leis vão prever todos os casos. Sempre, para alguém agir bem, de maneira ética, em solidariedade com os outros, haverá um terreno incerto, um espaço que pode até ser ilegal. - Precisamos de uma lei nos permitindo ser decentes? continuou ele. Ou deveremos estar preparados para correr os riscos, até mesmo de sermos presos, quando um valor mais alto se erguer, o valor do respeito do outro?
É este o heroísmo de que falava o personagem da Casa da Rússia. É este o heroísmo que Antígona praticou. E ele exige que, às vezes, estejamos dispostos a infringir a própria lei, a desobedecer às regras, quando for em nome de um valor superior. Em nosso mundo, este valor mais elevado pode ser, antes de mais nada, a vida de alguém. Aliás, costuma haver polêmica sobre o chamado "furto por necessidade", quando um esfomeado furta comida para sobreviver: isso não é um crime.
Mas as coisas podem ir mais longe. Maria Rita Kehl elogiou aqui, na semana passada, o líder dos sem-terra João Pedro Stédile. O que vale mais, a lei de propriedade da terra, que perpetua uma exclusão social enorme, ou o direito das pessoas a viver, e acrescento, a viver dignamente? Do ponto de vista ético, é claro que vale mais o direito à vida digna.

Nem sempre foi assim. Um pregador puritano inglês do século 17, Richard Baxter, tem uma frase horrorosa. Na época, enforcava-se quem roubasse um pedaço de pão. Ele justifica isso: a vida dos pobres, explica, não vale grande coisa, ao passo que o atentado à propriedade destruiria os fundamentos da própria sociedade.

Não há consenso a este respeito. Uns defendem os sem-terra, outros os atacam. Mas o que quero levantar aqui é algo mais forte: é que a ética e a lei não coincidem necessariamente. Muitas vezes, ser decente exige romper com a lei. Foi assim sob o nazismo e sob todas as formas de ditadura. É assim também quando a desigualdade ou a injustiça impera.

Aí, sim, o ser humano precisa ser heróico. Porque violar a lei, mesmo que seja por um valor moral relevante, significa sofrer as penas da lei. Numa sociedade decente, imagino que o juiz não mandará para a cadeia quem infringiu as normas legais devido a valores morais mais altos, como os que citei. Mas não há garantia nenhuma disso. Pode ser que a pessoa seja punida, mesmo.

E é importante insistir nisso. O que queremos nós: cidadãos obedientes à lei, a qualquer lei, ou sujeitos éticos, decentes? O ideal é juntar as duas coisas. Mas, na educação, devemos apostar na autonomia, isto é, na formação de pessoas que sejam capazes de decidir por si próprias. O que significa que, em casos raros e extremos, elas tenham a coragem de enfrentar o consenso social e suportar as conseqüências de seus atos.

Isso, para terminar, pode fazer de qualquer um de nós um pequeno herói. O heroísmo não está só nas personagens da mitologia grega ou nos super-heróis da TV. Ele pode estar presente quando cada um de nós enfrenta uma pequena prepotência, em nome de um valor mais alto - desde, claro, que arque com os resultados de sua ação e que além disso lembre que é falível e pode estar errado. Mas é desses pequenos heroísmos pessoais que depende a dignidade humana."

Sérgio Amadeu
Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É professor da pós -graduação da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero.
Autor de várias publicações, entre elas: Exclusão Digital: a miséria na era da informação. Militante do Software Livre.
»
Blog do Sérgio Amadeu
.

Seguidores

Visualizações nos últimos 30 dias

Visitas (clicks) desde o início do blog (31/3/2007) e; usuários Online:

Visitas (diárias) por locais do planeta, desde 13/5/2007:

Estatísticas