sexta-feira, 30 de julho de 2010

Somos todos do bem - III

Ao menos é o que apregoa o psicólogo americano Dacher Keltner, professor da Universidade da Califórnia e autor de um estudo que contesta o ceticismo radical

Por Moisés Sznifer, de São Francisco

Quando você afirma que nascemos para o bem, não estaria emitindo um juízo moral sobre as emoções?_Isso contraria a tese de Richard Dawkins de que o gene não tem noção do bem e do mal, busca apenas sobreviver. Quando escrevi meu livro estava frustrado com Richard Dawkins, devido à sua obra O Gene Egoísta. Entendo que as emoções são morais. Sabemos, por exemplo, que o sentimento de repugnância é uma forma de condenar a pureza das ideias e do caráter das outras pessoas e até pode levar ao genocídio. Isto é um resultado imoral das emoções. Há todo um movimento que tentei resumir no livro, em que emoções como vergonha, raiva, asco e compaixão são apresentadas como manifestações de julgamento moral, o que é irrefutável. Também sabemos que essas emoções são moldadas pela evolução, e estamos descobrindo quais partes do corpo e da mente estão a elas vinculadas. Acabamos de publicar um estudo que mostra que há certos genes que ajudam a construir sistemas fisiológicos, que viabilizam essas emoções. Publicamos recentemente um artigo sobre um gene existente no terceiro cromossomo, que nos indica quão compassiva e calma uma pessoa pode permanecer ao lidar com o estresse. Penso então que Dawkins estava contaminado por uma ideologia quando escreveu que temos um gene egoísta. Há dados hoje que evidenciam a existência de genes não egoístas, interessados no bem dos outros e que, portanto, possuem um certo conteúdo moral. Penso que Dawkins está equivocado.
Se nascemos para ser bons, como explicar as atrocidades cometidas por Pizarro contra os incas, Hitler contra os judeus, Stalin contra os contestadores do regime, os Inquisidores contra os hereges; o racismo, os genocídios e a escravidão?_É uma das perguntas mais difíceis. Quando observamos nossa evolução, vemos as tendências genocidas e o comportamento de lutar e fugir integrados em nossas estruturas primitivas de mamíferos e de répteis. As coisas em que estou interessado – estupefação, estética, narrativa, compaixão e drama – são adições posteriores à nossa natureza evoluída. Claro que estamos sempre em conflito com outros, enquanto indivíduos e culturas. Creio que deveríamos nos perguntar profundamente como essas coisas surgem. Dias atrás julguei interessantes os comentários feitos por algumas pessoas ao abordarem este assunto. Chamaram minha atenção sobre as práticas punitivas dos pais, na Alemanha nazista. Pais puniam seus filhos com castigos corporais. Segundo esses observadores, foi essa cultura profundamente violenta, dos pais castigarem fisicamente as crianças, que permitiu a emergência do nazismo e isto, por sua vez, fez emergir uma violência nos processos cognitivos, no livre pensar. Um exemplo oposto: os chineses viajando no século 16, para a África, nunca tinham tido a ideia de escravizar os povos como faziam os europeus. É sobre evidências como estas que devemos pensar coletivamente.
Como você julga o trabalho do etologista Konrad Lorenz, que afirma que somos extremamente agressivos por natureza?_Sim, somos agressivos. Há realmente instintos agressivos que emergem, por exemplo, quando alguém se aproxima de nosso filho de uma forma ameaçadora. Há, também, estudos do neurologista Joseph LeDoux mostrando que, se vejo a figura de uma pessoa de um background étnico diferente do meu, minha amídala cerebral é acionada de imediato e impõe o ato reflexo de lutar ou fugir. É parte de quem somos. Mas o trabalho de Lorenz foi atualizado por Franz de Waal, ao estudar os aspectos relacionados a comportamentos sociais de primatas, sobre como resolvem conflitos, cooperam, têm aversão à iniquidade e compartilham alimentos. Parte de minha missão com o livro é realmente desafiar o leitor a concluir: sim, nós nascemos com esta agressividade da espécie e ela é parte da nossa cultura, mas vejam também o outro lado da história, os inúmeros exemplos de cooperação, solidariedade, alegria e amor.
Como o bem pode prevalecer na luta contra o mal?_Como resposta, darei alguns exemplos: sabemos que aqui nos Estados Unidos nossa unidade básica, a família – que está com problemas – tornou-se uma unidade frágil de socialização. Se você busca criar crianças boas, solidárias, você estará contribuindo para construir um mundo melhor. Haverá de contar histórias que versem sobre o amor, a bondade, a solidariedade, a compaixão. São as histórias que narramos antes da criança dormir. Precisamos ensinar a elas uma linguagem de emoção para fazer surgir esses conceitos. Outro exemplo: quando pensamos em Estados, países e nações, entendemos que a igualdade pode realmente nos ajudar. Sabemos que um Estado com um bom sistema legal elimina matanças por vingança, e transforma culturas baseadas em vingança em culturas de perdão. Há muitas conexões interessantes entre este material e a pergunta mais ampla de como se constrói uma sociedade melhor. ______________________

Original no endereço: http://bit.ly/cL7ZWV

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