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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A quarta maçã


Nasci em 1956 em Bauru, no interior de São Paulo, numa família católica apostólica romana. Cresci sob a moral cristã num contexto em que uma maçã teve peso absoluto. Foi experimentando uma que Adão e Eva desobedeceram a uma ordem divina e foram expulsos do Paraíso. Mesmo que você argumente que Adão e Eva são apenas uma alegoria e que nada daquilo existiu de fato, aquela maçã determinou um momento de virada que influenciou a história da humanidade e a formação moral de milhões de pessoas. 

Sou o que sou como reflexo daquela primeira maçã.

Em 1965, com nove anos de idade, ganhei um compacto duplo com quatro músicas: Help!, I´m down, Not a Second Time e Till There Was You, de uma banda chamada The Beatles. Mas eu era muito jovem para entender aquilo. Foi só a partir de 1969, aos 13 anos, depois de ganhar um elepê chamado The Beatles, que percebi que algo diferente acontecia no mundo. E comecei a trilhar um caminho no qual meu modo de vestir, de dançar, de pentear o cabelo comprido, de falar e de interagir com os amigos e com a família entrava em choque com a geração de meus pais. O mundo estava em revolução. Vietnan, Rock´n Roll, as drogas, os hippies, a contracultura, os quadrinhos, o cinema, tudo mudou. Mas foi aquele disquinho de 1969 que abriu meus olhos para o que estava acontecendo. Ah, sim, aquele elepê foi editado por um selo novíssimo chamado... Apple.

Sou o que sou como reflexo daquela segunda maçã.

Cresci, fiz minhas escolhas e nos anos oitenta fui trabalhar como executivo numa multinacional de autopeças. Em 1986, produzindo um anúncio em homenagem à Volkswagem, fui a uma agência de criação onde conheci uma novidade: um computador Macintosh. Assisti maravilhado o artista fazendo diabruras com o logotipo da empresa, botando abaixo tudo aquilo que eu conhecia de fotomontagem, pasteup, letraset e fotolitos. Uma máquina com um design diferente, tela em preto e branco, um mouse e capacidade de fazer coisas que a gente via na tela antes de ter o produto pronto! Eu sabia que naquele momento minha vida começava a mudar. O computador passou a ser minha ferramenta indispensável para pesquisar, brincar, criar e me comunicar. Mudei a forma de trabalhar, a forma de pensar, a forma de me relacionar com o mundo. Depois veio o IPod com o ITunes, a base da tecnologia que me possibilitou criar o podcast Café Brasil. E por fim, o IPhone e o IPad. Nunca me cansei de admirar aquela turma capaz de criar coisas com as quais a gente nem mesmo sonhava... Ah, o nome da empresa é Apple.

Sou o que sou como reflexo dessa terceira maçã.

Ontem morreu Steve Jobs, o gênio criador da Apple, um espetacular editor de idéias que sabia antes da gente o que é que a gente queria. Não tenho dúvidas que junto com ele morreu muito do espírito inquieto que fez da Apple a empresa revolucionária que mudou a vida até de quem não sabe o que é um computador. 

Mas hoje acordei com uma dúvida...

Qual será a quarta maçã?

Luciano Pires

sábado, 22 de janeiro de 2011

A síndrome do consenso

O Jornal Nacional teve em 2010 o menor índice de audiência dos últimos dez anos. Explicações ideológicas virão, mas não vou aqui focar no conteúdo político e ideológico do telejornal. Alô patrulheiros, entenderam? Não vou tratar aqui do conteúdo político e ideológico.  Tratarei de questões formais com base no que aprendi como palestrante: faltam erros no JN. Explico.
O JN é um telejornal extremamente bem acabado do ponto de vista estético. Soberbo. Reúne alguns dos melhores e mais experientes jornalistas brasileiros. É visível que cada fração de segundo é controlada. Tempos atrás o editor-chefe e apresentador Willian Bonner foi acusado de chamar os telespectadores do JN de "Hommers Simpsons", em alusão ao personagem do desenho animado que é um sujeito medíocre. Foi um escândalo, Bonner se esmerou em esgrimar as palavras para tentar dizer que não era bem assim, mas sabemos que é assim. E aí está a pista para a queda do JN: a “Síndrome do Consenso”.

A Síndrome do Consenso é uma doença que acomete quem quer audiência cavalar (asinina deveria ser o termo): tem que agradar a gregos e troianos, tem que falar para o índio do Xingú, para a dona Maria de Nazaré das Farinhas e para o executivo da avenida Paulista. Então não pode ser erudito demais. Nem popular demais. Tira o sal, a pimenta... o tempero. Nivela até transformar em algo parecido com leite desnatado: aguado, sem gosto, sem graça. Sorrisos irônicos, expressões de medo, angústia, raiva ou indignação por parte dos apresentadores são proibidos por causa das patrulhas. Comentários pessoais então... 

E assim vemos uma coisa cada vez mais perfeita. E menos humana.

O surgimento em 2010 do Tiago Leifert, o garoto que revolucionou o jeito de apresentar o Globo Esporte, parece que não ensinou nada para a Globo. Muito diferente dos “mauricinhos” certinhos que o precederam, Tiago levou ao ar o espírito de um garotão - divertido, bonachão e irreverente. Imprevisível. Tremendo sucesso. O mesmo sucesso que fez o pessoal do Pânico quando encheu a tela de gente politicamente incorreta. O CQC foi na mesma linha. E se voltarmos no tempo, Chacrinha era assim. Faustão lá no Perdidos na Noite era assim. Quando surgiu, Ratinho era assim. Todos excessivos, escrachados, opiniáticos, não preocupados em ficar na média, sendo amados ou odiados, mas provocando e indignando.

Não acho que seja preciso ir a extremos, mas eu adoraria ver alguém de carne e osso, que faça xixi e cocô, apresentando o JN! Alguém que ri, chora e fica indignado. Alguém que erre! Que transmita a vibração do mundo real. To de saco cheio do bando de robôs lindos e desprovidos de sentimentos.

Pois é... Mas um ser humano com liberdade para verter lágrimas ou demonstrar ironia no comando do telejornal mais importante do Brasil agregaria uma carga de instabilidade e imprevisibilidade impossível de ser aceita pelos patrulheiros de plantão. Dentro e fora da Globo.  

Por isso não vi novidade quando soube que o JN perdeu um em cada quatro espectadores nos últimos dez anos. 

O JN não tolera erros. E quem não erra, humano não é.

Luciano Pires

sábado, 1 de janeiro de 2011

De volta pro futuro

Em minha palestra A FÓRMULA DA INOVAÇÃO, falo como somos focados nas experiências passadas enquanto deixamos de lado as expectativas futuras. Parece que só conseguimos gerenciar o passado, enquanto é no futuro que estão as oportunidades. Conhecer as expectativas é, portanto, fundamental. Quer ver?

“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há principio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!”
Eça de Queirós, no primeiro número da publicação “As Farpas”, em 1871. E este aqui?

“O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas públicas devem ser reduzidas. A arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos, se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar em vez de viver por conta do governo.”
Marcus Tulius Cícero em Roma, 55 anos antes de Cristo...

Quanto mais leio, mais me convenço de que todos os problemas do mundo já foram apontados, discutidos e tiveram propostas para solução registradas há milênios. O passado ensina. Ensina, por exemplo, que os temas que nos deixam indignados hoje são tão antigos quanto a humanidade. Que a questãoda ética tem a ver com a natureza humana e não com o Brasil do novo milênio. Que gente mal intencionada, mal preparada, mal educada, sempre existiu.

A pergunta fundamental, portanto, deveria ser: “Agora que já conhecemos as experiências passadas, quando é que começaremos a lidar com as expectativas futuras?”Gerenciar o passado é impossível. Mas gerenciar o futuro, não.Quando é que vamos tratar das questões que estão por vir? Focar naquilo que esperamos que aconteça e evoluir dos instrumentos e processos que focam o passado para os que determinam o futuro?

Experiências passadas versus expectativas futuras. Como Marcus Tulius,Cícero e Eça de Queirós, muito mais gente deu as pistas. Mas parece que não ouvimos. Que triste sina. Em vez de aprender com o passado, teimamos em viver nele. Ou dele.


Luciano Pires

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Homeostase Brasileira

Tentando desvendar o que anda acontecendo com meu Brasil varonil, mergulhei na psicologia. Quem sabe estudando a gente eu entendo o país? Pois encontrei uma coisa preciosa sobre a qual você – se não for do ramo - talvez nunca tenha ouvido falar: a homeostase.

Homeostase é a propriedade de um sistema, em especial dos seres vivos, de se regular internamente para manter o organismo equilibrado. Por exemplo, quando a temperatura sobe, seu corpo avisa: calor! E você começa a transpirar. É a homeostase atuando para manter sua temperatura interna equilibrada.

O ar está seco? Seu corpo pede: água! Você sente sede e precisa tomar um gole para hidratar-se e manter o organismo equilibrado.

É a homeostase que explica nossa necessidade de sal, água, comida e oxigênio.

Hoje em dia, além de em seres vivos, a homeostase já é usada para explicar certos comportamentos de indivíduos ou grupos de pessoas em relação a contextos externos. O termo entrou na moda definitivamente nos anos sessenta depois que o ambientalista James Lovelock anunciou sua Hipótese de Gaia, propondo que o planeta Terra é um sistema complexo, um organismo vivo e inteligente que pratica a homeostase para manter-se em equilíbrio. Assim, as grandes catástrofes naturais seriam manifestações da busca da estabilidade do planeta. Fascinante, não?

Pois então... Parodiando Lovelock, eu acho que o Brasil também é um sistema, constituído por um território, quase 200 milhões de indivíduos e suas interações. O Brasil é um organismo vivo! E está desequilibrado. 

Depois do terrível aprendizado dos anos da alta inflação, fomos treinados a dar atenção apenas à economia. E hoje temos indicadores econômicos aparentemente muito positivos, mostrando que conseguimos equilibrar nossas contas, estimular nossos mercado e proteger nossa economia. Estamos economicamente robustos e em franco desenvolvimento econômico. Mas a economia é apenas um dos “órgãos” do Brasil. E nem de longe o mais importante.

Como é que está o equilíbrio do “organismo Brasil” na área política? Na social? E na cultural? Na ambiental? Na justiça? Na educação? Esses “órgãos” são interdependentes e estar bem na economia não garante o equilíbrio do sistema, sacou?

Por isso começamos a ver algumas manifestações da homeostase do Brasil. A violência é uma delas. Como uma espécie de febre, é um indicativo de que algo não vai bem no organismo social brasileiro, que não consegue se curar sozinho. 
A burrice institucionalizada é outra. Um indicativo de que na área cultural algo anda desequilibrado. E o organismo não consegue se curar sozinho.
Mas onde o bicho pega mesmo é no equilíbrio moral, que há tempos foi para a cucuia. O organismo brasileiro está moralmente desequilibrado. Doente. E a homeostase brasileira não dá conta de equilibrá-lo.

Nosso organismo só será saudável quando todo o sistema estiver em equilíbrio. 

Tá na hora de tomar remédio.

Luciano Pires

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Mudando o mundo


Uma vez, logo no começo de minha vida profissional, levei um impresso para um cliente aprovar. Era um folheto que mostrava um loteamento numa cidade do litoral de São Paulo. No verso eu havia desenhado – na verdade feito um cartum - um mapa mostrando os caminhos para chegar até a tal cidade. Quando o cliente – um senhor de idade - viu o mapa, ficou fulo! Começou a gritar, dizendo que o mapa não tinha proporções, que uma estrada estava mais curta que a outra, que as cidades não estavam na localização correta, que aquilo estava tudo errado e tinha que ser feito de novo. O homem ficou uma fera e pela expressão do rosto do pessoal que trabalhava com ele, saquei que a coisa era séria. Já antevendo o prejuízo que eu tomaria se tivesse que fazer a arte e os fotolitos outra vez, arrisquei uma explicação ao indignado:
- Senhor fulano, este mapa é apenas ilustrativo. É só uma indicação artística para dar uma idéia de onde fica o loteamento.
O homem soltou um “ah, é artístico?”. E imediatamente parou de bufar, mudou a carranca para um quase sorriso e aprovou o folheto. E eu, que um segundo atrás estava tomando um esporro, não entendi nada...
Anos mais tarde é que fui compreender o que havia acontecido. Minha argumentação mudou a perspectiva do cliente, fazendo com que ele olhasse a situação sob outro ângulo.
Na teoria cognitiva, “perspectiva” é a escolha de uma referência a partir da qual procedemos à decodificação de uma experiência. Quer ver como é?
Uma vez ouvi uma história deliciosa sobre uma criança de oito anos que, durante um vôo comercial, corria pelo corredor, batia nas pessoas, fazia barulho, não parava quieta. É uma história que ilustra perfeitamente a questão da perspectiva. O sujeito que me contou, disse assim:

- “Os pais do moleque, moderninhos, deixavam o filho livre. O demônio quase derrubou meu laptop e uma xícara de café do sujeito que estava na poltrona ao lado. Até que um passageiro perdeu a calma e deu uma descompostura nos pais do garoto. Muito a contragosto os pais prenderam o moleque pelo cinto de segurança na poltrona e o obrigaram a ficar quieto. Então o diabinho começou a chorar, gritar e espernear. O escândalo era pior do que a bagunça pelos corredores, transformando o vôo num inferno. Aumentei o volume do fone de ouvido, mas não adiantou. De repente uma colega que estava sentada à minha frente chamou a aeromoça e lhe disse alguma coisa.
A aeromoça deu um sorriso e foi à cabine do piloto. Curioso, perguntei para a colega o que ela havia dito à comissária, e ela respondeu:
- Em vez de tentar resolver o nosso problema, deveríamos resolver o problema da criança.
Minutos depois o co-piloto apareceu no corredor e perguntou para o menino se ele gostaria de pilotar o avião. O diabinho olhou para o pai e para a mãe, sem acreditar no que ouvira. E pronto! Durante quase todo o resto do percurso o garoto ficou na cabine de comando, fingindo que pilotava o avião. E ninguém mais ouviu um pio do pentelhinho.“
Em vez de olhar o problema por nossa perspectiva, aquela moça olhou pela perspectiva do moleque...
Mudando a perspectiva, mudamos o mundo.
Luciano Pires

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ISO sim, Excelência

Aproveitando a eleição do Excelentíssimo Deputado Federal Tiririca, reciclarei um artigo que publiquei em 2005 e que me rendeu previsíveis xingamentos por parte dos “ justiceiros sociais”: elitista, direitista, fascista e aquelas coisas que vocês já conhecem. Mas o artigo nunca esteve tão atualizado.
Se eu quiser exercer medicina, não posso. Preciso do diploma, obtido depois de pelo menos sete anos de estudo. Se eu quiser advogar, não posso. Preciso de diploma e exame da Ordem dos Advogados. Se eu quiser “engenheirar”, não posso. Preciso do diploma de engenheiro. Se eu quiser ser gari, não posso. Tenho que ter diplomas básicos e passar por um teste físico.Mas se eu quiser ser vereador, deputado, senador ou presidente da república, eu posso. Ninguém me pede credenciais. Diplomas. Nem mesmo testes físicos, apesar do poder dessas funções de impactar nossa vida.Daí o deprimente espetáculo protagonizado por atores que elegemos, vários deles falando um português sofrível, revelando ignorância generalizada e valores morais questionáveis. E transformando política em balcão de trocas.

Pois tive uma idéia que nem original deve ser: a ISO Política. A série ISO é uma família de padrões de gerenciamento da qualidade desenvolvida em 1987. Um escritório central em Genebra coordena o processo e publica os padrões que, quando seguidos, garantem que a empresa tem um sistema de gerenciamento de qualidade adequado. Para a certificação as empresas devem comprovar aos auditores da ISO que documentaram criteriosamente seus processos e seguem o sistema de forma consistente. E de tempos em tempos as empresas precisam se certificar novamente, comprovando que continuam mantendo os processos alinhados aos padrões. Muitos órgãos governamentais e empresas exigem conformidade com padrões ISO de seus fornecedores. Sem ISO, não tem negócio. A ISO é responsável por uma evolução sem precedentes do padrão de qualidade dos produtos e serviços brasileiros desde o início dos anos 90.

Pois bem, então que tal criar uma ISO Política? Uma instituição como a Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, desenvolveria os padrões para quem quer se dedicar a cargos públicos. Qualquer candidato a vereador, deputado, senador, etc. teria a oportunidade de obter a certificação. Mas para isso precisaria ter noções de política. Economia. Português. Administração. Ética. Atendimento a clientes. Leis. Política...
A ISO Política seria propagandeada maciçamente, até se transformar num selo de qualidade. E quem conseguisse a certificação ostentaria o selo com orgulho:
- Olha, eu tenho a ISO Política, viu? Quem banca o processo? Nós. Eu. Você. Com o maior gosto. O custo dele seria infinitamente menor que os prejuízos hoje causados pela ignorância e incompetência das excelências que elegemos.
Qualquer pessoa poderia se candidatar, mas eu só votaria em quem tem ISO, sacou?
É claro que o certificado não garante a boa intenção ou retidão moral do candidato, mas ao menos saberemos que ele passou por um vestibular que o obrigou a aprender o que faz um deputado. 
Ou no mínimo teríamos certeza que Vossa Excelência sabe ler e escrever.

Luciano Pires

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O gatilho


Meu amigo Minás escreve: “Quando eu tinha oito anos e estava no primeiro ano da escola, ganhei um prêmio com uma redação. O prêmio foi o livro ‘Fábulas da Emília’, do Monteiro Lobato. Encadernado. Devorei e, na sequência, li todos os vinte volumes do Pica Pau Amarelo. Duas vezes! Meus pais temiam pela minha sanidade, porque eu não saía nem pra brincar... Receber o livro pelo correio, em meu nome... ah, acho que foi o dia mais feliz da minha vida.”
Que delícia de lembrança! Quando garoto me correspondi com vários amigos por carta. Eu tinha que comprar o papel almaço, envelope e selo. Depois escrever à mão, com cuidado para não errar. Dobrar, colocar no envelope e fechar, lambendo a goma arábica da aba. Outra lambida e pronto, era só grudar o selo e levar até o correio. Era um trabalhão, mas ainda não encontrei uma sensação melhor do que a chegada do carteiro com uma cartinha pra mim. Aquele papel em minhas mãos tinha valor! Era uma obra de artesanato, à qual alguém havia dedicado minutos – talvez horas – de cuidadosa execução. Só pra mim! E aquela execução demorada permitia uma profunda reflexão sobre o que estávamos escrevendo. Dava tempo de se arrepender...
Mas a quantidade de gente com quem eu me correspondia era limitada. Cinco ou seis amigos e parentes, e olhe lá.
Hoje, graças à internet, me correspondo com centenas, talvez milhares de amigos reais e virtuais! E o processo é rápido, com custo quase zero e resposta imediata. A chegada do carteiro, é verdade, perdeu a graça. Agora é um “ping” que indica a entrada de uma mensagem na caixa postal.
Revendo aquele penoso e prazeroso processo de décadas atrás, reparo na importância de um comando do e-mail que talvez seja o grande gatilho a impulsionar as transformações em nossas vidas: o botão “enviar”.
Ele pensa nela. Deixa a imaginação fluir num texto apaixonado, colocando pra fora todos seus desejos e expectativas, naquele jogo da conquista que é nutritivo e fonte da energia de viver. Aí, sem pestanejar, aperta o “enviar” e com um friozinho no estômago vê a mensagem disparada em direção ao coração da amada. A sorte está lançada, sua vida pode mudar a partir daquele momento. A resposta dela, pelo sim ou pelo não, apontará um rumo, uma transformação. Pela mágica do “enviar”.
Já outro “ele” faz tudo igual. Mas em vez do botão “enviar”, aperta o “salvar como rascunho” e vai tomar um café. Mais tarde mexe no texto, tira um pouco do impacto daqui, atenua aquela expressão exagerada ali, apaga aquela frase que o deixou envergonhado. E transforma seu sentimento puro em algo mais, digamos, suave. Pasteurizado. Só então aperta o “enviar”. Quando não se arrepende e aperta o “delete”. E sua vida continua como está.
O “enviar” é o gatilho que transforma reflexões em ação.
Portanto, quando escrever seu próximo email, pare e reflita antes de apertar o “enviar”. Valorize-o. Mereça-o. Pense nas mudanças que sua mensagem provocará na pessoa que vai recebê-la. Se concluir que nada vai mudar, talvez o “enviar” não valha a pena. Então releia a mensagem e inclua algo instigante, criativo, emocional, único, excepcional. Algo que faça do “enviar” uma ação positiva, que torne a vida de alguém mais alegre, mais motivada, mais culta, mais nutritiva. 
Só então o “enviar” terá valido a pena.
Pronto. Enviei.
Luciano Pires

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A imperfeição do perfeito

Recentemente escrevi um texto falando do Tico e do Teco empresarial: o Transtorno da Incompetência Compulsiva Obsessiva e o Transtorno da Excelência Compulsiva Obsessiva. Dois extremos de um mesmo problema: a incompetência empresarial. O conceito agora faz parte de minha nova palestra “Gente Criativa, Empresas Lucrativas”, na qual exercito algumas reflexões incômodas sobre como – num mundo em transformação – continuamos repetindo processos ultrapassados e comprovadamente ineficientes.

Na palestra monto o gráfico do Tico e Teco, que demonstra como a coisa acontece: toda empresa começa com o Tico, absolutamente incompetente, e vai aos poucos melhorando. Os funcionários vão se familiarizando com os processos, investimentos em equipamentos e pessoas são feitos e as coisas evoluem. Logo a empresa começa a se tornar competente e na busca por mais competitividade, implementa novos procedimentos. Chegam as Isos, QSs, Prêmios da Qualidade e dezenas de sistemas criados para controlar, comandar e garantir a qualidade. Os resultados aparecem! Inebriadas pelo sucesso as lideranças não percebem que atingiram o ponto de equilíbrio e querem mais! Investem em mais gente, mais processos, mais burocracia, controles, controles, controles. Nasce a sociedade da estabilidade, avessa a turbulências, a sustos, a imprevistos. Até chegar ao Teco: de tão excelente a empresa se torna incompetente...

Parece uma loucura, não é? Afinal, excelência e incompetência são incompatíveis! Pois é. Mas “incompatibilidade” é um conceito relativo quando se lida com seres vivos. E o Teco cria vida! Acredite: os processos agigantados e cada vez mais complexos ganham vida própria e a burocracia atinge níveis absurdos, transformando as pessoas em meras engrenagens. É quando surge um fenômeno curioso: torna-se cada vez mais difícil encontrar a raiz dos problemas no emaranhado de responsabilidades, interdependências e burocracia.

O grande sistema super-ultra-mega competente ganha vida própria e passa a se proteger, a se reproduzir, tem dores, tem febre, espirra e tem humores. E o inexplicável acontece: a empresa-símbolo de qualidade despenca com problemas de qualidade.

A saída? O grande escritor Rubem Alves deu a pista: “Rotinas e repetições paralisam o pensamento. Inteligência se alimenta de desafios. Sem desafios ela murcha, encolhe. O conhecimento só se inicia quando o familiar deixa de ser familiar, quando nos espantamos diante de um enigma. É no espanto que o pensamento começa”.  

Rubem está dizendo que se seu trabalho é uma rotina, não existe mais inteligência nele. Se sua vida é uma rotina, não existe mais inteligência nela. E rotina é tudo o que quer nossa sociedade da estabilidade, que não admite o espanto.  

Desenvolvemos a inteligência para criar os processos, mas somos fracos na inteligência para implementar e – principalmente - conduzir os processos. Buscando obsessivamente a estabilidade, tentamos reduzir a complexidade de nossas a vidas a números. Criamos roteiros-padrões perfeitos que entregamos a seres humanos imperfeitos, que não tem capacidade de julgamento e tomada de decisão para perceber as imperfeições do perfeito. 

Gente assim não conduz processos. É conduzida por eles.

Luciano Pires

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Perdedores honrados

No final de 2006 a coisa estava preta nos EUA para a matriz da multinacional na qual eu trabalhava. Um aviso global foi disparado para que todas as operações apertassem os cintos. Um dos diretores brasileiros colocou em questão a comemoração de final de ano que havíamos cuidadosamente planejado para nossos 5 mil funcionários. Afinal, se era para apertar o cinto não poderia haver festa, não é?

Fui a voz dissonante na diretoria, a “oposição”. Meu argumento era que estávamos terminando um ano em que nossas equipes foram duramente exigidas e reverteram um cenário ruim, obtendo resultados excelentes. Era hora de celebração e não de anti-clímax. Para mim, o preço da festa era infinitamente menor que o valor negativo do cancelamento. Não adiantou, “eles” venceram e a festa dançou. Quando o presidente anunciou o cancelamento, uma voz interior me gritou: “Não aceita! Não aceita!”. Mas a decisão da maioria fora tomada e eu tinha que aceitá-la. Mais que isso: a partir daquele momento eu – como diretor da empresa – teria que defender a decisão diante dos funcionários. Coube a mim, como Diretor de Comunicação, redigir o comunicado explicando o cancelamento. Tive que me desdobrar numa ginástica verbal para tentar transformar a decisão negativa num ato positivo e necessário.

Lembrei-me dessa história assim que foi anunciado o resultado da eleição presidencial de 2010 no Brasil. Mais uma vez fui voto vencido. Não gostei do resultado, tenho preocupações com o futuro, mas... vivemos num regime democrático no qual é normal que as pessoas façam escolhas entre um lado e outro. É assim que funciona e, como bom soldado, aceitarei o resultado e contribuirei para a harmonia do grupo. O que não pode ser aceito – sob nenhuma hipótese - é a perspectiva de que um lado elimine o outro. E essa intenção foi demonstrada – até mesmo verbalizada – várias vezes durante a campanha.

Vencer é democrático. Exterminar, não é.

Num regime democrático os perdedores honrados aceitam a derrota e fazem sua parte para manter a harmonia do grupo. Mas jamais devem abdicar de sua existência. Muito menos resignar-se. Os perdedores honrados precisam cumprir o papel fundamental de fiscalizar, de apontar os erros e excessos. Isso se chama “oposição” e é exatamente o que legitima a democracia.

Um regime sem oposição para lhe encher o saco, não é uma democracia.

Aos vencedores honrados cabe ouvir os “nãos” dos opositores e contrapor seus argumentos. A convivência entre vencedores honrados e perdedores honrados é necessária e – mais que isso - benéfica para o país.

E é isso o que sinceramente espero, embora nunca antes na história deste país a palavra “honra” tenha estado tão por baixo...

Só pra terminar a história: os brasileiros – sempre mais realistas que o rei - foram os únicos que cancelaram a comemoração de final de ano. E o nosso cancelamento não teve qualquer repercussão junto aos “chefes” lá de fora. É claro que não perdi a chance de soltar um: “eu não disse?” na primeira reunião.

Não adiantou nada, mas pelo menos enchi o saco deles.


Luciano Pires


quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pior que tá pode ficá?

Por Luciano Pires

- Pai, uns amigos meus estão de saco cheio. E vão votar no Tiririca!

Quando a Gabi, minha filha, disse essa frase durante o jantar, um filme se passou em minha mente. Já se foram 21 anos desde que eu – aos 32 anos de idade – exerci meu direito de votar para Presidente pela primeira vez. Com as eleições de Fernando Collor em 1989, FHC em 1994 e 1998 e Lula em 2002 e 2006, só tive cinco oportunidades para praticar o voto. Parece pouco, não é? E este é o primeiro ano que a Gabi vai votar. 

Expliquei que votar no palhaço Tiririca não é protesto coisa nenhuma. Nem mesmo gozação. Tiririca estava em seu canto quando um partido oportunista à cata de gente conhecida que rendesse votos, foi procurá-lo. Às favas com ideologias, valores e convicções, queremos é voto! Quem votar no Tiririca (e dizem que ele terá dois milhões de votos!) estará elegendo não só o palhaço, mas um monte de desconhecidos. Se você quer saber como isso funciona, leia em http://www.portalcafebrasil.com.br/forum/politica/com-quantos-votos-se-elege-um-deputado.

Votar no palhaço, na cantora, no boxeador ou no ex-jogador de futebol, assim como votar nulo ou em branco, não é protestar. Só é possível protestar “contra tudo que está aí” se você votar em gente decente. E se você não sabe quem é decente, entenda uma coisa: o problema é seu! Não adianta dizer que nada presta, que todo candidato é bandido. Isso é estupidez. Faça como você faz quando quer comprar um automóvel: pesquise, vá atrás, pergunte, compare. Existem centenas ou milhares de candidatos bons, honestos e dispostos a limpar a lama da política. São esses que merecem os nossos votos de protesto. De novo: se você não sabe quem são esses candidatos, o problema é seu!

E completei: Gabi, eleições são o momento em que você precisa seguir seus valores e convicções. Você tem vontade própria, não é uma máquina a serviço de um partido ou de uma ideologia. Você tem direito a escolher o que julgar melhor para você e para o país. Mas faça essa escolha de maneira consciente. Examine todos os lados. Cuidado com as unanimidades e com as certezas absolutas. Cuidado com quem promete o céu no futuro provocando o inferno no presente. Cuidado com quem transforma convicções políticas em fervor religioso. E jamais - eu disse JAMAIS! - troque sua liberdade por um punhado de dinheiro no bolso.
E finalizei: quando diante do bombardeio de notícias e opiniões, faça cinco perguntinhas:
1. Quem criou essa mensagem? 
2. Que técnicas criativas foram usadas para chamar minha atenção?
3. Se eu não fosse quem sou, não morasse onde moro, não tivesse a educação que tive, como é que eu entenderia essa mensagem?
4. Que valores, estilos de vida e pontos de vista estão representados ou foram omitidos dessa mensagem?
5. Por que essa mensagem está sendo enviada?

Essas cinco perguntas criam um estado de alerta para as armadilhas marqueteiras dos profissionais de comunicação a serviço dos partidos e candidatos. Com elas não garantimos nada, mas ajudamos a fazer com que “pior que tá num fique.”

E quer saber? Acho que cumpri meu papel. 

Voto da Gabi o Tiririca não terá!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Casimiro e o bauru

"Inovação como disciplina se pratica por meio do uso imaginativo - e não genial - de conhecimentos que estão ao alcance de todos. Para conceber novas maneiras de fazer velhas coisas.". Li essa frase num ótimo artigo do Clemente Nóbrega. Olha que legal! A inovação que não precisa de genialidade, que está na cara da gente, que precisa é de imaginação. É essa a inovação necessária, que está ao alcance de qualquer um a qualquer hora e em qualquer lugar...

Foi então que me lembrei de uma historinha que cabe como uma luva no conceito do Clemente: a criação do sanduíche Bauru.

Bauru... Sou de lá, portanto tenho um atributo raro: nasci numa cidade com nome de sanduíche. Jamais ganhei algo com isso a não ser a facilidade de denominar minha origem com um nome bastante familiar. Afinal, não estou falando de um sanduíche qualquer, mas do delicioso e nutritivo Bauru, que é marca de sanduíche muito antes dos BigMacs. Você pode não acreditar, mas o Bauru é internacionalmente conhecido. Eu mesmo vi num bar em Nova Iorque!  Não pedi o sanduíche deles, pois fiquei com medo, mas que deu um orgulho, isso deu...

Sempre que vou pra Bauru, dou uma parada no tradicional Bar do Skinão, onde é servido o Bauru como foi originalmente criado. Recentemente meu pai publicou em seu jornal Bauru Ilustrado uma bela reportagem contando como nasceu o sanduíche. Veja só:

Tudo começou com um estudante bauruense de Direito que vivia na cidade de São Paulo nos anos 30: Casimiro Pinto Neto. Casimiro era frequentador do famoso bar Ponto Chic, no Largo do Paissandú (está lá até hoje, meio caído mas ainda em funcionamento). Um dia, no final dos anos trinta (ninguém sabe precisar a data), Casimiro tomou contato com um livreto chamado "O Livro das Mãezinhas", uma daquelas publicações que décadas atrás serviram para mudar o quadro da saúde pública brasileira. O livreto foi escrito por Wladimir de Toledo Piza e ensinava as mães a equilibrar a dieta de seus bebês. Casimiro encantou-se com a forma didática com que Wladimir definia a combinação de proteínas, carboidratos, gorduras, minerais e vitaminas. Numa noite, chegando ao Ponto Chic, o bauruense anunciou: "Hoje vou receitar um sanduíche saudável". E pediu ao sanduicheiro Carlos: "Abra um pão francês, tire o miolo e bote um pouco de queijo derretido. Falta um pouco de albumina e proteína: coloque umas fatias de rosbife. Agora falta vitamina. Bote umas fatias de tomate." E assim foi. Naquela época (e acho que ainda um pouco hoje em dia), era costume chamar as pessoas pelo nome da cidade de onde vinham. Casimiro era o "Bauru". O sanduíche despertou o apetite dos companheiros de mesa que logo pediram: "Fulano, me faz um aí igual ao do Bauru.".

Pronto! Nasceu o sanduíche Bauru.

Com o tempo o pessoal do Ponto Chic incrementou a receita, com pepino em conserva e uma combinação de queijos fundidos, e o Bauru se transformou num sucesso. Depois algum gênio financeiro resolveu baratear o sanduíche e fez aquela coisa de pão de forma, muzzarela, presunto e tomate. E um oréganozinho pra disfarçar. Um Bauru esculachado, que ficou ainda mais popular.

Viu só? Num simples sanduíche um exemplo de como a imaginação pode transformar o trivial numa inovação. Aposto que Casimiro Pinto Neto não
tinha idéia de que estava criando um ícone da culinária nacional.

Mas sabe o que me ocorreu agora? Já pensou se tivessem botado no sanduíche o nome de Casimiro? Ou Pinto? Ou Neto?

Ainda bem que Casimiro era o Bauru...

Saiba mais sobre o Bauru acessando: 

Luciano Pires
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