Quem assiste à propaganda dos partidos no horário eleitoral da televisão fica com a impressão de que está mais em questão um julgamento do passado do que uma proposta para os próximos anos. Discute-se principalmente para saber quem fez mais em termos de programas sociais, culminando com o Bolsa-Família.
Mas a questão real e central não é essa. Deveria ser a estratégia brasileira para os próximos anos, que serão muito difíceis, com a crise econômica global e com o agravamento das chamadas questões ambientais – além dos dramas na educação, na saúde, no saneamento, no desemprego dos jovens, na concentração da renda.
Não é difícil explicar a aprovação do governo atual. O primeiro fator é a manutenção, desde 1994, de baixas taxas de inflação – porque não há nada pior para os segmentos de menor renda que a inflação, que consome os salários já nos primeiros dias de cada mês. O segundo é a manutenção, também desde governos anteriores, de taxas cadentes de desemprego. Terceiro, políticas de ampliação do crédito e de financiamentos populares. E, para culminar, o Bolsa-Família, que consolida e amplia vários programas sociais que vêm desde a década de 1990. Se se quiser discutir mais a fundo, porém, pode-se lembrar que o próprio Bolsa-Família, ao beneficiar diretamente 11 milhões de pessoas e, indiretamente, outros 30 milhões, exige cerca de R$ 12 bilhões por ano. Mas só a juros pagos a bancos e investidores o governo federal tem destinado 15 vezes mais, R$ 182 bilhões no último balanço do economista Ricardo Bergamini (23/8). De janeiro de 2003 a dezembro de 2009 o déficit fiscal nominal gerado pela União soma R$ 708,4 bilhões, ou 4,18% do PIB. A carga tributária da União, de 2002 a 2008, aumentou 12,86% do PIB (era de 22,02% em 2002 e passou para 24,92%). A dívida interna cresceu 142,28%, de R$ 841 bilhões, em 2002, para R$ 2.037,6 bilhões, em 2009.
Tudo isso é importante. Mas como vamos navegar nas águas tempestuosas que se prenunciam? Com que estratégias enfrentaremos as questões centrais do esgotamento progressivo dos recursos e serviços naturais? Qual é nossa estratégia para mitigar mudanças climáticas (que precisa ir muito além de “compromissos voluntários” de redução de emissões) e de adaptação aos eventos extremos já em curso? Essas questões já chegaram até o coração dos sistemas de defesa dos principais países, como mostra a Quadrennial Defense Review, ligada ao Pentágono norte-americano (IPS, 27/8).
Mas, embora vivamos num país relativamente privilegiado, como tem sido escrito aqui tantas vezes – com território continental, quase 13% de toda a água superficial do planeta, de 15% a 20% da biodiversidade global, possibilidade de matriz energética renovável e “limpa” -, deixamos tudo isso para segundo plano ou plano nenhum. Desprezamos o que é fator escasso no mundo e pode ser nossa vantagem comparativa. Enquanto isso, o País parece um fogareiro, com queimadas descontroladas em todo o Norte e Centro-Oeste, sem sabermos exatamente o que fazer e já precisando criar um Fundo de Catástrofes, para o qual a União poderá contribuir com até R$ 4 bilhões, destinados à “cobertura suplementar de riscos para a segurança rural” (e os outros setores?). Ele garantirá às seguradoras e resseguradoras cobertura adicional para os “riscos de seguros rurais em caso de catástrofes climáticas como secas, excesso de chuvas e geadas”. Ou seja, tudo o que já está acontecendo – intensificação de secas e chuvas, eventos extremos, como tem advertido o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, coordenador das políticas da área (Brasil Econômico, 23/8). Ele chama a atenção para o fato de que a temperatura que nos afeta já subiu um grau, na média (em relação a meio século atrás), e que isso é grave. Incêndios, desmatamentos e mais gases poluentes aceleram o processo de mudanças na vegetação da Amazônia, que, por sua vez, reduz a umidade no Sudeste e no Sul. A seu ver, o caminho mais curto e eficiente para reverter o quadro seria cessar a queima de pastagens e restos de colheitas.
Ao mesmo tempo, entretanto, o Ministério do Meio Ambiente anuncia que vai rever o processo de licenciamento ambiental para obras de infraestrutura, com o propósito de chegar a “licenciamentos mais rápidos e eliminar exigências desnecessárias” – como se o retardamento das licenças não se devesse muito mais aos problemas gerados pelos empreendimentos e à insuficiência dos respectivos estudos de impacto ambiental. Na verdade, bastaria que os licenciadores aplicassem um artigo da Resolução 1/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente – que manda examinar antes de tudo se não há alternativas menos problemáticas – para negar a licença.
Um desses casos poderia ser exatamente o da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, cujo contrato com as empresas construtoras o presidente da República assinou na semana passada, antes mesmo de concedida a licença de instalação – o que não deveria ocorrer. Uma usina combatida por centenas de instituições e considerada, na revista do Instituto de Engenharia de São Paulo (Estado, 27/8), “uma vergonha”.
Quem pense que as questões do clima e do sobreúso dos recursos naturais não são prioritárias pode ler algumas frases do livro O que os Economistas Pensam sobre a Sustentabilidade, do jornalista Ricardo Arnt, lançado há pouco (Editora 34). Está lá, nas palavras do ex-ministro Delfim Netto: “Nunca imaginei que fôssemos viver um período em que a evidência da finitude de recursos fosse visível.” Ou do ex-presidente do BNDES e um dos criadores do Plano Real André Lara Resende: “Talvez seja tarde demais para a recuperação do planeta.” Também é possível ler o que o conceituado físico Stephen Hawking disse ao site Big Think: “O ser humano precisa abandonar a Terra nos próximos 100 anos – ou tornar-se uma espécie extinta.”
Que tal discutir isso com os eleitores?
Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 06/09/2010
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