terça-feira, 31 de agosto de 2010

O centésimo macaco

Ressonância mórfica: a teoria do centésimo macaco


Na biologia, surge uma nova hipótese que promete revolucionar toda a ciência

Por José Tadeu Arantes
Era uma vez duas ilhas tropicais, habitadas pela mesma espécie de macaco, mas sem qualquer contato perceptível entre si. Depois de várias tentativas e erros, um esperto símio da ilha “A” descobre uma maneira engenhosa de quebrar cocos, que lhe permite aproveitar melhor a água e a polpa. Ninguém jamais havia quebrado cocos dessa forma. Por imitação, o procedimento rapidamente se difunde entre os seus companheiros e logo uma população crítica de 99 macacos domina a nova metodologia. Quando o centésimo símio da ilha “A” aprende a técnica recém-descoberta, os macacos da ilha “B” começam espontaneamente a quebrar cocos da mesma maneira.
Não houve nenhuma comunicação convencional entre as duas populações: o conhecimento simplesmente se incorporou aos hábitos da espécie. Este é uma história fictícia, não um relato verdadeiro. Numa versão alternativa, em vez de quebrarem cocos, os macacos aprendem a lavar raízes antes de comê-las. De um modo ou de outro, porém, ela ilustra uma das mais ousadas e instigantes idéias científicas da atualidade: a hipótese dos “campos mórficos”, proposta pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake. Segundo o cientista, os campos mórficos são estruturas que se estendem no espaço-tempo e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material.
Átomos, moléculas, cristais, organelas, células, tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas entidades estaria associada a um campo mórfico específico. São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes.
Sua atuação é semelhante à dos campos magnéticos, da física. Quando colocamos uma folha de papel sobre um ímã e espalhamos pó de ferro em cima dela, os grânulos metálicos distribuem-se ao longo de linhas geometricamente precisas. Isso acontece porque o campo magnético do ímã afeta toda a região à sua volta. Não podemos percebê-lo diretamente, mas somos capazes de detectar sua presença por meio do efeito que ele produz, direcionando as partículas de ferro. De modo parecido, os campos mórficos distribuem-se imperceptivelmente pelo espaço-tempo, conectando todos os sistemas individuais que a eles estão associados. A analogia termina aqui, porém. Porque, ao contrário dos campos físicos, os campos mórficos de Sheldrake não envolvem transmissão de energia. Por isso, sua intensidade não decai com o quadrado da distância, como ocorre, por exemplo, com os campos gravitacional e eletromagnético. O que se transmite através deles é pura informação. É isso que nos mostra o exemplo dos macacos. Nele, o conhecimento adquirido por um conjunto de indivíduos agrega-se ao patrimônio coletivo, provocando um acréscimo de consciência que passa a ser compartilhado por toda a espécie.

Até os cristais
O processo responsável por essa coletivização da informação foi batizado por Sheldrake com o nome de “ressonância mórfica”. Por meio dela, as informações se propagam no interior do campo mórfico, alimentando uma espécie de memória coletiva. Em nosso exemplo, a ressonância mórfica entre macacos da mesma espécie teria feito com que a nova técnica de quebrar cocos chegasse à ilha “B”, sem que para isso fosse utilizado qualquer meio usual de transmissão de informações.
Parece telepatia. Mas não é. Porque, tal como a conhecemos, a telepatia é uma atividade mental superior, focalizada e intencional que relaciona dois ou mais indivíduos da espécie humana. A ressonância mórfica, ao contrário, é um processo básico, difuso e não-intencional que articula coletividades de qualquer tipo. Sheldrake apresenta um exemplo desconcertante dessa propriedade.
Quando uma nova substância química é sintetizada em laboratório – diz ele -, não existe nenhum precedente que determine a maneira exata de como ela deverá cristalizar-se. Dependendo das características da molécula, várias formas de cristalização são possíveis. Por acaso ou pela intervenção de fatores puramente circunstanciais, uma dessas possibilidades se efetiva e a substância segue um padrão determinado de cristalização. Uma vez que isso ocorra, porém, um novo campo mórfico passa a existir. A partir de então, a ressonância mórfica gerada pelos primeiros cristais faz com que a ocorrência do mesmo padrão de cristalização se torne mais provável em qualquer laboratório do mundo. E quanto mais vezes ele se efetivar, maior será a probabilidade de que aconteça novamente em experimentos futuros.
Com afirmações como essa, não espanta que a hipótese de Sheldrake tenha causado tanta polêmica. Em 1981, quando ele publicou seu primeiro livro, A New Science of Life (Uma nova ciência da vida), a obra foi recebida de maneira diametralmente oposta pelas duas principais revistas científicas da Inglaterra. Enquanto a New Scientist elogiava o trabalho como “uma importante pesquisa científica”, a Nature o considerava “o melhor candidato à fogueira em muitos anos”.
Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge e dono de uma larga experiência de vida, Sheldrake já era, então, suficientemente seguro de si para não se deixar destruir pelas críticas. Ele sabia muito bem que suas idéias heterodoxas não seriam aceitas com facilidade pela comunidade científica. Anos antes, havia experimentado uma pequena amostra disso, quando, na condição de pesquisador da Universidade de Cambridge e da Royal Society, lhe ocorreu pela primeira vez a hipótese dos campos mórficos. A idéia foi assimilada com entusiasmo por filósofos de mente aberta, mas Sheldrake virou motivo de gozação entre seus colegas biólogos. Cada vez que dizia alguma coisa do tipo “eu preciso telefonar”, eles retrucavam com um “telefonar para quê? Comunique-se por ressonância mórfica”.
Era uma brincadeira amistosa, mas traduzia o desconforto da comunidade científica diante de uma hipótese que trombava de frente com a visão de mundo dominante. Afinal, a corrente majoritária da biologia vangloriava-se de reduzir a atividade dos organismos vivos à mera interação físico-química entre moléculas e fazia do DNA uma resposta para todos os mistérios da vida. A realidade, porém, é exuberante demais para caber na saia justa do figurino reducionista.
Exemplo disso é o processo de diferenciação e especialização celular que caracteriza o desenvolvimento embrionário. Como explicar que um aglomerado de células absolutamente iguais, dotadas do mesmo patrimônio genético, dê origem a um organismo complexo, no qual órgãos diferentes e especializados se formam, com precisão milimétrica, no lugar certo e no momento adequado?
A biologia reducionista diz que isso se deve à ativação ou inativação de genes específicos e que tal fato depende das interações de cada célula com sua vizinhança (entendendo-se por vizinhança as outras células do aglomerado e o meio ambiente). É preciso estar completamente entorpecido por um sistema de crenças para engolir uma “explicação” dessas. Como é que interações entre partes vizinhas, sujeitas a tantos fatores casuais ou acidentais, podem produzir um resultado de conjunto tão exato e previsível? Com todos os defeitos que possa ter, a hipótese dos campos mórficos é bem mais plausível. Uma estrutura espaço-temporal desse tipo direcionaria a diferenciação celular, fornecendo uma espécie de roteiro básico ou matriz para a ativação ou inativação dos genes.

Ação modesta
A biologia reducionista transformou o DNA numa cartola de mágico, da qual é possível tirar qualquer coisa. Na vida real, porém, a atuação do DNA é bem mais modesta. O código genético nele inscrito coordena a síntese das proteínas, determinando a seqüência exata dos aminoácidos na construção dessas macromoléculas. Os genes ditam essa estrutura primária e ponto. “A maneira como as proteínas se distribuem dentro das células, as células nos tecidos, os tecidos nos órgãos e os órgãos nos organismos não estão programadas no código genético”, afirma Sheldrake. “Dados os genes corretos, e portanto as proteínas adequadas, supõe-se que o organismo, de alguma maneira, se monte automaticamente. Isso é mais ou menos o mesmo que enviar, na ocasião certa, os materiais corretos para um local de construção e esperar que a casa se construa espontaneamente.”
A morfogênese, isto é, a modelagem formal de sistemas biológicos como as células, os tecidos, os órgãos e os organismos seria ditada por um tipo particular de campo mórfico: os chamados “campos morfogenéticos”. Se as proteínas correspondem ao material de construção, os “campos morfogenéticos” desempenham um papel semelhante ao da planta do edifício. Devemos ter claras, porém, as limitações dessa analogia. Porque a planta é um conjunto estático de informações, que só pode ser implementado pela força de trabalho dos operários envolvidos na construção. Os campos morfogenéticos, ao contrário, estão eles mesmos em permanente interação com os sistemas vivos e se transformam o tempo todo graças ao processo de ressonância mórfica.
Tanto quanto a diferenciação celular, a regeneração de organismos simples é um outro fenômeno que desafia a biologia reducionista e conspira a favor da hipótese dos campos morfogenéticos. Ela ocorre em espécies como a dos platelmintos, por exemplo. Se um animal desses for cortado em pedaços, cada parte se transforma num organismo completo.

Forma original
O sucesso da operação independe da forma como o pequeno verme é seccionado. O paradigma científico mecanicista, herdado do filósofo francês René Descartes (1596-1650), capota desastrosamente diante de um caso assim. Porque Descartes concebia os animais como autômatos e uma máquina perde a integridade e deixa de funcionar se algumas de suas peças forem retiradas. Um organismo como o platelminto, ao contrário, parece estar associado a uma matriz invisível, que lhe permite regenerar sua forma original mesmo que partes importantes sejam removidas.
A hipótese dos campos morfogenéticos é bem anterior a Sheldrake, tendo surgido nas cabeças de vários biólogos durante a década de 20. O que Sheldrake fez foi generalizar essa idéia, elaborando o conceito mais amplo de campos mórficos, aplicável a todos os sistemas naturais e não apenas aos entes biológicos. Propôs também a existência do processo de ressonância mórfica, como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos. Não é difícil perceber os impactos que tal processo teria na vida humana. “Experimentos em psicologia mostram que é mais fácil aprender o que outras pessoas já aprenderam”, informa Sheldrake.
Ele mesmo vem fazendo interessantes experimentos nessa área. Um deles mostrou que uma figura oculta numa ilustração em alto contraste torna-se mais fácil de perceber depois de ter sido percebida por várias pessoas. Isso foi verificado numa pesquisa realizada entre populações da Europa, das Américas e da África em 1983. Em duas ocasiões, os pesquisadores mostraram ilustrações a pessoas que não conheciam suas respectivas “soluções”. Entre uma enquete e outra, uma das figuras e sua “resposta” foram transmitidas pela TV. Verificou-se que o índice de acerto na segunda mostra subiu 76% para esta ilustração, contra apenas 9% para a ilustração não mostrada na TV.

Aprendizado
Se for definitivamente comprovado que os conteúdos mentais se transmitem imperceptivelmente de pessoa a pessoa, essa propriedade terá aplicações óbvias no domínio da educação. “Métodos educacionais que realcem o processo de ressonância mórfica podem levar a uma notável aceleração do aprendizado”, conjectura Sheldrake. E essa possibilidade vem sendo testada na Ross School, uma escola experimental de Nova York dirigida pelo matemático e filósofo Ralph Abraham.
Outra conseqüência ocorreria no campo da psicologia. Teorias psicológicas como as de Carl Gustav Jung e Stanislav Grof, que enfatizam as dimensões coletivas ou transpessoais da psique, receberiam um notável reforço, em contraposição ao modelo reducionista de Sigmund Freud.
Sem excluir outros fatores, o processo de ressonância mórfica forneceria um novo e importante ingrediente para a compreensão de patologias coletivas, como o sadomasoquismo e os cultos da morbidez e da violência, que assumiram proporções epidêmicas no mundo contemporâneo, e poderia propiciar a criação de métodos mais efetivos de terapia.
“A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer padrão repetitivo, seja ele bom ou mal”, afirmou Sheldrake. “Por isso, cada um de nós é mais responsável do que imagina. Pois nossas ações podem influenciar os outros e serem repetidas”.
De todas as aplicações da ressonância mórfica, porém, as mais fantásticas insinuam-se no domínio da tecnologia. Computadores quânticos, cujo funcionamento comporta uma grande margem de indeterminação, seriam conectados por ressonância mórfica, produzindo sistemas em permanente transformação. “Isso poderia tornar-se uma das tecnologias dominantes do novo milênio”, entusiasma-se Sheldrake.

Descubra as figuras ocultas
Um experimento coordenado por Sheldrake mostrou que é mais fácil identificar uma figura oculta numa ilustração em alto contraste depois de ela já ter sido percebida por outras pessoas. O índice de acerto para uma ilustração cresceu 76% depois de ela ter sido transmitida pela televisão. O de outra ilustração, que não foi televisionada, subiu apenas 9%. A enquete foi realizada na Europa, nas Américas e na África e as pessoas entrevistadas não conheciam de antemão as “respostas”. Outras duas ilustrações, estão sendo publicadas atualmente na Internet pela revista espanhola El Mercurio.

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