De onde viemos…? A Gênese da Arte Brasileira e o Mercado da Literatura de Gênero
Este ano começou bem cheio de discussões sobre o mercado editorial da literatura de gênero: como publicar literatura de qualidade, por que publicar, como escrever, como treinar seus beta-readers para trazerem ossinhos aos seus pés, como fazer capas bonitas, como não fazer capas bonitas, se temos leitores, se não temos leitores, se o meio de FC, Terror e Fantasia é ou não uma panelinha, enfim, mais perguntas do que respostas, por que, em geral, as perguntas dão mais IBOPE. As respostas podem ser sumariamente ignoradas.
Mas algumas perguntas tambémsão sumariamente ignoradas. Mais que isso, algumas perguntas nem são feitas, pois podem estragar a graça de fazer as demais. Uma delas está no título deste post – que não, não visa mudar o mundo, não visa instaurar uma revolução editorial no Brasil e não, não visa entender por que determinado tipo de literatura de gênero não tem leitores.
De onde viemos? Esta pergunta implica em uma outra: para onde vamos? Por sua vez, esta dá abertura para uma terceira pergunta: por quê? Para o bom entendedor, é meio óbvio que a resposta da primeira pergunta influi diretamente nas demais. Portanto, vamos começar por ela.
Existem milhares de respostas possíveis para dizer de onde viemos, mas a que me interessa aqui é o nosso berço Artístico-Cultural.
Como colônia, para efeitos de reconhecimento internacional (afinal, os povos autóctones – indígenas – produziam, sim, arte e cultura, que todavia não era reconhecida) , o Brasil apenas espelhava o que era produzido na Europa, mais especificamente em Portugal, já que era onde os filhos dos Senhores de Engenho iam realizar seus estudos. Nada fora do esperado. A partir do século XIX, iniciam-se dois processos distintos: variadas experimentações artísticas e estudos acadêmicos concisos acerca do que era produzido no Brasil, mas ainda, sob forte reflexo de todos os movimentos europeus, o que durou basicamente até a semana de Arte Moderna de 1922.
Mas aí, fica uma pergunta: quem produzia isto? Era o negro liberto? O Branco pobre? Ou o índio sub-humanizado em tribos postergadas ao isolamento, ao esquecimento e, em alguns casos, à extinção? Não, era o descendente de ‘brancos’ ou o mestiço que teve acesso à educação que o ensinou a valorizar o que é externo e desvalorizar o que é da terra, por que é “menor” e “selvagem”. E mesmo com o suposto movimento de Brasilidade Pós-Modernista, a Antropofagia, a mescla entre o Cosmopolitismo e a Terra, não mudou muita coisa. Sua obra tinha validade não se ela vendesse muito, mas se os outros intelectuais achassem-na boa, discutissem-na, estudassem-na e falassem de você. O grande público não interessa, afinal, do que sabe o grande público sobre a qualidade da arte?
Essa mentalidade arraigou-se de tal maneira na cultura brasileira, que a escola a adotou como padrão: a arte de “vanguarda” é conteúdo obrigatório para “desenvolver o leitor e o crítico” (não, a criança ou o adolescente não vira um leitor por que gosta de ler, mas por que ele TEM que apreciar o que lhe dizem que é bom). Algumas décadas desta prática e os índices de leitura do brasil caíram níveis astronômicos. Hoje temos mais analfabetos funcionais do que jamais tivemos, especialmente nas grandes metrópoles. A menos que você forneça sua arte para o Governo Brasileiro, que hoje é o maior consumidor de arte e literatura do país, comprando em média tiragens mínimas de 25 mil livros para distribuição gratuita nas escolas, não, você não vai vender.
Por isso é que, de maneira geral, quem produz arte no Brasil, já espera não ser lido, não ser visto, não ser comprado, não ter sucesso comercial. Mais que isso, quem consegue, é guerreiro, é por que se sacrificou, se auto-flagelou, ofereceu seu sangue em pacto com o demônio e fez das tripas, coração. E neste caso, óbvio, você não será reconhecido pela Academia, pois obra boa “via de regra” não é apreciada pelo grande público, ou seja, se vende, não é bom.
Embora a motivação pudesse ser nobre em fazer a elite agir como vanguarda para desenvolver a arte e a literatura, o tiro saiu pela culatra. Nada disso extirpa sua validade, mas continuamos a seguir uma linha de pensamento retrógrado neste ponto: mais importante que se valer da arte e da literatura como uma expressão cultural e popular, cuja intenção é a difusão do pensamento crítico, criativo e social, é ter o reconhecimento dos seus pares em um determinado setor. Não importa que o Zé Mané da Esquina leia você. Não. Você tem que ser lido “por quem interessa” – editores, outros autores, jornalistas, intelectuais, enfim, gente que vai “saber apreciar” a sua obra, no melhor estilo coce as minhas costas que eu coço as suas.
Na literatura de gênero, a coisa fica um pouquinho pior: vale tudo para publicar o mais revolucionário romance, a trilogia que vai mudar o mercado editorial, a novela interativa online gráfica automizada que insere novos conceitos na realidade – até pagar bem caro, em geral o valor de duas impressões comerciais, em editoras como a Baraúna, a Andross, a Scortecci, a Giz Editorial (que trabalha com títulos pagos, mas também títulos que eles bancam de autores que já têm publicações e veios no mercado), a Novo Século (para quem não sabe, os novos talentos da literatura, selo da referida editora, que também publica André Vianco, cobra e muito bem dos novos talentos), a Multifoco (que disfarça a cobrança pedindo aos autores que “vendam seus livros”, num sistema de “consignação” que outras também já vem implementando), A Editora Literata (que nem site tem) e outras tantas que publicam em tiragens pequenas e prometem fazer seu lançamento, a comercialização do seu livro “pela loja virtual” e que seu livro será vendido em Livrarias como a Cultura, quando na verdade ele está disponível, na maioria dos casos, apenas por catálogo/encomenda (ou seja, não, você não vai entrar na cultura e ver seu livro em destaque ou sequer nas prateleiras). Mas estas editoras acabam sendo uma excelente opção para quem não tem maturidade literária, não quer esperar para ter, mas quer publicar, afinal, “uma hora você cansa de levar não”. Neste caso, a pessoa quer o livro pelo fetiche social de tê-lo em suas mãos e auto-intitular-se “O Autor”.
O comportamento destas editoras e autores têm sido, também, grande motivo de discussão. Todo mundo crítica, mas ninguém faz nada pra mudar nem oferece uma solução pro cara além do mundinho da divulgação virtual. São milhares as oficinas de Escrita Criativa, Criação de Roteiros, Criação de Contos, de Galinhas, de Patos, mas ninguém explica pro cara o que é estilística, embreagem e debreagem de texto, interpretação, análise do discurso, semântica, pragmática de texto. Aliás, a maioria dos editores do mercado não SABE o que é isso, até por que, como o livro virou fetiche, ser editor virou status social. Para que especializar-se? Você é editor de texto na medida em que possui uma editora, não na medida em que sabe lidar com o texto ou a produção de um livro. O profissional de texto morreu nesta brincadeira, ele foi relegado à posição do cara que morre de fome pedindo por uma qualidade editorial que, ah vá, nem é tão necessária assim.
E vemos todos os dias longos bate-papos orkut, twitter e facebook de editores que não editam grandes coisas (para não dizer nada), possuem carreira em anscensão ou gostam simplesmente de dar pitado para aparecer, apenas querem boa fama e seguidores (aliás, como disse dias atrás um velho amigo: seguidores são como rebanho – mede-se pela quantidade de arrobas), propagandas mil de livros e publicações, retwits de “cortesia profissional” hipócrita (divulga, mas pelas costas fala mal até dizer chega), chamadinhas pseudo-intelectuais no Facebook para atrair público e um monte de blogues propondo perguntas e mais perguntas sobre o mercado editorial. E nenhuma resposta.
Pronto. Voltamos ao começo do post.
Eu podia recomeçar todo o discurso com outras palavras e ficar assim o dia todo. Mas não dá. Não curto masturbação mental, seja ela ou não (pseudo) intelectual. Comecei esse post com o intuito de, quem sabe escrevendo, refletir sobre o que nos trouxe para o lugar em que estamos hoje, para, amanhã, reler, ver se alguém respondeu e continuar pela segunda pergunta a que me propus, pois, com base nisso resta saber o que fazer e como fazer: mudar, perpetuar o modelo, dedicar-se ao mercado externo, fingir que não se importa dizendo que o que está aqui não é nenhuma novidad (e se não é novidade, por que ninguém faz nada a respeito a não ser reclamar e fingir respostas e ações, etc). Enfim, o que não adianta é propor perguntas sem respostas, né meu povo?
E também não adianta usar a internet como bóia de salvação para “não deixar a [coloque aqui o nome do seu gênero literário ou produção artística] morrer”.
As perguntas têm de levar alguém a alguma resposta para fazermos algo além de twitar e orkutar.
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Da Casa de Janaina: http://bit.ly/b0WKXS
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