''Darwin errou, e a seleção natural não explica tudo''
Professor, mas como é possível intitular um livro de "Gli errori di Darwin" [Os erros de Darwin], nos Estados Unidos de hoje, em plena polêmica criacionista? E imagine o que vai acontecer na Itália. O senhor diz que é uma leitura laica e científica. Mas não teme que acabe sendo instrumentalizado?
Olhe, chega dessa história de que dizendo a verdade se faz o jogo da oposição...
Não damos a mínima ao politicamente correto: pode-se dizer isso?
Talvez de um modo um pouquinho mais gentil.
Gentilmente, Massimo Piattelli-Palmarini, físico e biólogo, um dos maiores cognitivistas do mundo, professor da Universidade do Arizona, e Jerry Fodor, o filósofo e estudioso da linguagem, estraçalharam a seleção natural nas 264 páginas de "What Darwin Got Wrong" [Onde Darwin errou], o livro que, da Boston Review ao The Guardian, já é um sucesso mundial. Porque, se a seleção natural desaba, desabam também as traduções culturais do darwinismo.
"Foi justamente isso que nos levou a escrever esse livro. O enorme cansaço sentido durante anos com relação aos neodarwinianos na psicologia, na sociologia, na filosofia da linguagem, da mente: em todos os setores das ciências humanas".
A reportagem é do jornal La Repubblica, 29-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista:
Dê alguns nomes.
A tríade sagrada. Daniel Dennett, filósofo norte-americano, Richard Dawkins, biólogo inglês, Steven Pinker, canadense, psicólogo em Harward. Os três corifeus do neodarwinismo.
O que não está certo na evolução?
Por favor: a evolução é um fato. Não é mais uma hipótese, mas é um dado adquirido. O problema são os neodarwinianos que, com a seleção natural, pensam que podem explicar tudo.
Tentemos de novo: o que não está certo na seleção natural?
Primeiro, os chamados vínculos internos. Como ocorre a evolução biológica? A evo-devo[evolução do desenvolvimento] descobriu que os genes são substancialmente quase sempre os mesmos, há centenas de milhões de anos. Além dos babuínos, dividimos tudo com as moscas e os ratos. Naturalmente, quanto maiores são os vínculos internos, maior é a estrutura genética que condiciona o desenvolvimento. Menor é, portanto, a importância da seleção natural.
Ponto dois.
Física e química nos dizem que os princípios de auto-organização comuns a tantas espécies não têm nada a ver com a seleção natural. A lei da gravidade, por exemplo: é uma lei da física. Existe uma historinha que explica bem a atitude dos neodarwinianos que não se rendem. A criança pergunta ao pai: "Como é possível que, quando soltamos os objetos, eles caiam no chão?". E o pai neodarwiniano: "Porque aqueles que tendiam a voar se perderam na seleção natural".
Ponto três.
Dois grandes evolucionistas como Jay Gould e Richard Lewontin esclareceram há muito templo: traços muito diferentes entre si muitas vezes se desenvolvem juntos. É impossível dizer qual foi selecionado e qual só foi acompanhado.
Então essa seleção natural não explica nada?
Atenção: todos os anos, devemos nos vacinar novamente, porque os vírus mudam, e mudam em sua vantagem, e não em nossa. A seleção natural é uma realidade: mas não é o motor das espécies novas.
Resumindo: a evolução é um dado de fato, a seleção natural existe, mas não é o motor da evolução.
Não é o motor da especiação: da criação de novas espécies. Do aperfeiçoamento das espécies, sim. Da criação de subespécies, sim. Os únicos experimentos de evolução por seleção natural levaram à criação de subespécies. De um tipo de mosca da fruta foi criada a subespécie de mosca da fruta. De um tipo de sapo, um subtipo. Mas sempre se tratam de sapos e de moscas.
Portanto, a seleção natural não explica o princípio último?
Não explica a evolução biológica. Não explica a criação das espécies. Nós usamos uma metáfora: a seleção natural é o afinador do piano, não o compositor de sinfonias.
Então quem seria o compositor?
Muitos. Pela seleção natural, não é que haja só um outro princípio que o substitua: os mecanismos são múltiplos.
E, ao invés, os neodarwinianos continuam aplicando esse conceito onicompreensivo ao resto da ciência.
Tomemos a semântica. Daniel Dennett explica a linguagem com a adaptação, as necessidades essenciais, a reprodução, o alimento. Uma lorota enorme.
Richard Dawkins?
"Deus, um delírio" é um livro infausto. Eu sou ateu, integralmente ateu. Mas zombar da religião em nome de Darwin é algo infame.
E Steven Pinker?
O defensor da psicologia neodarwiniana. Explica tudo com os genes: do homicídio ao ciúme.
Professor, o senhor vive nos EUA e sabe bem que os jornais estão cheios desse tipo de interpretações científicas. Assim, tudo se desmonta.
Mas se eu lhe oferecer uma teoria neodarwiniana, digamos, da homossexualidade, é claro que no dia seguinte eu vou estar na primeira página do New York Times. Se, ao invés, eu lhe disser sabe-se lá o que, fatores múltiplos etc., não vou estar nem na primeira, nem na segunda, nem na 30ª página.
Que pena.
Outro caso famoso: a violência dentro casal, dentro das famílias. A violência dos pais com os filhos adotivos. A história darwiniana explica tudo. Gene contra gene...
E o que muda quando tiramos a seleção natural do pedestal?
As ciências sociais são reintroduzidas: a filosofia, a filosofia do direito, da estética. São reintroduzidos aqueles grandes temas que, por sorte, nunca morreram.
Nunca lhe perdoarão por isso.
Dou-lhe já um nome: Giorgio Bertorelle é o presidente da Sociedade Italiana de Biologia Evolucionista. Há alguns anos, ele tentou fazer com que os cientistas do mundo inteiro assinassem um manifesto. Contra mim. Isso chegou ao meu amigo Richard Lewontin. E ele: "Mas vocês são completamente loucos?".
Imaginemos então se o senhor se deparasse diretamente com Darwin.
Um gênio, por favor, e talvez é um pouquinho desonesto criticá-lo assim depois de 150 anos. Mas, no fundo, ele mesmo dizia que existem muitas coisas que a sua teoria não chegava a explicar.
Está dizendo que Darwin teria gostado do seu livro?
Bem, seguramente ele o entenderia.
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Original no site do Instituto Humanista Unisinos
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