domingo, 12 de julho de 2009

O Adeus - III


COLHENDO MORANGOS
Atendendo uma mulher que apresentava metástase de coluna o que vinha comprometendo a sua capacidade locomotora, fui procurada pela família que me pediu para trabalhar com ela o uso da cadeira de rodas. Havia um sofrimento muito grande nessa família em assumir essa nova condição como a única possível para locomoção da paciente. Fui para o encontro com essa mulher preparada para enfrentar uma sessão difícil. Tudo se deu diferente. Ela me falou do como já havia sido ruim, anteriormente, ter assumido as muletas como pernas acessórias e que, agora, seria, outra vez, perder mais um pouco.Para ela era extremamente sofrido se ver sentada, olhar o mundo de uma altura diferente da que estava acostumada, mas que conseguindo admitir esta possibilidade, ela podia vislumbrar o novo ângulo de admirar as coisas ao seu redor e que a cadeira de rodas seria a possibilidade que ela teria de não deixar de admirar o céu, de passear, de sentir o frescor da floresta e admirar a lagoa, coisas que ela considerava fundamentais para mantê-la viva, presente na vida. Abrir mão das suas pernas era doído, mas muito pior seria o confinamento. Ainda com lágrimas nos olhos pude vê-la se despedir de uma condição anterior que já não era para ela a ideal e assumir uma nova possibilidade que fosse capaz de não fazê-la abrir mão do que lhe era prioritário e que faziam-na se sentir participante da vida. Nessa sessão observei que a escala de prioridades de cada um é capaz de facilitar escolhas clarificando o que, na verdade, não se quer abrir mão e que a presteza da necessidade de uma decisão pode ser facilitadora para se enxergar uma saída e entrar em contato com algum benefício. Isso me fez lembrar de um Koan budista que conta: Um monge, certa vez, fugindo de um urso faminto, chega á beira de um penhasco e tem de decidir entre saltar e ser devorado. Resolve pular, mas no meio da queda, consegue se agarrar a uma raiz que escapava das pedras. Para piorar, quando o pobre monge olha para baixo, vê um tigre andando em círculos esperando que ele caia para atacá-lo. Exatamente nesse momento, dois esquilos em busca de comida começam a roer a raiz onde se agarrava. Com o urso em cima, o tigre embaixo e os esquilos ao lado, o monge avista, ao alcance de sua mão, uma moita de morangos silvestres com uma fruta bem grande vermelha, madura e suculenta. Ele come o morango e saboreia dizendo: - ”Que delícia!”
As situações de perda quando vividas em sua plenitude facilitam o contato com a possibilidade que alivia. A proximidade da dor parece propiciar o enxergar de um ajustamento criativo. Segundo Cavanellas (1998. p.14) “ qualquer organismo vivo, tem de crescer e atualizar-se, ajustando-se criativamente ao meio com o qual se relaciona. Esta é sua tendência natural, na qual ele se vê implicado com o mundo, mas na qual muitas vezes também se vê interrompido. Restabelecer esse fluxo vital encontra-se no cerne da Gestalt-terapia, que resolveu chamá-lo de awareness , termo que não se faz traduzir bem por nenhum outro em nossa língua, mas que diz respeito a uma espécie de consciência organísmica.”
O momento presente como vivicação de possibilidade parece aplanar a sensação de desequilíbrio, instaurando um processo de auto-regulação capaz de aliviar tensão e tornar possível as escolhas. Como gestalt-terapeuta presencio esse acontecer confiando que é o outro que sabe o que de melhor tem a fazer. Cavanellas (1998.p.15) diz que: ”O desabrochar se dá a partir de si mesmo, na direção indicada por seu potencial criador e único em suas raízes e desenvolvimento pessoal. O olhar do terapeuta talvez seja a luz em cuja presença torna-se possível vislumbrar o desvelamento e compreender-lhe o sentido”.
A necessidade de uma estabilidade após cada situação de perda, experenciada como desequilíbrio, tem me aparecido como a capacidade do ser humano de fazer, desfazer e refazer, de compor, descompor e recompor, de lidar com problemas e soluções, de se fragilizar e se fortalecer, de encontrar caminhos onde não pareciam existir, de continuar a sentir seu pulsar de vida. Ostrower (2001.p.99) escreve que: “para o ser humano, o equilíbrio interno não é um dado fixo. Nem se trata de uma abstração ou de uma conceituação de um estado ideal. O equilíbrio é algo que a todo instante precisa ser reconquistado. Trata-se de um processo vivido, um processo contínuo onde as coisas se propõem a partir de uma experiência e onde, ao se organizarem os termos da experiência, já se parte para uma outra experiência, mais ampla. No fluir da vida, nos sucessivos eventos externos e internos que nos mobilizam, cada momento de estabilidade é imediatamente questionado. Cada situação que se vive, cada ação física ou psíquica, cada emoção e cada pensamento desequilibra algum estado anterior. ... Esses desequilíbrios em busca de equilíbrio são inevitáveis. São da essência do viver. São do nosso crescimento e desenvolvimento. Integram o conteúdo de nossas experiências, de nossas motivações e de nossas possibilidades reais. Traduzem para nós a presença vária de forças desiguais e intercorrentes em nós, de princípios talvez de oposição, originando ímpetos vitais que nos impulsionam a agir, a superar os obstáculos, a compreender e a criar”.
Autora:
Magda Campos Dudenhoeffer
Psicóloga – Gestalt-terapeuta
Rua Visconde de Caravelas,91 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ – CEP 22271-030

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