sábado, 15 de maio de 2010

A pedagogia das centopeias

Artigo publicado no jornal Zero hora de 02/02/10 por José Hildebrando Dacanal*
Tempos atrás, alguém – não cito nome nem profissão, a autoidentificação é mais do que suficiente – publicou um artiguete em um jornal local afirmando que alunos são ensinantes. Isto é, os professores aprendem com eles.

Eis aí a prova do desastre educacional brasileiro! O pobre-diabo que tem a coragem de proclamar tal barbaridade é um infante mental – e neste caso deve ser considerado inimputável e impublicável – ou ignorante convicto – e neste caso não deve exercer a profissão que tem, ainda que possa, e mesmo deva, ser publicado, já que a liberdade de opinião é um direito constitucional extenso a todos. Como me dizia famosa médica, colega de magistério na UFRGS: “Você não aprendeu ainda que às vezes o silêncio é o preço da competência?’’.

Eu tenho tentado calar a boca! Mas é difícil! Fui aluno por cerca de 35 anos e professor por mais de 40. É possível que meus alunos não tenham aprendido muito comigo. Mas é absolutamente certo que eu nunca aprendi nada com eles. Não, alunos nunca me ensinaram nada. Absolutamente nada! E sempre aprendi algo com meus professores, com todos eles, mesmo com os mais idiossincráticos e limitados.

Dadas as condições mínimas de alimentação e saúde do alunato, o bom professor é aquele que, em qualquer nível, exigindo disciplina, aplicando o método adequado a cada matéria e utilizando os controles necessários, alcança seu objetivo: fazer com que ao final do semestre ou do ano os alunos dominem com eficiência média o conteúdo respectivo.

Obviamente, educação é um conceito que envolve, além da escola, várias outras componentes fundamentais – como a família e o contexto social, principalmente. Mas, na escola, ensinar é sinônimo de disciplina exigida e conteúdo transmitido. O resto é estelionato e fraude, há milênios. E o bom professor é aquele que ensina. E bom aluno é aquele que aprende. Isto é civilização. O resto é populismo barato, politicagem safada ou canalhice explícita, também há milênios.

Eu sei, eu sei! Como ser bom professor em um mundo em que os alunos vão para a aula com drogas, facas e revólveres? Ou em que, como em Viamão, aquela professora exemplar que praticou o heroico ato civilizatório de mandar o aluno limpar o que ele emporcalhara é condenada, pela Justiça ou sei lá por quem, a pagar meio salário mínimo? Mas isto não muda a realidade. Apenas explicita o fato de que se marcha para a barbárie, referendada precisamente pelos que deveriam contê-la. E ela sempre vence.

Mas, antes da avalanche, eu queria fazer uma retratação. Em artigo anterior, qualifiquei de quadrúpedes os panacas defensores da pedagogia dita moderna. Eu me penitencio. Eu errei. Eu peço desculpas! Quadrúpedes são animais com reduzido número de patas mas de alto desempenho operacional. Que imbecil que sou! Como não pensei nisto antes!? Pedagogia de quadrúpedes não é uma expressão adequada e pode, equivocadamente, ser entendida como um elogio. A expressão semanticamente mais adequada é pedagogia de centopeias. Elas têm um monte de patas. E, pobres animaizinhos de Deus, apenas rastejam.

*Jornalista, professor e economista

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