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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A sujeira

Dinheiro de emendas caiu em contas pessoais ou foi sacado na boca do caixa

Extratos bancários obtidos pelo ‘Estado’ também mostram que cheques foram trocados em empresas de factoring

18 de dezembro de 2010 | 15h 57

Leandro Colon - O Estado de S.Paulo
Documentos bancários obtidos com exclusividade pelo Estado revelam o desvio do dinheiro público do Orçamento supostamente investido em shows e eventos culturais. A movimentação bancária integral da RC Assessoria e Marketing, empresa em nome de laranjas, mostra que parte do dinheiro liberado a partir das emendas dos parlamentares foi desviada para a conta pessoal de dirigentes dos institutos fantasmas. O que sobrou foi sacado na boca do caixa em dinheiro vivo, uma estratégia que dificulta a fiscalização sobre o uso e o destino final do dinheiro.

Os extratos bancários também mostram que cheques foram trocados em empresas de factoring - um caminho para a lavagem de dinheiro. Houve até a compra de pelo menos um carro com verba pública.
A RC Assessoria e Marketing é uma das campeãs de subcontratação pelos institutos "sem fins lucrativos" que fecham convênios com os Ministérios do Turismo e da Cultura sem licitação para receber dinheiro de emendas de deputados e senadores. A empresa foi criada em abril passado apenas para receber o dinheiro dos institutos, que servem para intermediar os convênios com o governo.
Desde então, R$ 3 milhões caíram na conta da empresa para, teoricamente, realizar eventos. Pelo histórico bancário de 18 páginas, R$ 1,7 milhão foi sacado em espécie tão logo o dinheiro foi parar na conta da RC. Há saques de R$ 450 mil, feitos em 48 horas, no fim de outubro. Outros R$ 550 mil foram sacados no período de 15 dias que antecedeu o primeiro turno eleitoral.
O dinheiro destinado por deputados e senadores também foi parar em revendedoras de carros. Uma loja de veículos de Unaí (MG) recebeu R$ 171 mil. Seu dono, Lucas Couto Mendes, disse que não fez nenhuma transação com a empresa. "Uma pessoa veio aqui, comprou um carro e avisou que receberíamos uma transferência bancária. E aí veio da RC", disse.
Segredo. Mendes se negou a revelar quem fez a compra. "Não sou obrigado a contar. Isso é segredo comercial de nossa empresa", disse.
Estado descobriu que um veículo de R$ 33 mil foi comprado em nome do jardineiro Moisés da Silva Morais, dirigente laranja da empresa, mas não há referências sobre a origem da negociação. O outro dirigente laranja da RC, como revelou o Estado no dia 5 de dezembro, é o mecânico José Samuel Bezerra, que vive de bicos.
No extrato, aparecem entidades que receberam, nos últimos dois anos, emendas e lobby dos senadores Gim Argello (PTB-DF), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Adelmir Santana (DEM-DF), e dos deputados Geraldo Magela (PT-DF), Sandro Mabel (PR-GO), Sandes Júnior (PP-GO), Rodovalho (PP-DF), Luciana Costa (PR-SP), Wellington Fagundes (PR-MT), entre outros.
Filho de Argello. A reportagem identificou que dirigentes dos institutos Renova Brasil, Recriar e Inbraest receberam de volta, em suas contas pessoais, parte do dinheiro que haviam remetido para a RC Assessoria e Marketing. Ou seja, os termos de subcontratação informados pelos institutos ao governo federal são apenas uma simulação dentro do processo de convênio.
Essas entidades só existem no papel e foram beneficiadas por mais de R$ 1 milhão em emendas do senador Gim Argello, que renunciou à relatoria do Orçamento após o esquema revelado pelo Estado.
Cerca de R$ 93 mil, por exemplo, foram transferidos em depósitos picados da RC para a conta pessoal do presidente do Instituto Recriar, Jilvan Carlos Fonseca. Essa entidade ficou conhecida por repassar R$ 550 mil de um convênio para uma rádio em nome do filho de Argello.
Em 16 de setembro, uma transferência de R$ 30 mil saiu da RC para a Requinte Vidros, vidraçaria que emprestou endereço ao Instituto Renova Brasil.
Além de emendas de Gim Argello, essas entidades usaram atestados de idoneidade assinados pelo deputado petista Geraldo Magela, que alega ser vítima de fraude.
Original em Estadão.com.br  http://goo.gl/0NL64

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O homem transforma riscos naturais em catástrofes ambientais?

Cidades e vilarejos se esvaziam no vale do Indo. Centenas de milhares de paquistaneses continuam a fugir das inundações que já causaram 1.500 mortes em um mês. Tanto no Paquistão quanto na Rússia, na China e na Índia, as catástrofes naturais fizeram deste um verão trágico. Mas seriam elas tão naturais assim?
Mais do que o clima ou o meio ambiente, “é a intervenção do homem que cria a catástrofe”, acredita o venezuelano Salvano Briceno, que dirige em Genebra a Estratégia Internacional de Redução de Desastres das Nações Unidas [United Nations International Strategy for Disaster Reduction - ISDR].
Há dez anos, essa agência faz parcerias com as agências da ONU, o Banco Mundial e organizações humanitárias, para que as estratégias de adaptação à mudança climática e de combate contra a pobreza integrem a prevenção das catástrofes. Com progressos muito lentos. Entrevista realizada por Grégoire Allix, Le Monde.


Le Monde: Que lição o sr. aprendeu com a situação no Paquistão?
Salvano Briceno: Tanto lá como em outros lugares, não são levados em conta os riscos naturais, vistos erroneamente como inevitáveis. Permitiram que as pessoas se instalassem às margens dos rios, nas planícies de inundação. Lugares onde os riscos eram bem conhecidos. É a principal causa da catástrofe. Não são os riscos naturais que matam as pessoas. Se a maior parte das vítimas morreu no norte, foi porque a guerra tornou a região vulnerável e fez muitos desabrigados.


Le Monde: Para o senhor, as catástrofes se devem antes de tudo a fatores humanos?
Briceno: O planejamento rural e a política de construção têm uma responsabilidade essencial na construção das catástrofes. Elas não são naturais. É a ação do homem que transforma o risco natural em desastre.
Na Rússia, a má gestão das florestas foi uma das principais causas dos incêndios que destruíram o país. Na China, o crescimento urbano descontrolado e o desmatamento favorecem os deslizamentos de terra. No Haiti, no dia 12 de janeiro, os habitantes de Porto Príncipe foram mortos por sua pobreza, não pelo terremoto. Um mês mais tarde, um terremoto semelhante atingiu o Chile, com muito menos mortos. A diferença foi a miséria, a urbanização dos terrenos de risco, a falta de normas de construção. Todos os anos, um mesmo furacão faz devastações mortais no Haiti, mas nenhuma vítima em Cuba ou na República Dominicana.


Le Monde: Como inverter a tendência?
Briceno: É preciso parar de considerar a catástrofe como um evento implacável, entender que são as condições de desenvolvimento econômico, social, urbano que criam o risco ou o reduzem. Como nem sempre se podem evitar os riscos naturais, isso significa que é preciso implantar uma estratégia de redução do risco, hoje amplamente inexistente, que substitua a atual política de gestão dos desastres. Por enquanto, só se sabe responder à crise: é muito mais simples. A resposta das equipes de resgate chinesas frente aos deslizamentos de terra mostra que a China é bem melhor para administrar as catástrofes do que para gerir os riscos.

O crescimento urbano deve ainda levar em conta o papel dos espaços naturais. É preciso reforçar os ecossistemas não somente para manter a biodiversidade, mas também por sua função de redução dos riscos, que ainda não é reconhecida. E se o crescimento das favelas ainda é inevitável em muitos países, os governos podem guiar os pobres para zonas menos vulneráveis.


Le Monde: Estamos na metade do percurso da década de ações para a prevenção dos desastres naturais adotada pela ONU em Hyogo, no Japão, em 2005. Houve progressos concretos?
Briceno: Estamos no meio do caminho da conscientização, mas bem no comecinho da implantação. Alguns países, como Bangladesh, fizeram coisas incríveis para diminuir a mortalidade durante os ciclones. Grupos de países como os da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) se comprometeram a incluir o Marco de Ação de Hyogo em sua legislação.

Existe uma conscientização do lado das grandes agências internacionais e dos financiadores, mas esses atores não enxergam com facilidade a longo prazo. Toda ajuda internacional é centrada no curto prazo. Ora, a educação, os sistemas de alerta, as regras de construção, isso se constrói a longo prazo.


Le Monde: A negociação sobre o clima pode mudar a situação?
Briceno: Sim. A questão da redução dos riscos de catástrofe foi incluída na negociação sobre o clima em 2007, no plano de ação de Bali. Ainda é uma das bases da negociação para a adaptação dos países pobres à mudança climática.

Quando finalmente chegarmos a um acordo internacional, será um grande avanço: o financiamento pelos países ricos dessas estratégias de adaptação liberará muitos recursos.
E para se adaptarem à mudança climática, os países vulneráveis deverão começar reduzindo os riscos associados às imprevisibilidades naturais.

Tradução: Lana Lim
EcoDebate, 31/08/2010

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eleições 2010: Em jogo o futuro, não o passado


Quem assiste à propaganda dos partidos no horário eleitoral da televisão fica com a impressão de que está mais em questão um julgamento do passado do que uma proposta para os próximos anos. Discute-se principalmente para saber quem fez mais em termos de programas sociais, culminando com o Bolsa-Família.

Mas a questão real e central não é essa. Deveria ser a estratégia brasileira para os próximos anos, que serão muito difíceis, com a crise econômica global e com o agravamento das chamadas questões ambientais – além dos dramas na educação, na saúde, no saneamento, no desemprego dos jovens, na concentração da renda.

Não é difícil explicar a aprovação do governo atual. O primeiro fator é a manutenção, desde 1994, de baixas taxas de inflação – porque não há nada pior para os segmentos de menor renda que a inflação, que consome os salários já nos primeiros dias de cada mês. O segundo é a manutenção, também desde governos anteriores, de taxas cadentes de desemprego. Terceiro, políticas de ampliação do crédito e de financiamentos populares. E, para culminar, o Bolsa-Família, que consolida e amplia vários programas sociais que vêm desde a década de 1990. Se se quiser discutir mais a fundo, porém, pode-se lembrar que o próprio Bolsa-Família, ao beneficiar diretamente 11 milhões de pessoas e, indiretamente, outros 30 milhões, exige cerca de R$ 12 bilhões por ano. Mas só a juros pagos a bancos e investidores o governo federal tem destinado 15 vezes mais, R$ 182 bilhões no último balanço do economista Ricardo Bergamini (23/8). De janeiro de 2003 a dezembro de 2009 o déficit fiscal nominal gerado pela União soma R$ 708,4 bilhões, ou 4,18% do PIB. A carga tributária da União, de 2002 a 2008, aumentou 12,86% do PIB (era de 22,02% em 2002 e passou para 24,92%). A dívida interna cresceu 142,28%, de R$ 841 bilhões, em 2002, para R$ 2.037,6 bilhões, em 2009.

Tudo isso é importante. Mas como vamos navegar nas águas tempestuosas que se prenunciam? Com que estratégias enfrentaremos as questões centrais do esgotamento progressivo dos recursos e serviços naturais? Qual é nossa estratégia para mitigar mudanças climáticas (que precisa ir muito além de “compromissos voluntários” de redução de emissões) e de adaptação aos eventos extremos já em curso? Essas questões já chegaram até o coração dos sistemas de defesa dos principais países, como mostra a Quadrennial Defense Review, ligada ao Pentágono norte-americano (IPS, 27/8).

Mas, embora vivamos num país relativamente privilegiado, como tem sido escrito aqui tantas vezes – com território continental, quase 13% de toda a água superficial do planeta, de 15% a 20% da biodiversidade global, possibilidade de matriz energética renovável e “limpa” -, deixamos tudo isso para segundo plano ou plano nenhum. Desprezamos o que é fator escasso no mundo e pode ser nossa vantagem comparativa. Enquanto isso, o País parece um fogareiro, com queimadas descontroladas em todo o Norte e Centro-Oeste, sem sabermos exatamente o que fazer e já precisando criar um Fundo de Catástrofes, para o qual a União poderá contribuir com até R$ 4 bilhões, destinados à “cobertura suplementar de riscos para a segurança rural” (e os outros setores?). Ele garantirá às seguradoras e resseguradoras cobertura adicional para os “riscos de seguros rurais em caso de catástrofes climáticas como secas, excesso de chuvas e geadas”. Ou seja, tudo o que já está acontecendo – intensificação de secas e chuvas, eventos extremos, como tem advertido o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, coordenador das políticas da área (Brasil Econômico, 23/8). Ele chama a atenção para o fato de que a temperatura que nos afeta já subiu um grau, na média (em relação a meio século atrás), e que isso é grave. Incêndios, desmatamentos e mais gases poluentes aceleram o processo de mudanças na vegetação da Amazônia, que, por sua vez, reduz a umidade no Sudeste e no Sul. A seu ver, o caminho mais curto e eficiente para reverter o quadro seria cessar a queima de pastagens e restos de colheitas.

Ao mesmo tempo, entretanto, o Ministério do Meio Ambiente anuncia que vai rever o processo de licenciamento ambiental para obras de infraestrutura, com o propósito de chegar a “licenciamentos mais rápidos e eliminar exigências desnecessárias” – como se o retardamento das licenças não se devesse muito mais aos problemas gerados pelos empreendimentos e à insuficiência dos respectivos estudos de impacto ambiental. Na verdade, bastaria que os licenciadores aplicassem um artigo da Resolução 1/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente – que manda examinar antes de tudo se não há alternativas menos problemáticas – para negar a licença.

Um desses casos poderia ser exatamente o da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, cujo contrato com as empresas construtoras o presidente da República assinou na semana passada, antes mesmo de concedida a licença de instalação – o que não deveria ocorrer. Uma usina combatida por centenas de instituições e considerada, na revista do Instituto de Engenharia de São Paulo (Estado, 27/8), “uma vergonha”.

Quem pense que as questões do clima e do sobreúso dos recursos naturais não são prioritárias pode ler algumas frases do livro O que os Economistas Pensam sobre a Sustentabilidade, do jornalista Ricardo Arnt, lançado há pouco (Editora 34). Está lá, nas palavras do ex-ministro Delfim Netto: “Nunca imaginei que fôssemos viver um período em que a evidência da finitude de recursos fosse visível.” Ou do ex-presidente do BNDES e um dos criadores do Plano Real André Lara Resende: “Talvez seja tarde demais para a recuperação do planeta.” Também é possível ler o que o conceituado físico Stephen Hawking disse ao site Big Think: “O ser humano precisa abandonar a Terra nos próximos 100 anos – ou tornar-se uma espécie extinta.”

Que tal discutir isso com os eleitores?

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 06/09/2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uma nova perspectiva

Gestão e Mente Sustentável, o Quarto Bottom Line: uma nova perspectiva sobre Comunicação, Sustentabilidade e Política


Prof. Evandro Vieira Ouriques*
evouriques@terra.com.br

Dentre todas as fontes de referência que movem ou podem mover com Justiça e Dignidade as Políticas Públicas, as Redes e o Empreendedorismo, a Sustentabilidade é a mais importante de todas. Dentre o que faço neste sentido estão por exemplo minhas consultorias, meu curso JPPS-Comunicação e Sustentabilidade http://bit.ly/atVmOA  e a bibliografia ao final deste artigo.

Como não temos conseguido Sustentabilidade como a precisamos, investiguei o Triple Bottom Line, que a maior parte das empresas e organizações em todo o mundo têm como guia, localizei o ponto cego deste modelo e criei, em 2005, a Gestão da Mente Sustentável, o Quarto Bottom Line, avançando-o.

Uma vez que sem limparmos as sequências mentais (o fluxo pensamentos, afetos e percepções), o design mental, o modelo mental, pouco ou nada adianta falar em Sustentabilidade, como temos visto sem parar desde o final do século passado, por exemplo na COP-15, pois como somos cultura, somos o que pensamos, o que afetamos, o que nos afeta, o que percebemos.

A Sustentabilidade é mais importante ainda, por exemplo, que a cultura digital e as redes, pois apenas ela pode orientar o verdadeiro sentido democrático das conexões, das alianças, das conquistas tecnológicas, das intervenções nos territórios. E, assim, transformar o atual e imenso acúmulo de crises, de dimensão tectônica, em extraordinária oportunidade de um futuro que faça sentido: um futuro fundado em valores comunais, os que garantem a coesão social. E, como todo futuro, ele é sempre construído agora, pelo poder do pensamento claro, complexo e focado: por uma Mente Sustentável.

E, mais: apenas a Sustentabilidade pode trazer à tona o verdadeiro sentido da própria Comunicação, muito distinto da instrumental fogueira de vaidades atual.

Explico. Por partes.

1. Por que a Sustentabilidade ocupa este papel central?

Por que o processo de conceituação do que seja a Cultura, e dentro desta a Filosofia e a História, acabou por definí-la como a ruptura do continnuum do processo natural. Ou seja, como a “outra” da Natureza: aquela que não é a Natureza. Neste conceito portanto temos a oposição dualista entre o que passamos a chamar de Cultura face ao que então passamos a chamar de Natureza.

O resultado desta ruptura colhemos principalmente durante o século XX, apesar de já na Roma antiga, no séc. VII a.C., por exemplo, existir legislação para controlar os perigos do trânsito de carroças, bem como o imenso barulho que elas faziam nas ruas à noite não deixando sobretudo os pobres dormirem.

Pelo menos desde 1972 temos as provas científicas irrefutáveis deste erro epistemológico, e desde então resistimos a rever nossos conceitos sobre a Vida e sobre o Mundo, aí incluídos os conceitos de Cultura e Natureza.

Resistimos a mudar de design mental e no entanto queremos mudar o design dos objetos, dos projetos, dos empreendimentos, dos planejamentos, das redes; resistimos a abandonar a mente insustentável, preferindo insistir, na maior parte dos casos, em uma atitude greenwash; ou seja, em uma atitude verde apenas como efeito de real, alimentando tal opção epistemológica dualista, fatal para o nosso presente e para o futuro das novas gerações: separar Cultura e Natureza foi interromper a conexão primeira, a rede primeira, que é a interdependência sistêmica e complexa entre o biológico e o cultural.

Estava e está no conceito Cultura, portanto, instalado o divórcio, a falta de Comunicação, em uma forma talvez de amor líquido. Em verdade uma mistura de ressentimento e melancólica admiração da Cultura pela Natureza, facilmente perceptível na maneira pontual e utilitarista com a qual este re-encontro se dá nos cobiçados finais de semana populares ou ultra-elitizados, que vão dos super spas e resorts aos piqueniques-farofa na praia, ou ao churrasco à beira da piscina de plástico.

Ou, então, nas commodities, por exemplo, petróleo, gás, ouro e os outros metais presentes em toda a cadeia industrial e nos produtos que enchem os supermercados e os shoppings, e que são retiradas in natura diretamente da Natureza e que continuam a mover o mundo que destroí assim, digamos, sua própria mãe, sua própria origem, a própria fonte que a alimenta.

Sim, há algo de profunda insanidade neste design mental, nesta Cultura. Para destacadas autoridades da clínica social da psicanálise, a característica dominante da economia psíquica pós-moderna é exatamente a iminência do colapso psicótico.

2. Por que a Sustentabilidade permite repensar de forma ampla o que seja a Comunicação?

A Sustentabilidade obriga a repensar a Comunicação pois comprova que a Comunicação é a linguagem do que chamamos de Natureza, que se expressa através da lógica das redes biológicas, cognitivas, da ancestralidade e, por isto, também das redes culturais e sociais.

Trata-se, sem dúvida de uma imensa vaidade, daí tanta ocorrência de celebridades e narcisismos nas redes sociais, estar brevemente sobre um Planeta no qual surgimos apenas no último segundo (se compactamos a História de 14 bilhões de anos em um ano) e que flutua em meio a um Cosmos de tal maneira gigantesco, e insistir-se em dar ordem ao mundo, insistir-se em recusar comunicar Cultura e Natureza, recusar-se a comunicar poder e generosidade.

O Desafio de Pensar
Tratar portanto da Comunicação e da Sustentabilidade é entender que Segurança Ambiental, Justiça Social e Equidade Econômica, metas do Triple Bottom Line, só se dão de fato pela construção e gestão de uma Mente Sustentável, que possa garantir que a palavra dita se torne ato concretizado mediante o foco da vontade neste sentido.

É quando o indíviduo, rede, movimento, organização e instituição monitora e vigia seu próprio Território Mental (o fluxo de pensamentos, afetos e percepções, dentre elas a intuição) que o poder de criar Políticas Públicas, Redes e Emprendimentos se manifesta de maneira sustentável.

Para isto é preciso sustar a compulsão do produtivismo; e meditar; construir deliberadamente um pensamento respiratório; agir na mais poderosa das ações: a que fazemos sobre os conceitos, pois somos, como disse, o que pensamos, o que afetamos, o que nos afeta, o que percebemos. Somos responsáveis pelo que fazemos. O que vivemos é o resultado de nossas aspirações.

Por isto é que dedico-me ao vigor do pensamento, a resistir à simplificaçnao do pensamento, fazendo para isto, através de longas e detalhadas leituras e reflexões, a arqueologia dos conceitos Comunicação e Sustentabilidade, como quem delicada e decidida-mente percorre o corpo amado, seja ele sútil ou mais denso, celebrando cada milímetro, cada respiração, cada pulsação, por vezes suave-mente, por vezes intensa-mente.

Para que as vidas, as carreiras, os empreendimentos, as alianças, as famílias, as redes, os movimentos, as corporações, os partidos, as organizações de todo o tipo, as intervenções nos territórios, ajam na solução do que hoje enfrentamos, é preciso livrar-se da captura pela idéia dualista de que existiria um “sistema” contra o qual nada se poderia fazer e que aprisionaria a Liberdade e a Justiça, através de uma opressão vinda de fora para dentro ou exercida “entre” os indivíduos.

Na realidade, o que aprisiona é o design mental que se tem e do qual não se livra simplesmente por obra e graça de se estar conectado à web e dispondo de banda larga e das ferramentas mais elaboradas de rede, pois as cadeias mentais é que são a causa final, e na maior parte dos casos, inconsciente, pois gravada no aparente “recato” da “vida privada”, na intimidade do próprio pensamento, no conjunto dos afetos e percepções que se tem sobre o mundo; conjunto este que se mantém intacto pelo tabu de não se falar sobre ele de forma alguma, divorciando-o da política e da gestão, como se dele não dependesse o futuro do empreendimento, o futuro da Nação.

Por isto é preciso treinar a mente para a ação transformadora no mundo, diante da qual não cabem as respostas prontas entregues por intenso, concentrado e monocórdico delivery mediático, educacional, familiar e social.

Há que se superar o desafio de comunicar para que se possa gozar plenamente do Direito à Comunicação. Esta tarefa demanda imenso exercício continuado de vontade, de disposição para mudar, de humildade, de escuta, de paciência, de compaixão.

É preciso ler muito e pausada-mente, perguntar, investigar e conversar, experimentar, como quem re-começa ou começa a pensar:

É a “Natureza” “cruel”, de fato? É a “Natureza” violenta? Qual a “natureza” da violência psíquica e social, ou, melhor, como se constrói a insustentável cultura da violência, baseada na unidimensionalidade da remuneração e dos efeitos de real criados pelo acúmulo de poder e de capital, e na socialização das perdas, movidos pela inveja, pela vingança e pela indiferença, em uma manifestação do que os alemães chamam de schadenfreude; ou seja, o sentimento de alegria pelo sofrimento ou infelicidade dos outros?

. A vida é mesmo uma guerra? Os animais são violentos ou em verdade o amor é que é a base do biológico e do social? De onde vem a vontade das Políticas Públicas Sociais e da sustentabilidade? Do poder e do interesse auto-referenciados? Há portanto uma outra e distinta fonte de referência para o ato comunicativo, o ato do afeto, o ato da política?

Qual a diferença entre violência, ira e indignação? Quem, o quê e onde estaria o verdadeiro “inimigo”?

A Paz se multiplica por “contaminação” e por “meio viral”? De onde vem esta ânsia de agir e agir sem pensar, que atribui à tecnologia ou às redes (como se estas estivessem passando a existir agora...), portanto atribuindo ao que está fora, ao outro, as esperanças de Liberdade, Justiça e de Paz?

. Por que a ridicularização das utopias, quando entender o mundo apenas como um supermercado e um shopping center gigantesco, tecnologizado e simbólica e geográfica-mente infinito, custe o que custar, é que gera a insustentabilidade do divórcio entre palavra e ato; este fim-das-utopias, gerador da irresponsabilidade cidadã sobre a própria ação no mundo; este gerador da traição e do abuso, sob as múltiplas formas da inveja perpétua, fonte das celebridades e dos narcisismos?

Por que a insustentabilidade social que se quis superar no século XX, através do coletivismo, aprofundou-se na totalização pelo reconhecimento pelo capital, neste século XXI marcado, até agora, pelo individualismo, pelo mal-estar, pelos fundamentalismos de todas as ordens, pela devoção tecnológica, pela repetição da luta insana pelo poder mesmo nas esquerdas, a qual -quando muito- parece sobrar a resistência criativa, talvez não-criadora, aos crescentes dispositivos de vigilância?

Por que a recusa a trabalhar intensa-mente para tornar o pensamento mais e mais complexo, e apenas assim, de fato, ter um pensamento livre, por que cristalino, descondicionado, por que claro, que permita a vida em sociedade?

Por que a recusa a ter uma re-visão profunda e crítica sobre os conceitos que se usa, sobre o fluxo dos estados mentais?

Enfim a dispor de tempo para compreender minuciosa-mente o discurso que cada um coloca no ar, como editor de si mesmo e, assim, poder de fato re-inventar-se, de fato inovar-se e poder então concretizar mais atitudes green e não apenas mais entulho não-reciclável greenwash?

De ser, como mostrou cristalina-mente Mahatma Gandhi, aquilo que se quer ver no mundo, entendendo a indissociabilidade entre o psíquico, o social, o espiritual e o político, defendida também por tantos brilhantes pensadores ocidentais?

Por que então o atual elogio à loucura, na forma da simplificação do pensamento, da redução do pensamento ao nada que é a ação repetitiva e suicida, produzida pela pasteurização do pensamento?

A única maneira de se fazer a globalização é de fato esta? Na qual em nome de uma suposta eficácia tecnológica que (ao contrário de trazer mais democracia como foi prometido, tem é gerado na maior parte dos casos mais concentração e mais vigilância) instaurou a redução da complexidade e da multiplicidade, das diversidades do mundo, das diferenças das pessoas, dos povos, das culturas, brutal e anestesiada-mente ameaçadas?

Por que ameaçar o pensamento, se apenas ele é que pode encontrar a coesão social na multiplicidade, como as teias se mantêm equilibradas, de encontrar uma coesão que não seja a dos totalitarismos, seja sob a forma do fascismo político, do fundamentalismo religioso, do fundamentalismo tecnológico.

O Desafio de Comunicar
De fato, é o pensamento que funda e move, e que é a integralidade da experiência de se estar vivo, na condição que patriarcal-mente, e portanto insustentavel-mente, ainda chamamos de “humano”.

É por isto que a Comunicação hoje ainda está muito na dimensão operacional: na produção de efeitos, na obtenção de capital de influência, quando o que precisa avançar é a política enquanto conceito, o negócio enquanto conceito, a rede enquanto conceito, a Comunicação enquanto conceito.

É assim que é urgente avançar a superação de pensar a Comunicação de maneira fragmentada, atenta apenas, como disse, aos processos.

É urgente construir, compreender, praticar e gerir uma Mente Sustentável. É preciso investir na profunda arqueologia dos conceitos que constituem o pensamento, os afetos e as percepções. A Mente Sustentável engloba a multidimensionalidade dos processos cognitivos, inclusive, claro, a intuição, pois apenas uma mente clara e focada permite termos Inovação verdadeira: a Comunicação, a Política, as Redes, os Empreeendimentos sustentáveis e assim democráticos.

Quando somos prisioneiros de uma cultura só podemos nos libertar através de uma outra cultura, sabemos disto. E isto apenas se faz pelo esforço de um pensamento novo e complexo, da Mente Sustentável, que elimine a poluição mental, e abrigue, sem pré-conceitos, o melhor dos conhecimentos de todas as culturas que o ser humano já construiu.

....

* Prof. Evandro Vieira Ouriques
Professor da Escola de Comunicação da UFRJ há 31 anos e coordenador do NETCCON-Núcleo de Estudos Transdiciplinares de Comunicação e Consciência é o criador da metodologia Gestão da Mente Sustentável, o Quarto Bottom Line.

Escritor e consultor, é especialista em mudança de atitude, focado em Comunicação e Educação para as Redes, as Políticas Públicas e a Sustentabilidade, atuando tanto em redes, movimentos e organizações, como o movimento pela Democratização da Comunicação no Brasil, os Fóruns de Mídia Livre, o DEGASE, a Rebouças & Associados, a Petrobras, a Natura, o ETHOS e a ABERJE, quanto através de atendimentos e coaching individuais.

Transdisciplinar desde 1984, é cientista político, jornalista, designer, artista multimídia, gestor cultural, curador e conservador de obras de arte e terapeuta de base analítica.

Trabalhou 21 anos no Ministério da Cultura, na Fundação Nacional de Arte e no Museu Nacional Nacional de Belas Artes, quatro anos em Diálogo Inter-religioso e três com a Estratégia Cultural do Yoga no Brasil, tendo em vista seus estudos também sobre sistemas ancestrais de Comunicação e Cura.

Membro da INTERCOM, do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, da Associação Internacional de Estudos Ibero-Eslavos, do Instituto Cultural Brasil-Rússia Mikhail Lermentov e do Instituto Cultural Brasil-Galícia, é diretor de Comunicação e Cultura do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC.SP.

Mantem convênio com a UNESCO, o Coletivo INTERVOZES e o LaPCom-Unb para a elaboração de Indicadores do Direito à Comunicação no Brasil. Autor e organizador de dezenas de publicações, entre as quais se destaca o livro Diálogo entre as Civilizações: a Experiência Brasileira, publicado pela ONU e a UNESCO em 2003.

Bibliografia Básica, de Autoria do Prof. Evandro

OURIQUES, Evandro Vieira (2009). Comunicação, Palavra e Políticas Públicas: a Importância do Conceito Envolvimento para a Construção da Cidadania Sustentável. Revista Z Cultural. Programa Avançado de Cultura Contemporânea-PACC.FCC.UFRJ. Ano 5 nº 02. Rio de Janeiro. ISNN 1980-9921http://www.pacc.ufrj.br/z/ano5/2/ouriques.php

_________________________(2008). Gestão da Mente Sustentável®, o Extended Bottom Line: o Desenvolvimento Socioambiental como Questão da Consciência e da Comunicação. In GUEVARA, Arnoldo José de Hoyos, et al. (orgs.). Consciência e desenvolvimento sustentável nas organizações. Rio de Janeiro: Editora Campus Elsevier, São Paulo. pp. 195-203. ISBN-10: 85-352-3281-8

________________________ (2009). Território Mental: o Nó Górdio da Democracia. Revista Democracia Viva, nº 42, maio de 2009. IBASE, Rio de Janeiro. pp 76-81 http://www.ibase.br/userimages/DV42_artigo4.pdf


Bibliografia de Aprofundamento, de Autoria do Prof. Evandro

OURIQUES, Evandro Vieira (org.) (2003). Diálogo entre as Civilizações: a Experiência Brasileira. ONU. Apoio Institucional Palas Athena, Viva Rio, Movimento Inter-religioso do Rio de Janeiro-MIR/ ISER e UNESCO.www.unicrio.org.br (clicar biblioteca; e título).

OURIQUES, Evandro Vieira (2006). A New Epistemological Perspective for Solidarity and Sustainability in the Essentially Patriarchal and Emblematic Crisis of Western Mindset. Pelican Consulting. Washington.http://www.pelican-consulting.com/solisustv02n06.html

_________________________(2007). A Construção de Estados Mentais. Entrevista a Marcus Tavares. 24/07/2007. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=428JDB007

________________________(2007). A Mídia só é Livre quando a Mente é Livre. 2007.http://forumdemidialivre.blogspot.com/2008/06/mdia-s-livre-quando-m...
_______________________(2006). Comunicação, Espiritualidade e Negócios: o restabelecimento estratégico da confiança como a base sistêmica do desenvolvimento socioambiental. Anais do III Congresso de Excelência em Sistemas de Gestão. LATEC/UFF. 2006.

________________________(2008). Comunicação com o cidadão: qual o rumo a seguir? O rumo é a mudança de atitude mental. In Banco do Brasil. O futuro da Comunicação. XII Seminário de Comunicação. Brasília, 2008. pp. 85-93. http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/12SeminarioComunicBB.pdf

________________________(2006). Comunicação, Educação e Cidadania: quando Diversidade e Vinculação Social são apenas Um. In: Saúde e Educação para a Cidadania. Revista da Decania do Centro de Ciências da Saúde/UFRJ. Ano 1, no. 02, Março de 2006. UFRJ. Rio de Janeiro. pp. 33-36www.ccsdecania.ufrj.br/extensao/edicao02.pdf

________________________(2007). Desobediência Civil Mental e Mídia: a ação política quando o mundo é construção mental. Anais do 10º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo. Goiânia, Goiás. ISSN: 1981-5859. http://www.fnpj.org.br/grupos.php?det=201

________________________(2006). O valor estratégico da não-violência para o vigor da comunicação. Anais do Congresso da INTERCOM, 2006. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1911-1.pdf

________________________(2009). Política, Espiritualidade e Dádiva: A urgência de refazer o pensamento e a ação social. Revista Comunicações ISER, nº 63. Edição Especial- MIR: Memórias, Ações e Perspectivas do Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro. Instituto de Estudos da Religião-ISER. Rio de Janeiro. pp 144-160.http://www.iser.org.br/arquivos/comunicacoes_do_iser_63.pdf

________________________(2010). O Conceito Envolvimento e o Caráter Político das Práticas Linguísticas. in Práticas socioculturais e discurso: debates transdisciplinares. Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade da UnB e Labcom, Universidade de Leiria, Portugal. No prelo.

________________________(2010). O Silêncio Ativo da Escuta como Possibilidade de Resistência e Inovação através do Diálogo. Anuário 2010 da Associação Internacional de Estudos Ibero-Eslavos, Lisboa, Portugal. No prelo.

________________________(2004). Sobre a ação desinteressada em Gandhi e a ética na midia.http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=291ASP021
________________________(2010). Sustentabilidade, Democracia e Sinceridade: ideias gêmeas, no útero da Mente Sustentável. Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental-FDUA, São Paulo, ano 9, nº 49. Janeiro-Fevereiro de 2010. ISSN 1676-6962
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