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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A questão ambiental


Por Ana Valéria Araújo

SÃO PAULO - Os resultados da recente pesquisa indicando que a senadora Marina Silva tem boas chances de figurar entre os principais candidatos na eleição presidencial em 2010 surpreenderam e acenderam o debate sobre o grau de importância da questão ambiental na agenda do País. Até então, prevalecia a impressão de que o político que propusesse incluir o meio ambiente em sua plataforma de campanha perderia votos. Geração de empregos, melhoria das condições de saúde, construção de escolas e a destinação de mais verbas para a segurança pública dominam a pauta dos candidatos aos cargos majoritários. Quando muito, propostas na área ambiental são relegadas a notas de rodapé dos já desacreditados programas de governo.
A verdade é que a questão ambiental sempre foi entendida como uma pedra a ser removida do caminho, visto que os administradores públicos querem ver seus nomes inscritos no marco inaugural de uma obra, sem se importar se ela agrida a natureza ou não. Em meio ao tradicional cenário da falta de planejamento das ações dos governos, discutir as consequências dos projetos de desenvolvimento permitiria ao País ponderar a real dimensão dos custos socioambientais de seu crescimento econômico e questionar algumas das escolhas a serem feitas.
Embora o Brasil, a partir de 1981, tenha passado a contar com leis ambientais que exigem, por exemplo, a realização de estudos para avaliar os impactos de grandes obras, essas leis pouco inspiraram a prática de governantes, que teimam em afirmar que o meio ambiente constitui entrave ao desenvolvimento. Esse embate fortalece setores interessados em colocar aqueles que defendem a proteção ambiental no papel do vilão a ser derrotado, o que se traduz em uma enxurrada de iniciativas para desmontar os avanços da legislação e intimidar a ação de órgãos encarregados do cumprimento das políticas públicas.
A população, por sua vez, é levada a enxergar o assunto como obstáculo ao crescimento econômico e à geração de empregos, a partir de informações contraditórias e habilmente veiculadas por aqueles que se opõem à preservação. Com isso, tem dificuldade de perceber que, ao contrário, um meio ambiente ecologicamente equilibrado é garantia para toda a sociedade e para as gerações futuras, projetando inclusive, como afirma o sociólogo Marcos Nobre, "um modelo de desenvolvimento subordinado a controles democráticos".
Para um país que sempre afirmou que a destruição da natureza era condição necessária ao desenvolvimento, conciliar o crescimento econômico com o uso sustentável do meio ambiente nunca fez parte do breviário de conduta dos seus homens públicos. A própria história de como domamos o território brasileiro, espalhando as sementes que fizeram brotar os núcleos de povoamento e as bases para os ciclos econômicos que impulsionaram o desenvolvimento do País foi escrita a partir de golpes do machado que destruiu florestas e deu origem ao acervo de conflitos sociais e ambientais que perduram até os dias de hoje.
Não faltaram advertências em sentido contrário, como a de José Bonifácio, o patriarca da Independência, que, ainda em 1821, recomendava preservar uma parte das matas existentes nas propriedades, que não deveria "ser derrubada e queimada sem que se façam novas plantações de bosques, para que nunca faltem as lenhas e madeiras necessárias". Apesar disso, seguimos com práticas de desmatamento que acabaram por quase extinguir a mata atlântica, por consumir metade do cerrado e por avançar em níveis alarmantes sobre a Amazônia.
No início da década de 70, auge da ditadura militar, quando o mundo começa a se preocupar com a questão ambiental em razão da realização da primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, Suécia, o discurso de nossos governantes informava que o Brasil não pretendia abrir mão de usar seu estoque de recursos naturais para alavancar o desenvolvimento e superar as assimetrias de renda que separavam o brasileiro dos americanos e europeus. Foi o tempo de obras faraônicas que rasgaram a floresta amazônica sob a concepção de que sua ocupação era vital do ponto de vista geopolítico e precisava ser estimulada a qualquer custo.
De lá para cá, com a redemocratização do País e a aprovação de uma Constituição cidadã, que estabelece a defesa do meio ambiente como um dos princípios gerais da atividade econômica, ficou difícil aos governantes ignorar o assunto. Infelizmente, suas preocupações na maior parte das vezes ficaram restritas aos pronunciamentos oficiais, não conseguindo gerar padrões permanentes de ação que incorporassem a proteção ambiental à formulação das políticas de desenvolvimento nacional.
Enquanto isso, o tema é alçado a lugar de imenso destaque no cenário internacional em razão do aquecimento global, causador do fenômeno das mudanças climáticas. O Brasil assume papel relevante na discussão do problema, já que a preservação da floresta amazônica é fundamental para a manutenção do equilíbrio climático do planeta. Com isso, passamos a integrar o seleto time de países que podem fazer a diferença na definição de uma nova ordem mundial.
A emergência do debate contaminou a sociedade, que em doses crescentes incorpora o assunto ao seu rol de preocupações, dando mostras de que pode incluí-lo em seus critérios de avaliação política. Os resultados de 2010 vão determinar em que grau isso passará realmente a influenciar a escolha dos eleitores. O grande desafio é garantir que o verde vá lançar um olhar sobre todos os demais temas de interesse da sociedade, estabelecendo pontes de diálogo que tornem seu ideário uma agenda real e inovadora para a solução dos problemas do país.
Assim como o presidente Obama galvaniza a esperança dos EUA na renovação de ideias e formas de conduzir a política americana, no Brasil, a eleição de um candidato com uma plataforma socioambiental em 2010, que não veja no meio ambiente mero objeto de retórica, abre as portas para que o Brasil dê um passo adiante. A eleição do presidente Lula foi, sem dúvida, uma demonstração de amadurecimento da democracia brasileira, que pode agora assumir o protagonismo em temas que estarão no centro da agenda política mundial.

*Advogada, mestre em Direito Internacional pelo Washington College of Law, fundadora do Instituto Socioambiental e coordenadora executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Uma autêntica sacerdotisa de Gaia

'No mundo hoje, há mais comida do que nunca. E um bilhão de famintos'
A ecofeminista Vandana Shiva critica a postura do governo espanhol com relação aos transgênicos, apostando em uma agricultura orgânica. Ganhadora do Prêmio Internacional Yo Dona por seu trabalho humanitário, a ativista ambiental denuncia a fome que as sementes transgênicas geram no mundo.
A reportagem é de Rosa M. Tristan, publicada no jornal El Mundo, 23-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Vandana Shiva passou toda a sua vida lutando contra o monocultivo da terra, mas também da mente. Nascida no norte da Índia, Shiva iniciou sua formação como física quântica, mas logo compreendeu que havia muitas batalhas pacíficas para realizar contra a injustiça e a cobiça e que as mulheres deviam tomar a batuta.
Agora, aos seus 56 anos, é filósofa, ecologista, escritora... e sobretudo uma ativista contra a destruição da natureza e da "miséria que o sistema de produção de alimento acarreta". Há alguns dias, Shiva recebeu o Prêmio Internacional "Yo Dona" por seu trabalho humanitário, mais um para se somar à longa lista em que também consta o Prêmio Nobel Alternativo, em 1993.
Eis a entrevista.
O que lhe fez mudar o rumo como física?
- Meu pai era preservador ambiental em um vale do Himalaia, mas a mudança ocorreu na universidade, onde me tornei voluntária do movimento Chipko. Era mulheres que protegiam as árvores. Ao terminar os estudos, criei uma ONG de pesquisa independente, porque me dei conta de que aqueles que cortavam as árvores eram os que faziam os relatórios, e o resultado sempre era em seu favor. As pessoas precisavam de suas próprias pesquisas. O lema era que era preciso deixar de roubar a Natureza e que era preciso fazer isso a partir de uma perspectiva feminina. E estava baseado em que o conhecimento é necessário para a ação em defesa dos direitos de ambas. Eu sou física, mas esse título não basta. Às vezes, os especialistas bloqueiam as ações porque sabem muito de um tema e não são conscientes do que não sabem. Por isso, é importante ouvir todos, as pessoas normais, as mulheres, mesmo que não tenham títulos.
Depois, a senhora criou a ONG Navdanya, oposta aos cultivos transgênicos.
- Sim, seu fim é proteger a biodiversidade e as sementes, cujo conhecimento ancestral sempre esteve nas mãos das mulheres... Foram 25 anos de trabalho duro para ajudar os pequenos agricultores a cultivar sementes orgânicas. E agora conseguem melhores resultados do que aqueles que plantam os transgênicos da Monsanto. Com a ameaça das mudanças climáticas, essas sementes do banco de Navdanya são a solução e não estão patenteadas. Quando há ciclones ou secas, repartimo-las aos agricultores, a meio milhão de pessoas. Além disso, são melhores para os consumidores do que as que vem do Ocidente, cujos frutos não têm sabor. Em nosso banco, temos sementes que combatem as mudanças climáticas, e vegetais de uma infinidade de tipos: 20 tipos de batatas, 10 de berinjelas etc.
O que é o ecofeminismo?
- Contar com a consciência verde das mulheres para evitar o binômio entre dominação e destruição. A percepção masculina é que se pode manter parte do meio ambiente e destruir a outra. E, se surgirem problemas, buscam-se soluções. A perspectiva da mulher é social. Baseia-se na conexão entre o direito à alimentação de todos e a proteção da natureza. Se uma criança tem câncer porque a água está contaminada, ela sabe que é preciso lutar contra aquilo que o desencadeia. Por exemplo, as mulheres que lutaram contra a Coca-Cola em Kerala por sujar sua água potável, ou as de Bhopal. São as últimas especialistas em sobrevivência.
Para onde vai a produção mundial de alimentos?
- A alimentação da Humanidade depende cada vez mais de menos alimentos (soja, arroz, trigo e milho). E isso porque umas poucas multinacionais controlam todas as sementes. Patenteiam uma semente de milho e a distribuem pelo mundo. A segunda mudança importante é o comércio. A globalização não significou o livre comércio de comida de alguns países para outros. Pelo contrário, ela esmaga os países que podem produzi-la. Em troca, um bilhão de pessoas passa fome. Em um mundo que produz mais comida do que nunca, o consumo per capita, na Índia, caiu de 270 quilos por ano para 150 quilos, menos do que na grande crise alimentar de Bengala [1945]. Hoje, 70% das crianças estão desnutridos, e as mulheres estão anêmicas porque plantam sementes sem ferro. Em Navdanya, temos um plano de nove sementes, que são as básicas para a vida.
E o que foi a famosa Revolução Verde na Índia?
- Hoje, falar de Revolução Verde como solução é absurdo. Eu já escrevi isso em 1984. Inclusive em Punjab, onde ela era vendida como um êxito, cresceu o terrorismo impulsionado pela fome... Os camponeses pegaram em armas, e 30 mil pessoas morreram. O conflito matou inclusive Indira Ghandi. A Revolução Verde só produziu mais arroz e trigo porque houve mais irrigação. O ruim é que são usados pesticidas para sementes transgênicas que não são afetadas por esses produtos. E as famílias se endividam ao comprar esses produtos. Hipotecam até as terras. Hoje, os que passam fome são os produtores de comida, porque não podem comer o que semearam. A indústria química, a revolução verde e os transgênicos baseiam-se na morte. Vendem-na como milagrosa, mas quando se substitui ciência por mitologia, nunca se sabe se os colegas cientistas irão mentir. E a Revolução Verde é um mito.
A senhora acredita que os cientistas têm responsabilidade?
- Com certeza. A responsabilidade está desde o cientista que, em seu laboratório, faz uma semente que afetará o meio ambiente, até os políticos que redirecionam, aos transgênicos, pressupostos que deveriam estar voltados para a agricultura orgânica.
Uma mudança é que já não são vendidos como o fim da fome, mas sim como a solução às mudanças climáticas.
- É verdade. E o que fazem é roubar o conhecimento que os agricultores conseguiram durante milênios, e também a natureza. Vendem trigo de baixo glúten, ou arroz basmati, ou o neem, como seus inventos. Mas já existiam. E quando você muda um gene em uma planta, você não sabe como isso vai afetar os demais, se surgirá uma planta instável. Mas como existe pânico pelas mudanças climáticas, oferecem a solução milagrosa.
E os transgênicos sem patentes?
- Inclusive assim os cientistas independentes deveriam comprovar que eles não têm risco. Porque nem sequer produzem mais. A Monsanto disse que suas sementes de algodão dariam 50 mil quilos por acre em cada colheita, mas nós acompanhamos todo o processo e realmente são 400. Agora, um relatório da ONU, em que 400 cientistas trabalharam durante quatro anos, comparou os resultados da agricultura transgênica, os da Revolução Verde e os da orgânica e comprovou que os melhores resultados ocorrem na última. O que acontece é que se potencializa a agricultura industrial diante dos jovens que querem voltar para o campo.
O governo espanhol apoia os transgênicos. Temos 80 mil hectares plantados...
- Eu diria para você ver seus vizinhos (França, Hungria, Áustria) que os vetaram. Os espanhóis merecem mais e melhor daquilo que têm. O governo deveria lhes proteger dos transgênicos e falha ao não fazer pesquisas independentes sobre seus efeitos. Mas, como não há regulação, proliferam.
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