domingo, 20 de junho de 2010

Sem doutorado? Então fora!


19 de Abril de 2010 - por Alexandre Barros*

A crise está produzindo alguns efeitos magníficos, que ninguém planejou. Belezas do capitalismo: milhões de pessoas fazendo escolhas independentes e produzindo efeitos que ninguém previu.

Muitos profissionais que perdem empregos nos Estados Unidos estão virando professores. Isso mesmo. Contadores vão para as escolas ensinar, depois de muitos anos com a mão na massa. Projetistas vão para escolas e faculdades ensinar desenho industrial e por aí afora.

Se perdessem os empregos, dois meninos maluquinhos que resolveram cair na vida, em vez de virar acadêmicos, poderiam ir dar aulas. Muitas universidades receberiam Bill Gates (Microsoft) e Steven Jobs (Apple) de braços abertos. Acredito que haveria uma enorme disputa entre as melhores universidades para ver quem conseguiria levar qual.

No Brasil, como professores, bateriam com o nariz na porta.

Como nenhum dos dois tem mestrado ou doutorado, não valem nada para qualquer universidade brasileira. O Ministério da Educação não os reconhece. Um profissional fantástico sem mestrado ou doutorado é proibitivo para uma universidade brasileira.

Cirurgiões que foram dos bancos da escola para as salas de operação não poderiam lecionar em faculdades. Sua experiência avançadíssima vale zero.

Não passaram pelos rituais de iniciação: gastar tempo escrevendo dissertações. Estão fora. Graças ao MEC, no Brasil, vigora o "quem sabe faz e quem não sabe ensina."

Simon Schwartzman, especialista em educação superior e pós-graduada, disse numa entrevista (Veja 2059, 7 de maio de 2008): "O professor [brasileiro] participa de um congresso ou publica um artigo numa revista que ninguém lê." Em outras palavras, os professores brasileiros passam a vida fazendo imensos esforços para ter impacto zero no desenvolvimento da ciência, da tecnologia e das políticas públicas.

Parece anedota, mas não é. Criou-se um clube de amigos que publicam em revistas nas quais, não raro, o intervalo entre o término de uma pesquisa e sua publicação pode ser de até 4 anos. Só essas revistas são reconhecidas. Outras mídias (jornais, revistas, TV) de nada valem, ainda que possam ser lidas por milhões de pessoas. Isso em tempos de Internet.

Nikola Tesla (o inventor da geração de corrente alternada que move o mundo) não teria emprego em nenhuma universidade brasileira. Dificilmente conseguiriam publicar um artigo em revista Qualis (esse é o codinome das revistas que o MEC reconhece).

Na Universidade de Chicago, a maior ganhadora de prêmios Nobel (79 ao todo, 27 em Física e 25 em economia), é possível entrar sem jamais ter ido para a escola, qualquer escola. Lá, o principal critério para contratação de um professor de economia é o potencial para um prêmio Nobel. A universidade sabe que cada prêmio Nobel é um pote de mel para atrair alunos, doações e outros bons professores.

Recentemente, na feira de ciências de uma escola secundária na área de Boston, em Massachussets, um adolescente de 16 anos apresentou um trabalho da maior relevância para a saúde pública no Brasil: descobriu que o vírus da hepatite C e o vírus da dengue são primos próximos. Este atalho pode economizar muitos anos na descoberta da cura da dengue (sabendo que os vírus são primos próximos podem-se usar muitos conhecimentos já avançadíssimos sobre o vírus da hepatite C, para a dengue).

O caminho até a cura da dengue ainda é longo, mas será muito mais curto do que sem a descoberta.

No Brasil, ninguém o levaria a sério porque ele não tem idade nem para poder entrar para uma faculdade, como, de resto, não levaram o Portellinha, sobre quem comentei n’O Estadão em "Deixem o Portellinha estudar em paz," (O Estado de São Paulo, 12 de março de 2008, pág 2). Apesar de aprovado no vestibular de direito com sete anos de idade, Portellinha foi impedido, pelo lobby da OAB e pela lei, de entrar para a universidade.

O interesse dos burocratecas do MEC está em formalidades e papelório.

O currículo oficial do CNPq registra minúcias da vida de professores que me lembram o que meu amigo Lorenzo Meyer, historiador mexicano, chamava de ridiculum vitae.

Qualquer atividade acadêmica exige um papel assinado por alguém atestando que aquilo é verdade. Vou além de Simon: o pouco tempo que sobra de tentar publicar artigos que não serão lidos por ninguém é consumido correndo atrás de papelório inútil.

Tomara que Bill Gates e Steven Jobs não percam seus empregos, pois poderemos continuar a curtir nossos produtos Microsoft e nossos Macs e iPhones.

No Brasil, Bill Gates e Steven Jobs não teriam tempo para inventar nada. Perderiam seu tempo correndo atrás dos certificados que os legitimaria perante a burritzia nacional.

As invenções, ora, as invenções... são coisas de gringo... Aqui basta uma política industrial para dar dinheiro aos amigos do rei.

Quando a lei e os oligopólios de proteção profissional impedem o progresso de alguém porque não passou pelos rituais de iniciação, fica mais fácil entender porque o Brasil não tem nenhum prêmio Nobel, em nenhum campo.
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*Alexandre Barros é cientista político (PhD, University of Chicago) e diretor-gerente da Early Warning: Políticas Públicas e Risco Político (Brasília - DF), além de colaborador regular d’O Estado de São Paulo. Ele pode ser contactado em alex@eaw.com.br.
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Original no endereço: http://www.ordemlivre.org/node/970 - Acesso em 26/5/2010

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