Em 27 de julho de 2009 publiquei, aqui neste blog, uma pequena parte deste trabalho de autoria de Cleber Anselmo, com o título Evolução histórica da tortura.
Atendendo o pedido do autor, estou publicando o seu trabalho na íntegra, haja visto o assunto ser extremamente interessante sob a ótica da ética.
Ele foge aos padrões, já que normalmente o recomendável é apresentar temas curtos em blogs, de rápida leitura, mas, creio, será do interesse de muitos leitores. Afinal de contas, em quatro anos de existência, um pecadinho não conta muito, não é?
Bom proveito e obrigado ao Cleber pela cedência do seu material.
O original está em: http://cleber-anselmo.blogspot.com/2009/12/intima-relacao-do-estado-brasileiro-com.html
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema A (ÍNTIMA) RELAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO COM A TORTURA. A opção de pesquisá-lo deu-se em virtude de experiências empíricas nos órgãos de defesa dos Direitos Humanos, tanto do Poder Público, quanto da Sociedade Civil, adquirida ao longo de anos de militância. O tema chamou-nos a atenção, na medida em que eram expostos casos de pessoas que tiveram suas vidas devastadas pela tortura, em especial, a tortura praticada pelos agentes do Estado. O contato com bibliografia e militantes de esquerda que sobreviveram ao Regime de Exceção também serviu de inspiração. A maneira como a sociedade encara tal prática criminosa também intrigou-nos e trouxe uma oportunidade de, minimamente, tentar contribuir com outro pensamento que não aquele expresso pelos veículos de comunicação e pelo senso comum.
O cidadão brasileiro, nem sempre dá a devida importância ao problema da tortura em nossa sociedade, por conseguinte, acaba assumindo posturas conflitantes com as conquistas da humanidade, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal. Como consequencia, pode sofrer os efeitos da má interpretação dos direitos fundamentais da pessoa humana em seu cotidiano: abordagem policial; preconceito de cunho religioso, orientação sexual, étnico; tratamento desumano e degradante aos detentos resultando em torturas.
Nossa sociedade, formada com base na cultura de uma colonização européia, que explorou índios e negros, ao longo de séculos, traz resquícios de uma relação opressora contra determinadas classes sociais e culturais. Darcy Ribeiro, ao tratar do processo civilizatório, dá-nos indicações de como se deu a colonização brasileira. Critica, principalmente, os portugueses dizendo que:
.. aqui, nem mesmo a façanha menor de gerar uma prosperidade generalizável à massa trabalhadora, tal como se conseguiu, sob os mesmos regimes, em outras áreas. Menos êxito teve, ainda, em seus esforços por integrar-se na civilização industrial. Hoje, seu desígnio é forçar-nos à marginalidade na civilização que está emergindo. (RIBEIRO, 2006, pág. 62).
Como se demonstra, o Estado Brasileiro, seguindo os mandamentos lusófonos, optou por imprimir o alerta do Professor Darcy Ribeiro e tratar negros e pobres como suspeitos de determinados crimes, como se esses representassem a marginalidade emergida. É uma opção preconceituosa, assumida pelo Poder Público. Começando pela forma de abordagem policial. O linguajar dos agentes policiais para com os sujeitos suspeitos é de forma a minimizá-los, tratando-os como criminosos por presunção. Em caso de “desobediência”, ou, até mesmo, questionamento por parte do suspeito, o agente, via de regra, age de maneira truculenta e desrespeitosa, partindo, na maioria das vezes, para a agressão física.
Com base nesse panorama, o presente trabalho buscará, num primeiro momento, discorrer sobre a evolução histórica da tortura. Em seguida, delimitaremos o tema, quando será analisada a tortura como opção na produção de provas, buscando as afirmações em fatos passados e de reconhecimento público. Após discorreremos pelo perfil social da tortura e, por fim, abordaremos um tópico chamado SOCIEDADE E CONVENIÊNCIA, que trata da maneira que a sociedade encara a tortura, não responsabilizando apenas o Estado, mas toda uma rede de instituições e mecanismos.
O problema que será estudado é a relação estabelecida do Estado brasileiro com a tortura; quem são os torturados e torturadores? Onde se dá a tortura no Brasil? Como são, ou foram realizadas as sessões de torturas? O método utilizado será de levantamento de obras relacionadas, matérias jornalísticas e relatórios das Instituições Nacionais e Internacionais de Defesa dos Direitos Humanos, bem como o embasamento legal em tratados internacionais e, ainda, em nosso ordenamento jurídico. Nosso objetivo é a constatação (ou não) de que a tortura se tornou uma política velada de Estado.
Esta pesquisa se justifica pelo fato de apresentar as contradições pelas quais passa a sociedade brasileira. Após períodos de ditadura ou violações de direitos fundamentais, aprendemos a tratar casos de tortura e tantos outros, como situações normais. A banalização deste tipo de crime, acaba por consumir todas camadas sociais, fazendo com que, muitas vezes, quem presencie cenas de tortura acabe por valorizar a ações do torturador, principalmente se este for um agente de segurança, sob o argumento de que o torturado é um criminoso.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Antigamente, a tortura era um direito do senhor sobre seus escravos, considerados coisas; ou aplicada como penas advindas das sentenças criminais. Era comum o apedrejamento, a decepação de órgãos, o chumbo derretido no corpo; impostas a infratores ou meros suspeitos de terem infringido algum preceito legal. Essas práticas eram, apenas, para visar à obediência ao princípio de Talião, ou seja, “olho por olho, dente por dente”.
No Código de Hamurabi, no século XVIII a.C., para os criminosos eram reservadas a empalação, a fogueira, a quebra de ossos. O Antigo Testamento já admitia a tortura dos escravos, mesmo admitindo sua dignidade no caso de ser o único, devendo, assim, ser tratado como irmão. No Novo Testamento, o apóstolo Paulo chega a apelar à sua cidadania romana, para se livrar da tortura. O Direito Romano também admitia a tortura, pois o processo era baseado na auto-acusação e confissão, não em provas e testemunhas.
No final do século II, os soldados, convertidos à fé cristã, são exortados a evitarem a prática da tortura. No século IV, Lactâncio diz-se contrário à tortura “por ser contra o direito humano e contra qualquer bem”. Santo Agostinho repudia a aplicação da tortura, por se tratar de pena imposta a quem não se sabe ainda ser culpado.
A volta da tortura nos processos penais
No século XII, no Ocidente, é retomado, pelo Direito Penal, princípios do Direito Romano e é reintroduzida a tortura judiciária.
Essa prática de adquirir confissões, nem sempre verdadeiras, assume características e métodos cada vez mais profissionais. Resultado disso, foram os métodos utilizados pelo Regime Militar que perdurou de 1964 até 1985. Eram praticadas aulas de tortura em “presos-cobaias”, como comprova o Relatório organizado pela Arquidiocese de São Paulo, no Depoimento do Estudante Ângelo Pezzuti da Silva, 23 anos, ao Conselho de Justiça Militar de Juiz de Fora, em 1970 (BRASIL NUNCA MAIS, 1985, pág. 31):
(...); que, na PE (Polícia do Exército) da GB, verificaram o interrogado e seus companheiros que as torturas são uma instituição, vez que, o interrogado foi instrumento de demonstrações práticas desse sistema, em uma aula de que participaram mais de 100 (cem) sargentos e cujo professor era um Oficial da PE, chamado Tnt. Ayton que, nessa sala, ao tempo em que se projetavam “slides” sobre tortura, mostrava-se na prática para qual serviram o interrogado, MAURÍCIO PAIVA, AFONSO CELSO, MURILO PINTO, P. PAULO BRETAS, e, outros presos que estavam na PE-GB, de cobaias; (...).
A tortura, como descrito acima, mostra a Institucionalização dessa prática criminosa, ou seja, tornou-se uma política de Estado. Um Estado autoritário que, em 1° de abril de 1964, derruba o Presidente legitimamente eleito, para implantar uma Ditadura Militar sem precedentes para a história brasileira. A prática da tortura institucionaliza-se em 13 de dezembro de 1968, com a promulgação do “famigerado” AI – 5 (Ato Institucional N°5), pelo então Presidente Militar, Arthur da Costa e Silva, que suspendeu aquilo que restava de direitos civis e políticos aos cidadãos brasileiros.
Por que a tortura “deu certo” (segundo o ponto de vista dos torturadores) durante o período Militar? Porque o princípio daquele regime, como tratou Montesquieu, em “Do Espírito das Leis”, era o medo. Eram Governos Despóticos que tratavam o povo como nada.
Não são poucas as pessoas desaparecidas, principalmente, depois de serem presas e submetidas à tortura. Muitos perderam suas vidas, por não aguentarem tamanhas crueldades praticadas no interrogatório e, consequentemente, na prisão a que foram submetidas. Um exemplo é do Frei Tito de Alencar Lima, preso 1969, por subversão. Frei Tito nunca mais se recuperou dos choques elétricos, afogamentos e muitos outros métodos utilizados para que o religioso delatasse seus companheiros.
(...) No quartel da rua Tutóia, um outro prisioneiro, Fernando Gabeira , testemunhou o calvário de Frei Tito: durante três dias, dependurado no pau-de-arara ou sentado na cadeira-do-dragão - feita de chapas metálicas e fios - recebeu choques elétricos na cabeça, nos tendões dos pés e nos ouvidos.
Deram-lhe pauladas nas costas, no peito e nas pernas, incharam suas mãos com palmatória, revestiram-no de paramentos e o fizeram abrir a boca "para receber a hóstia sagrada" - descargas elétricas na boca. Queimaram pontas de cigarro em seu corpo e fizeram-no passar pelo "corredor polonês".
O capitão Beroni de Arruda Albernaz vaticinou: "Se não falar, será quebrado por dentro. Sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis. Se sobreviver, jamais esquecerão o preço de sua valentia". A ceder e viver, Tito preferiu morrer. "É preferível morrer do que perder a vida", escreveu ele em sua Bíblia. Com uma gilete, cortou a artéria do braço esquerdo. Socorrido a tempo, sobreviveu.
Foi libertado em dezembro de 1970, incluído entre os prisioneiros políticos trocados pelo embaixador suíço, seqüestrado pela VPR. Ao desembarcarem em Santiago do Chile, um companheiro comentou: "Tito, eis finalmente a liberdade!" O frade dominicano murmurou: "Não, não é esta a liberdade. (...)
Tito busca exílio em Roma, mas encontra as portas fechadas sob o pretexto de não receberem terroristas. Foi acolhido por Frades Dominicanos em Paris, no Convento Saint-Jacques.
(...) O capitão Albernaz tinha razão: sufocado por seus fantasmas interiores, Tito tornou-se ausente. Ouvia continuamente a voz rouca do delegado Fleury, que o prendera, e o vislumbrava em cafés e bulevares. Transferido para o convento de Arbresle, construído por Le Corbusier nas proximidades de Lyon, as visões aterradoras continuaram a minar sua estrutura psíquica. Escrevia poemas: "Em luzes e trevas derrama o sangue de minha existência / Quem me dirá como é o existir / Experiência do visível ou do invisível?"
Os médicos recomendaram-no suspender os estudos para dedicar-se a trabalhos manuais. Empregou-se como horticultor em Villefranche-sur-Saône e alugou um pequeno cômodo numa pensão de imigrantes, o Foyer Sonacotra, cujas despesas pagava com o próprio salário.
O patrão o percebeu indolente, ora alegre, ora triste, sugado por um tormento interior. Em seu caderno de poemas, Tito registrou: "São noites de silêncio / Vozes que clamam num espaço infinito / Um silêncio do homem e um silêncio de Deus."
No sábado, 10 de agosto de 1974, frei Roland Ducret foi visitá-lo. Bateu à porta de seu quarto na zona rural. Ninguém respondeu. Um estranho silêncio pairava sob o céu azul do verão francês e envolvia folhas, vento, flores e pássaros. Nada se movia. Sob a copa de um álamo, o corpo de Frei Tito, dependurado por uma corda, balançava entre o céu e a terra. Ele tinha 28 anos.(...).
Segundo o depoimento de Frei Betto , o Frade Dominicano não conseguia ver as flores no jardim do Convento, pois se lembrava de seu maior torturador, Sérgio Paranhos Fleury , principalmente porque a pronuncia da palavra Flor, em francês, lembra o sobrenome do delegado.
Estas e outras experiências mostram o resultado da tortura para conseguir respostas, que nem sempre são verdadeiras. Podem ser, muitas vezes, respostas imediatas com o objetivo, por parte do torturado, livrar-se das sessões. Assume que é culpado, pois já não aguenta tanta dor e sofrimento. Segundo Cesare Beccaria, essa prática de interrogatório fará desaparecer qualquer diferença entre o culpado e o inocente (BECCARIA. 2000, pág. 39), justamente pelo fato de um não ter nada a perder sendo torturado, resistindo se livrará impune; o outro tem tudo a perder, não resistindo, se declarará culpado mesmo sem ter praticado qualquer delito.
Outra característica, que em nada contribui para um interrogatório justo e honesto, é o fato de que, o torturador, tenta, a todo custo, uma declaração do torturado sobre outros crimes que, por ventura, tenha cometido, ou, até mesmo, aqueles que não cometeu, como relata Beccaria, com um vergonhoso raciocínio:
És culpado de um crime; é, portanto, possível que tenhas praticado outros cem. Tal suspeita me preocupa; quero estar certo; vou usar minha “prova da verdade”. As Leis vão te fazer penar pelos delitos que praticaste, pelos que poderias praticar e por aqueles de que te quero considerar culpado (BECCARIA. 2000, pág. 41).
A prática de rituais de tortura não era somente para conseguir confissões de crimes cometidos por aqueles que estavam presos, mas também para que delatassem seus companheiros em práticas subversivas que contrariavam o regime a Segurança Nacional, como eram classificados os atos dos militantes de esquerda que lutavam por um país democrático, ou seja, pela volta das liberdades individuais e políticas. Inúmeros casos foram conhecidos de pessoas torturadas por, supostamente, saber onde se encontravam os militantes de organizações clandestinas, ou até mesmo saber se um ou outro militante estava envolvido em algum ato classificado como terrorista.
Dessa forma, a injustiça fica latente quando se tortura, com o intuito de conseguir provas de delitos de outras pessoas, pois quem se autodelata não pensará duas vezes em fazer o mesmo com seus companheiros. Dessa forma, a pergunta levantada por Beccaria se faz necessária: “(...) será justo torturar um homem pelos delitos de outro homem? (...) (Op. cit., Ibidem)”. É certo que os cúmplices fogem, quando seus companheiros são presos. No período Militar não era diferente. A maioria dos militantes de esquerda, que para o Regime eram considerados subversivos, buscava asilo político em outros países, tais como Chile, Cuba, Bulgária, União Soviética. Buscavam o asilo como forma de não serem presos, tampouco serem extraditados de volta ao Brasil, sofrendo, assim, um processo totalmente inquisitorial, que, na maioria das vezes, sem direito à ampla defesa, não assegurando o devido processo legal e desrespeitando a presunção de inocência. Princípios básicos do Processo Penal no Estado Democrático de Direito.
A triste realidade da tortura, que Victor Hugo, em 1874, de forma equivocada disse que deixou de existir para sempre, no século XX, apresenta-se muito mais feroz e profissionalizada. Mesmo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, inúmeros países signatários da Carta dos Direitos Humanos a utiliza como parte fundamental dos métodos dos interrogatórios da polícia e do aparato militar, para obter informações, humilhar, intimidar, aterrorizar, punir ou assassinar os prisioneiros políticos e comuns (BRASIL NUNCA MAIS, 1985, pág. 281).
Definida Pela Associação Médica Mundial, em 1975, a tortura são:
... as imposições deliberadas, sistemáticas e desconsideradas de sofrimento físico ou mental, por parte de uma ou mais pessoas, atuando por conta própria ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar outra pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão qualquer .
Levando em consideração a definição acima, podemos identificar as práticas de tortura no Brasil atual como uma política velada de Estado, uma vez que em nosso país ultrapassamos os limites reducionistas dos que enxergam no agente público - policial, agente carcerário, monitor - o início e o fim do problema. Não podemos desprezar o peso de omissões e opções políticas levadas a cabo ao longo de anos e anos pelos três poderes nos entes federativos do Brasil em relação à tortura.
Os órgãos oficiais deram passos tímidos no sentido de consolidar um sistema de informação que permita aumentar os níveis de transparência em relação à sociedade civil. Mesmo com a falta de informações, o número de denúncias que chegam ao conhecimento de entidades não-governamentais, ou mesmo pela imprensa, permite confirmar o caráter social da aplicação da tortura. Uma vez admitindo a existência da tortura em si, já é um fator preocupante, sem contar que fere o conjunto de direitos consolidados na dignidade da pessoa humana e que se torna insignificante quando se constata sua sistemática banalização em nossa sociedade.
O que podemos denominar de modus operandi da tortura, isto é, um conjunto de práticas para a consecução do crime, pode-se demonstrar a predominância do agente público na perpetração da tortura; seu caráter social e a conivência velada do Estado, dada a raridade com que o crime é de fato punido no universo jurídico brasileiro.
PERFIL SOCIAL DA TORTURA
No início deste trabalho, fora apresentado um perfil, mesmo que de forma implícita ou, até mesmo, simplória, das vítimas da tortura. Eram militantes de organizações clandestinas, que faziam luta política e/ou armada contra o regime. Em alguns casos, que não fora exposto aqui, foram torturadas pessoas que nada tinham a ver com tais organizações , mas esse tópico tentará traçar um perfil dos torturados nos dias atuais, bem como onde acontecem tais práticas.
O retrato do encarcerado brasileiro, com base no Censo Penitenciário de 1997, mostra uma estreita ligação entre pobreza e a população carcerária . Cerca de 98% das pessoas sob custódia do Estado são oriundas da camada mais miserável da população, sem condição de pagar por um advogado. 10,4% dessa população é analfabeta e 69,5%, possui o ensino fundamental incompleto, sendo que 51,3% adentraram no sistema por crime contra o patrimônio. Mesmo havendo relação direta entre os dados acima e a tortura, é de se perceber que, em sua maioria, o sistema carcerário é composto por representantes da miséria brasileira. A seletividade da justiça penal apresenta íntima ligação com aspectos do crime de tortura, uma vez que surge com fator de entrada (prova) no sistema, mas também como fator repressivo (castigo), seja nas ruas, delegacias e (por que não) em centros de detenção.
SOCIEDADE E CONVENIÊNCIA
O aparelho estatal não é o único responsável pelo agravamento da tortura no Brasil. Parcela significante da sociedade vive iludida por opções autoritárias, acreditando na violência como forma de coibi-la. A falta de oportunidade e inclusão, impulsiona o aumento da criminalidade e é explorada cotidianamente por programas sensacionalistas de televisão e por alguns políticos, estimulando o pânico e a crença de que os criminosos devem ser detidos a qualquer custo. Basta ligar a TV no horário destes programas para nos depararmos com apologia à violência ao criminoso ou mesmo suspeito.
A procura por uma vida segura tem levado as pessoas a uma verdadeira guerra punitiva contra aqueles que cometeram crimes, pois para essa parcela da população essa guerra só pode ser vencida através da eliminação, seja do convívio (penitenciárias), seja da vida (tortura e execuções). O agravante é quando percebemos que inimigos de tal guerra são pessoas despidas de qualquer prestígio social, tornando-se inimigos em potencial. Defendem a propriedade acima da vida e da dignidade humana. Esquecem-se da vitória do povo brasileiro em abolir (ao menos no papel) práticas utilizadas por aqueles que, um dia, tomaram de assalto o país e, consequentemente, as liberdades e direitos individuais e políticos dos brasileiros. A Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, diz o seguinte:
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
O texto expresso na Carta Magna brasileira foi absorvido, pelo legislador brasileiro, do art. 7º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos da ONU, aprovado em 1966 pela Assembléia das Nações Unidas. O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais e faz menção expressa na Constituição, declarando a tortura como crime hediondo, porém a tipificação deste crime só ocorreu em 1997, com a Lei 9.455/97, ou seja, quase uma década depois.
A tortura precisa ser eliminada da sociedade, mas para tanto é preciso estimular este debate no entre aqueles que sofrem com a violência cotidiana; daqueles que são excluídos e estão à margem de uma vida digna; daqueles que exercem o papel de repressão e investigação policiais; daqueles que exercem funções de monitoramento de presos e, principalmente, daqueles que estão nas posições privilegiadas do Estado, pois são estes que podem e devem, não apenas estimular este debate, mas aplicar a Lei Maior, bem como consolidar o Estado Democrático de Direito, que após muita luta e muita gente que “tombou” combatendo práticas que violavam a dignidade da pessoa humana e as liberdades democráticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2000.
Brasil: Nunca Mais – Um Relato para a História. Petrópolis: Vozes, 1985.
Combatendo a Tortura – Manual de ação. Anistia Internacional. Londres: Nova Prova, 2003.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1998.
Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948.
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ECO, Umberto. 2007: Como se faz uma tese. 21. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução Raquel Ramalhete, 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
LAVILLE, Christian e DIONNE, Jean, A Construção do Saber – Manual de Metodologia da Pesquisa em Ciências Humanas; tradução Heloisa Monteiro e Francisco Settineri. Belo Horizonte: Artes Médicas Sul Ltda, 1999.
MONTESQUIEU, Charles de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2006.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
RUIZ-MATEOS, Alfonso Maria. O Cuidado Médico dos Presos, in revista Concilium, Vozes, 140-1978/10, p. 124(1328).
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: 23. ed. Cortez, 2008.
TASSI FILHO, Jorge Bernardino. Introdução à Filosofia do Direito de Segurança Pública – O ser humano no estado de exceção. São Paulo. Suprema Cultura, 2008.
REFERÊNCIAS DA INTERNET:
BETTO, Frei. 28/08 - Helder Câmara (1909-1999). Disponível: http://www.dhnet.org.br – O Portal dos Direitos Humanos. Acesso em 02 de abril de 2009.
http://www.nevusp.org/ – Núcleo de Estudos da Violência - USP
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