quarta-feira, 30 de junho de 2010
terça-feira, 29 de junho de 2010
Esselentíssimo Juiz
Certa vez, ao transitar pelos corredores do fórum, fui chamado por um dos juízes ao seu gabinete.
- Olha só que erro ortográfico grosseiro temos nesta petição.
Estampado logo na primeira linha do petitório lia-se: 'Esselentíssimo Juiz'. Gargalhando, o magistrado lhe perguntou:
- Por acaso esse advogado foi seu aluno na Faculdade?
- Foi sim - reconheceu o mestre. Mas onde está o erro ortográfico a que o senhor se refere?
O juiz pareceu surpreso:
- Ora, meu caro, acaso você não sabe como se escreve a palavra Excelentíssimo?
Então explicou o catedrático:
- Acredito que a expressão pode significar duas coisas diferentes. Se o colega desejava se referir a excelência dos seus serviços, o erro ortográfico efetivamente é grosseiro. Entretanto, se fazia alusão à morosidade da prestação jurisdicional, o equívoco reside apenas na junção inapropriada de duas palavras.
O certo então seria dizer: “Esse lentíssimo juiz”.
Depois disso, aquele magistrado nunca mais aceitou o tratamento de 'Excelentíssimo Juiz', sem antes perguntar:
- Devo receber a expressão como extremo de excelência ou como superlativo de lento?
(Recebi por e-mail, sem a autoria)
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Que saudade!
José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João Del-Rei.
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Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João Del-Rei.
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Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres as visitas. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa. Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... Tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!
domingo, 27 de junho de 2010
Momento Manguaça Cultural
7
Você sabia?
Antigamente, no Brasil, para se ter melado, os escravos colocavam o caldo da cana-de-açúcar em um tacho e levavam ao fogo.
Não podiam parar de mexer até que uma consistência cremosa surgisse.
Porém um dia, cansados de tanto mexer e com serviços ainda por terminar, os escravos simplesmente pararam e o melado desandou.
O que fazer agora?
A saída que encontraram foi guardar o melado longe das vistas do feitor.
No dia seguinte, encontraram o melado azedo fermentado.
Não pensaram duas vezes e misturaram o tal melado azedo com o novo e levaram os dois ao fogo.
Resultado: o 'azedo' do melado antigo era álcool que aos poucos foi evaporando e formou no teto do engenho umas goteiras que pingavam constantemente.
Era a cachaça já formada que pingava. Daí o nome 'PINGA'.
Quando a pinga batia nas suas costas marcadas com as chibatadas dos feitores ardia muito, por isso deram o nome de 'ÁGUA-ARDENTE'
Caindo em seus rostos escorrendo até a boca, os escravos perceberam que, com a tal goteira, ficavam alegres e com vontade de dançar.
E sempre que queriam ficar alegres repetiam o processo.
(História contada no Museu do Homem do Nordeste).
sábado, 26 de junho de 2010
O império do consumo
Eduardo Galeano
(Jornalista e escritor uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina)
O sistema fala em nome de todos, dirige a todos as suas ordens imperiosas de consumo, difunde entre todos a febre compradora; mas sem remédio: para quase todos esta aventura começa e termina no écran do televisor. A maioria, que se endivida para ter coisas, termina por ter nada mais que dívidas para pagar dívidas as quais geram novas dívidas, e acaba a consumir fantasias que por vezes materializa delinquindo.
Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas para que outro mundo vamos mudar-nos?
A explosão do consumo no mundo actual faz mais ruído do que todas as guerras e provoca mais alvoroço do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco: quem bebe por conta, emborracha-se o dobro. O carrossel aturde e confunde o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo soa muito, tal como o tambor, porque está vazia. E na hora da verdade, quando o estrépito cessa e acaba a festa, o borracho acorda, só, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos partidos que deve pagar. A expansão da procura choca com as fronteiras que lhe impõe o mesmo sistema que a gera. O sistema necessita de mercados cada vez mais abertos e mais amplos, como os pulmões necessitam o ar, e ao mesmo tempo necessitam que andem pelo chão, como acontece, os preços das matérias-primas e da força humana de trabalho.
O direito ao desperdício, privilégio de poucos, diz ser a liberdade de todos. Diz-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa dormir as flores, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores são submetidas a luz contínua, para que cresçam mais depressa. Nas fábricas de ovos, as galinhas também estão proibidas de ter a noite. E as pessoas estão condenadas à insónia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem a metade dos sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas que se vendem legalmente no mundo, e mais da metade das drogas proibidas que se vendem ilegalmente, o que não é pouca coisa se se considerar que os EUA têm apenas cinco por cento da população mundial.
"Gente infeliz os que vivem a comparar-se", lamenta uma mulher no bairro do Buceo, em Montevideo. A dor de já não ser, que outrora cantou o tango, abriu passagem à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. "Quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, de Buenos Aires. E outro comprova, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: "Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas e vivem suando em bicas para pagar as prestações".
Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade e a uniformidade manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.
O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde a quantidade com a qualidade, confunde a gordura com a boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a "obesidade severa" aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou uns 40% nos últimos 16 anos, segundo a investigação recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar só sai do automóvel par trabalhar e para ver televisão. Sentado perante o pequeno écran, passa quatro horas diárias a devorar comida de plástico.
Triunfa o lixo disfarçado de comida: esta indústria está a conquistar os paladares do mundo e a deixar em farrapos as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêem de longe, têm, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade, são um património colectivo que de algum modo está nos fogões de todos e não só na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão a ser espezinhadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hamburguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald's, Burger King e outras fábricas, viola com êxito o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.
O campeonato mundial de futebol de 98 confirmou-nos, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola brinda eterna juventude e o menu do MacDonald's não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército de McDonald's dispara hamburguers às bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O arco duplo desse M serviu de estandarte durante a recente conquista dos países do Leste da Europa. As filas diante do McDonald's de Moscovo, inaugurado em 1990 com fanfarras, simbolizaram a vitória do ocidente com tanta eloquência quanto o desmoronamento do Muro de Berlim.
Um sinal dos tempos: esta empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. A McDonald's viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama a Macfamília, tentaram sindicalizar-se num restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas no 98, outros empregados da McDonald's, numa pequena cidade próxima a Vancouver, alcançaram essa conquista, digna do Livro Guinness.
As massas consumidoras recebem ordens num idioma universal: a publicidade conseguiu o que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que o televisor transmite. No último quarto de século, os gastos em publicidade duplicaram no mundo. Graças a ela, as crianças pobres tomam cada vez mis Coca-Cola e cada vez menos leite, e o tempo de lazer vai-se tornando tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisor e o televisor tem a palavra. Comprados a prazo, esse animalejo prova a vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as virtudes dos automóveis último modelo, e pobres e ricos inteiram-se das vantajosas taxas de juro que este ou aquele banco oferece. Os peritos sabem converter as mercadorias em conjuntos mágicos contra a solidão. As coisas têm atributos humanos: acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o automóvel é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados. As angústias enchem-se atulhando-se de coisas, ou sonhando fazê-lo. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas te escolhem e te salvam do anonimato multitudinário. A publicidade não informa acerca do produto que vende, ou raras vezes o faz. Isso é o que menos importa. A sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias: Em quem o senhor quer converter-se comprando esta loção de fazer a barba? O criminólogo Anthony Platt observou que os delitos da rua não são apenas fruto da pobreza extrema. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social do êxito, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Sempre ouvi dizer que o dinheiro não produz a felicidade, mas qualquer espectador pobre de TV tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro produz algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.
Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX pôs fim a sete mil anos de vida humana centrada na agricultura desde que apareceram as primeiras culturas, em fins do paleolítico. A população mundial urbaniza-se, os camponeses fazem-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação, e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em toda parte, mas por experiência sabem que atende nas grandes urbes. As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os que esperam vêem passar a vida e morrem a bocejar; nas cidades, a vida ocorre, e chama. Apinhados em tugúrios, a primeira coisa que descobrem os recém chegados é que o trabalho falta e os braços sobram. Enquanto nascia o século XIV, frei Giordano da Rivalto pronunciou em Florença um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam "porque as pessoas têm o gosto de juntar-se". Juntar-se, encontrar-se. Agora, quem se encontra com quem? Encontra-se a esperança com a realidade? O desejo encontra-se com o mundo? E as pessoas encontram-se com as pessoas? Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente se encontra com as coisas? O mundo inteiro tende a converter-se num grande écran de televisão, onde as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. As estações de auto-carros e de comboios, que até há pouco eram espaços de encontro entre pessoas, estão agora a converter-se em espaços de exibição comercial.
O shopping center, ou shopping mall, vitrina de todas as vitrinas, impõe a sua presença avassaladora. As multidões acorrem, em peregrinação, a este templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que os seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora submete-se ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e baixa pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago, e para ver e ouvir não é preciso pagar bilhete. Os turistas vindos das povoações do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas bênçãos da felicidade moderna, posam para a foto, junto às marcas internacionais mais famosas, como antes posavam junto à estátua do grande homem na praça. Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam ao centro. O tradicional passeio do fim de semana no centro da cidade tende a ser substituído pela excursão a estes centros urbanos. Lavados, passados e penteados, vestidos com as suas melhores roupas, os visitantes vêm a uma festa onde não são convidados, mas podem ser observadores. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas. A cultura do consumo, cultura do efémero, condena tudo ao desuso mediático. Tudo muda ao ritmo vertiginoso da moda, posta ao serviço da necessidade vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje a única coisa que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, resultam ser voláteis como o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa à velocidade da luz: ontem estava ali, hoje está aqui, amanhã, quem sabe, e todo trabalhador é um desempregado em potencial. Paradoxalmente, os shopping centers, reinos do fugaz, oferecem com o máximo êxito a ilusão da segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, para além das turbulências da perigosa realidade do mundo.
Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como esgotam, pouco depois de nascer, as imagens que dispara a metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas a que outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar no conto de que Deus vendeu o planeta a umas quantas empresas, porque estando de mau humor decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha caça-bobos. Os que têm a alavanca simulam ignorá-lo, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro a corrigir, nem um defeito a superar: é uma necessidade essencial. Não há natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.
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10/Maio/2010
O original encontra-se em www.resumenlatinoamericano.org , nº 2199
Este artigo encontra-se em:
sexta-feira, 25 de junho de 2010
A verdadeira ira de Bin Laden
A TEORIA DO 11
O 11 passou a ser um número inquietante.
Podem pensar que é uma casualidade forçada ou simplesmente uma tontice, mas o que está claro é que há coisas interessantes, senão, vejamos:
1) New York City tem 11 letras.
2) Afeganistão tem 11 letras.
3) "The Pentagon" tem 11 letras.
4) George W. Bush tem 11 letras.
Até aqui, meras coincidências ou casualidades forçadas (será???).
Agora começa o interessante :
1) Nova Iorque é o estado Nº 11 dos EUA.
2) O primeiro dos vôos que embateu contra as Torres Gêmeas era o Nº11.
3) O vôo Nº 11 levava a bordo 92 passageiros; somando os numerais dá: 9+2=11.
4) O outro vôo que bateu contra as Torres, levava a bordo 65 passageiros, que somando os numerais dá: 6+5=11.
5) A tragédia teve lugar a 11 de Setembro, ou seja, 11 do 9, que somando os numerais dá: 1+1+9=11.
Agora, o inquietante :
1) As vítimas totais que faleceram nos aviões são 254: 2+5+4=11.
2) O dia 11 de Setembro, é o dia número 254 do ano: 2+5+4=11.
3) A partir do 11 de setembro sobram 111 dias até ao fim de um ano.
4) Nostradamus (11 letras) profetiza a destruição de Nova Iorque na Centúria número 11 dos seus versos.
Mas o mais chocante de tudo é que, se pensarmos nas Torres Gêmeas, damo-nos conta que tinham a forma de um gigantesco número 11.
E, como se não bastasse, o atentado de Madrid aconteceu no dia 11.03.2004 , que somando os numerais dá: 1+1+0+3+2+0+0+4=11.
Intrigante, não acham ?
E se esqueceram que o atentado de Madrid aconteceu 911 dias depois do de New York, que somando os numerais 9+1+1=11!!!!
E AGORA o arrepiante:
Corinthians, tem 11 letras, tem 11 jogadores e sua fundação foi em 1910, que somando os numerais dá 1+9+1+0=11.
CONCLUSÃO DE TUDO ISSO:
O desgraçado do Bin Laden é Corinthiano !!!
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Avatar é aqui
Samira Feldman Marzochi
Mesmo que Avatar não seja um filme de grande profundidade, aproxima-se, sinteticamente, de um estrato da cosmologia contemporânea, e assim nos permite analisá-la. Avatar traduz o modo como, em alguma medida, percebemos nosso mundo. Sabemos que nenhuma representação, mesmo individual ou de um grupo, é absolutamente particular. A representação da lua Pandora é extraída da “consciência coletiva” terrena, produzida em algum nível do “senso comum”, e particularizada pela criatividade de uma equipe. Adentrar em Pandora, por isso, é viver uma cosmologia etnografada em terceira dimensão. De modo inconsciente, o diretor e toda a produção atuaram como etnógrafos de um mundo imaginado.
Mas, sabemos também que os mundos, inclusive a Terra, são sempre imaginados, se tudo o que existe é mediado por símbolos e imagens. Inversamente, toda imaginação é verdadeira: são visões de mundo que se sobrepõem ao “real” entendido como a condição material mínima para a continuidade da vida orgânica. Pandora, portanto, pode ser considerado um planeta Terra de projeção cosmológica que revela alguma coisa sobre o modo como estamos nos vendo. (Em parte, disto advém seu sucesso publicitário).
Pandora revela duas ideologias importantes da contemporaneidade. Uma de ordem política, a outra de caráter sociológico. Ao contrário da caixa mitológica, esta lua guarda as melhores éticas, aspirações e valores políticos. Neste mundo, realiza-se o ideal do pragmatismo bem intencionado em que não há significados transcendentes, distinção entre “pensamentos” e “coisas”, e tudo faz parte de um mesmo “estofo” universal. Desde que não haja interferência alienígena, isto é, humana, todo o seu sistema ecológico permanece em equilíbrio e é capaz de auto-organização.
Neste mundo, não há dominação de uns sobre outros, apenas conexão: o dragão alado de montaria não se subordina ao “dragoneiro”, mas o escolhe num desafio. O enfrentamento físico é encerrado quando ambos se conectam organicamente, e assim conseguem voar em sincronia; quando se mata um animal por defesa, este não pode ser considerado um motivo de alívio ou alegria, mas um fato a lamentar. Mesmo a caça para consumo deve ser um gesto “limpo”, em que se pede desculpas ao animal informando-o que sua alma será libertada e que seu corpo reviverá no corpo do povo que dele se alimente; a autoridade política é também a autoridade familiar. Cada clã possui como chefes um “Pai” e uma “Mãe” idosos, indicando que não há hierarquias de gênero e que a legitimidade do poder provém da experiência e do conhecimento; a participação política e o direito à voz em assembléias em que todos se reúnem, é garantida pelo pertencimento ao clã e pelo domínio da língua. Porém, assim como a língua pode ser assimilada, o pertencimento não é um direito adquirido exclusivamente por descendência ou lugar de nascimento, mas conquistado num processo de iniciação cultural autorizado pelos chefes e selado em um ritual de passagem.
Como ideais políticos, todos estes aspectos são bem compreendidos. Mas, ao revelarem-se também uma forma contemporânea de percepção da realidade, tornam-se bastante problemáticos. Ultrapassam o campo da normatividade para constituir-se como uma nova sociologia deslocada de seus conceitos fundamentais. Note-se a maneira como, de modo implícito, o conceito de “sociedade” aparece em Avatar. O conceito não teria avançado muito desde o século XVIII. Saint-Simon já compreendera a Sociedade como um “ser” independente. Durkheim aprimorou esta observação afirmando que ela não resulta da soma de seus indivíduos mas da interação entre eles. Todas as suas pesquisas partiram e confirmaram o pressuposto da autonomia e transcendência da sociedade em relação aos indivíduos. Porém, como criação coletiva, a Sociedade se impõe ao real jamais identificando-se completamente com ele.
Em Pandora, ao contrário, as árvores sagradas, que seriam a representação mais elementar do próprio clã, não são outra coisa senão o acúmulo literal de vozes e memórias individuais dos antepassados que podem ser “acessadas” uma a uma. Os seres se conectam a estas entidades e entre si fisicamente, não através de um espírito comum, alma do povo, língua ou cultura. É quase desnecessário mencionar que Pandora está impregnada de conceitos tecnológicos. A idéia central do roteiro é, aliás, a da possibilidade de transferência de uma “pessoa” a outro corpo através da tecnologia. A identidade pessoal é determinada pela consciência que habita o corpo, assim como softwares se instalam em hardwares. Há sempre algum grau de determinação do meio material sobre a personalidade, mas o princípio identitário se dá, sobretudo, pela “memória” do indivíduo capaz de garantir a completa unidade do corpo e eliminar qualquer dualidade entre “corpo” e “espírito”.
A atmosfera de Pandora assemelha-se ao interior de um mar profundo em que sementes gigantes movem-se como águas-vivas e poeiras cintilam à luz do sol, planetas e luas que atravessa a floresta. A menor gravidade em relação à Terra, a possibilidade de montanhas flutuantes, sugerem esta inversão de primazia entre a Sociedade e seus elementos. Em menor gravidade, as partes do mundo são suspensas e se tornam mais evidentes. Neste universo em que representação e realidade se indistinguem, assim como não há hierarquias entre sujeito e objeto, a comunicação intersubjetiva entre humanóides, animais e plantas é direta, não mediada por formas culturais.
No entanto, assim como nas religiões ditas “elementares”, tudo o que existe em Pandora resulta de um desdobramento da natureza universal a que todas as coisas estão ligadas. A diferença é que esta enorme “rede” conectiva não é pura metáfora, mas sim algo substantivo. A lua, quase toda uma densa floresta onde a invasão humana não fez seu estrago, é riscada de fios pendulares, cintilantes, prontos a tocar e entrelaçar outras linhas para transferir informações. Já na passagem para o século XX, Durkheim esforçava-se por desfazer a falsa idéia cientificista destes fios materiais que nos ligam simultaneamente à natureza e à vida social.
Tão povoada de cores e brilhos, Pandora nos faz ver a Terra, muito depois do filme, como um lugar mais vazio, pálido e fosco. Os corpos dos sapiens sapiens parecem até mais feios que os humanóides azulados. Os “Povos do Céu” continuam insanos e mesquinhos, cada qual com sua idiossincrasia, mas dominados por uma mesma loucura de auto-destruição. Para aprender com os Na’vi, é preciso esvaziar-se dos conhecimentos humanos, tornar-se “copo vazio”. Paradoxalmente, num universo impregnado da linguagem bio-tecnológica, a ciência é tida como indício de loucura, pois é ela quem, na Terra ou em Pandora, legitima a destruição.
Ainda que o conexionismo seja um avançado ideal político, crer hoje numa realidade conexionista significa repor, sob a inspiração da cibernética, da informática e da genética, a perspectiva imanentista das ciências modernas (européias e oitocentistas) que esta mesma ideologia contemporânea critica. Além de não traduzir a realidade, tampouco analisá-la criticamente, a perspectiva conexionista não permite a compreensão da mudança social como resultado da contradição entre realidade e representação, ou da desigualdade entre sujeito e objeto de poder e conhecimento. Consiste, portanto, de um ideal que apenas pode realizar-se em outro mundo, de uma não-problematização do poder, de um abandono das questões relativas à emancipação.
Mesmo que Avatar sustente críticas importantes ao comportamento humano face à natureza, e que os invasores nocivos sejam derrotados, é Pandora quem se apresenta como possibilidade existencial para a vida, e não uma Terra radicalmente transformada. O “final feliz” não corresponde, portanto, à emancipação crítica em relação à humanidade, à evolução do homem e da razão, mas à desistência e à fuga do mundo humano. O herói apenas revive em liberdade em um novo corpo, assim como os terráqueos, após destruírem seu planeta, buscam outros mundos. Em seu ímpeto de dominação treinado pelas guerras, torna-se líder entre os povos, assumindo a função histórica de unificar todos os clãs. Estruturalmente, nada de muito distinto.
Em última análise, Avatar simplesmente repõe o “mito da fuga planetária”. Porque assistimos a trama também como avatares distanciados da Terra, quase nos esquecemos de que a felicidade dos mocinhos vem acompanhada da destruição ambiental de nosso planeta, o que já não é um problema para o filme. Se não há como salvar a Terra, se o homem é naturalmente egoísta, nossas aspirações políticas se voltam para “um outro mundo possível”, mas bem longe daqui, aqui mesmo, sob as lentes de 3D.
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Samira Feldman Marzochi é pós-graduanda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp
Artigo socializado pelo Jornal da Unicamp, ANO XXIV – Nº 452 e publicado pelo EcoDebate, 06/03/2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
Não Sei
Não sei...
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar."
Cora Coralina
segunda-feira, 21 de junho de 2010
O problema não é o doutorado, são os incentivos
21 de Abril de 2010 - por Claudio Shikida*
Recentemente, o excelente Alexandre Barros publicou algumas observações sobre os impactos dos incentivos do MEC sobre a educação superior. Em seu artigo, ele fala sobre a possibilidade de professores universitários se juntarem em uma corporação e se protegerem da competição de profissionais do setor privado com barreiras à entrada, especificamente com a exigência do título de "doutor" para o exercício da profissão. Embora concorde com vários de seus pontos, creio que é interessante pensar em algumas considerações.
Seu artigo, em resumo, argumenta que professores universitários se uniriam para impedir a entrada de profissionais renomados na universidade simplesmente pelo fato de que estes últimos não teriam cumprido os rituais do MEC, em particular o de obter alguma titulação, como a de mestre ou doutor. Dois dos exemplos utilizados pelo autor são os de Bill Gates e de Steve Jobs. Pergunta Alexandre o que aconteceria se eles perdessem o emprego e desejassem dar aulas. Ao contrário do autor, creio que eles conseguiriam um bom emprego em algum programa de MBA e, mais ainda, achariam isto melhor do que lecionar em um mestrado ou um doutorado, mas vamos em frente.
Ainda que eu concorde com o autor sobre o valor “inflado” do diploma, não sei se o fluxo de pessoas do mercado para as universidades é sinônimo de aumento de qualidade. Embora “experiência” seja algo desejável em algumas disciplinas, não se pode depender só dela. Além disso, pense no seguinte exemplo: pessoas que não souberam ganhar dinheiro no mercado e perderam seus empregos na crise atual têm — exatamente — o quê a nos ensinar em uma aula de mercados financeiros? Se o mercado funciona razoavelmente bem, é de se esperar que os mais talentosos sejam melhor alocados em postos de trabalho nos quais são mais eficientes. Dificilmente um competente especialista em finanças será demitido. Mesmo que o seja, é mais fácil que seja reabsorvido nesse mercado do que no de ensino, pois crises como a de 2008 não são permanentes.
A transferência do sujeito do mercado para o ensino também se dá em outro ponto: há quem aproveite para substituir o sinal emitido por um diploma obtido em uma faculdade de qualidade inferior com o diploma de especialização em uma de maior renome. E nem sempre isso significa maior produtividade, pois há diplomas e diplomas (veja, por exemplo, esta notícia, para os EUA).
Alexandre também cita o — sempre recomendável — Simon Schwartzman, que faz algumas críticas sobre o direcionamento da pesquisa científica. Para este último (conforme citação de Alexandre): “o professor [brasileiro] participa de um congresso ou publica um artigo numa revista que ninguém lê." Nesse ponto do argumento é bom tomar cuidado. Lugar de artigo científico é na literatura especializada e, sim, é desejável que a mesma resulte em novos processos produtivos ou mesmo em novas instituições sociais mais favoráveis ao desenvolvimento econômico, mas nem todo artigo científico se presta a uma divulgação, digamos, ampla.
Além disso, o público interessado nas últimas contribuições teóricas da Economia não é o mesmo que deseja saber o que fazer com o dinheiro aplicado no final do mês. Pelo menos não necessariamente. Públicos diferentes desejam ler artigos com graus de detalhes técnicos distintos e o fato de se saber ler não significa que se queira ler sobre os últimos resultados das pesquisas científicas no dia-a-dia. Ensinar a ler nem sempre significa inculcar interesse científico na mente (e nos corações) das pessoas.
Certamente, como diz Alexandre, os incentivos da burocracia governamental podem distorcer os objetivos das pesquisas científicas. Recentemente o prof. Novaes, do Departamento de Economia da PUC-RJ, escreveu um artigo crítico quanto à “ênfase na quantidade em detrimento da qualidade” na produção científica de economistas e não creio que Alexandre discordaria dos pontos centrais deste artigo. As distorções na produção científica geradas por incentivos errados — criados pelo governo a partir de grupos de interesses específicos — são bem conhecidas dos economistas e há vários estudos a respeito e, sim, é verdade que há muito interesse corporativista entre professores.
Mas não se pode assumir que publicações científicas sejam, todas elas, escondidas em periódicos desconhecidos. Como já disse, são públicos-alvo distintos. Além disso, nem todo mundo que perde emprego e deseja lecionar sem ter mestrado ou doutorado sabe realmente mais do que um mestre ou doutor (e, sim, há muitos mestres e doutores mais interessados em preservarem seus feudos do que, de fato, pesquisarem). E não se engane: os salários ofertados pelas universidades nem sempre atraem gente como Bill Gates ou Steve Jobs.
Por outro lado, Alexandre está correto: o governo não ajudará a alterar esta situação se usar incentivos que coíbem a produção científica.
_______________________________*Claudio Shikida é economista, professor do IBMEC-MG, e mantém o blog De Gustibus Non Est Disputandum.
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Original no endereço: http://www.ordemlivre.org/node/976 Acesso em 26/05/2010
domingo, 20 de junho de 2010
Sem doutorado? Então fora!
19 de Abril de 2010 - por Alexandre Barros*
A crise está produzindo alguns efeitos magníficos, que ninguém planejou. Belezas do capitalismo: milhões de pessoas fazendo escolhas independentes e produzindo efeitos que ninguém previu.
Muitos profissionais que perdem empregos nos Estados Unidos estão virando professores. Isso mesmo. Contadores vão para as escolas ensinar, depois de muitos anos com a mão na massa. Projetistas vão para escolas e faculdades ensinar desenho industrial e por aí afora.
Se perdessem os empregos, dois meninos maluquinhos que resolveram cair na vida, em vez de virar acadêmicos, poderiam ir dar aulas. Muitas universidades receberiam Bill Gates (Microsoft) e Steven Jobs (Apple) de braços abertos. Acredito que haveria uma enorme disputa entre as melhores universidades para ver quem conseguiria levar qual.
No Brasil, como professores, bateriam com o nariz na porta.
Como nenhum dos dois tem mestrado ou doutorado, não valem nada para qualquer universidade brasileira. O Ministério da Educação não os reconhece. Um profissional fantástico sem mestrado ou doutorado é proibitivo para uma universidade brasileira.
Cirurgiões que foram dos bancos da escola para as salas de operação não poderiam lecionar em faculdades. Sua experiência avançadíssima vale zero.
Não passaram pelos rituais de iniciação: gastar tempo escrevendo dissertações. Estão fora. Graças ao MEC, no Brasil, vigora o "quem sabe faz e quem não sabe ensina."
Simon Schwartzman, especialista em educação superior e pós-graduada, disse numa entrevista (Veja 2059, 7 de maio de 2008): "O professor [brasileiro] participa de um congresso ou publica um artigo numa revista que ninguém lê." Em outras palavras, os professores brasileiros passam a vida fazendo imensos esforços para ter impacto zero no desenvolvimento da ciência, da tecnologia e das políticas públicas.
Parece anedota, mas não é. Criou-se um clube de amigos que publicam em revistas nas quais, não raro, o intervalo entre o término de uma pesquisa e sua publicação pode ser de até 4 anos. Só essas revistas são reconhecidas. Outras mídias (jornais, revistas, TV) de nada valem, ainda que possam ser lidas por milhões de pessoas. Isso em tempos de Internet.
Nikola Tesla (o inventor da geração de corrente alternada que move o mundo) não teria emprego em nenhuma universidade brasileira. Dificilmente conseguiriam publicar um artigo em revista Qualis (esse é o codinome das revistas que o MEC reconhece).
Na Universidade de Chicago, a maior ganhadora de prêmios Nobel (79 ao todo, 27 em Física e 25 em economia), é possível entrar sem jamais ter ido para a escola, qualquer escola. Lá, o principal critério para contratação de um professor de economia é o potencial para um prêmio Nobel. A universidade sabe que cada prêmio Nobel é um pote de mel para atrair alunos, doações e outros bons professores.
Recentemente, na feira de ciências de uma escola secundária na área de Boston, em Massachussets, um adolescente de 16 anos apresentou um trabalho da maior relevância para a saúde pública no Brasil: descobriu que o vírus da hepatite C e o vírus da dengue são primos próximos. Este atalho pode economizar muitos anos na descoberta da cura da dengue (sabendo que os vírus são primos próximos podem-se usar muitos conhecimentos já avançadíssimos sobre o vírus da hepatite C, para a dengue).
O caminho até a cura da dengue ainda é longo, mas será muito mais curto do que sem a descoberta.
No Brasil, ninguém o levaria a sério porque ele não tem idade nem para poder entrar para uma faculdade, como, de resto, não levaram o Portellinha, sobre quem comentei n’O Estadão em "Deixem o Portellinha estudar em paz," (O Estado de São Paulo, 12 de março de 2008, pág 2). Apesar de aprovado no vestibular de direito com sete anos de idade, Portellinha foi impedido, pelo lobby da OAB e pela lei, de entrar para a universidade.
O interesse dos burocratecas do MEC está em formalidades e papelório.
O currículo oficial do CNPq registra minúcias da vida de professores que me lembram o que meu amigo Lorenzo Meyer, historiador mexicano, chamava de ridiculum vitae.
Qualquer atividade acadêmica exige um papel assinado por alguém atestando que aquilo é verdade. Vou além de Simon: o pouco tempo que sobra de tentar publicar artigos que não serão lidos por ninguém é consumido correndo atrás de papelório inútil.
Tomara que Bill Gates e Steven Jobs não percam seus empregos, pois poderemos continuar a curtir nossos produtos Microsoft e nossos Macs e iPhones.
No Brasil, Bill Gates e Steven Jobs não teriam tempo para inventar nada. Perderiam seu tempo correndo atrás dos certificados que os legitimaria perante a burritzia nacional.
As invenções, ora, as invenções... são coisas de gringo... Aqui basta uma política industrial para dar dinheiro aos amigos do rei.
Quando a lei e os oligopólios de proteção profissional impedem o progresso de alguém porque não passou pelos rituais de iniciação, fica mais fácil entender porque o Brasil não tem nenhum prêmio Nobel, em nenhum campo.
______________________*Alexandre Barros é cientista político (PhD, University of Chicago) e diretor-gerente da Early Warning: Políticas Públicas e Risco Político (Brasília - DF), além de colaborador regular d’O Estado de São Paulo. Ele pode ser contactado em alex@eaw.com.br.
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Original no endereço: http://www.ordemlivre.org/node/970 - Acesso em 26/5/2010
sábado, 19 de junho de 2010
Não acrediteis
“Não acrediteis numa coisa apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis numa coisa só pelo testemunho de um sábio antigo. Não acrediteis numa coisa só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la por verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma apenas pela autoridade dos mais velhos ou dos vossos instrutores. Mas, aquilo que por vós mesmos experimentastes, provastes e reconhecestes verdadeiro, aquilo que corresponde ao vosso bem e ao bem dos outros - isso deveis aceitar, e por isso moldar a vossa conduta.”
Siddharta Gautama
(Filho único do rei Suddhodana e de sua esposa Maha Maya, nascido aproximadamente em 556 a.C)
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Os meninos maluquinhos
Parece mentira: 303 quilômetros por hora! Na Rio-Santos! Essa é a marca do Recorde Brasileiro de Velocidade, batido em 1991. Naquele ano eu era o Gerente de Marketing da Albarus, que estava lançando os anéis de pistão Perfect Circle. Coube a mim coordenar a quebra do recorde como parte dos eventos para promover a marca. O piloto foi o Fabinho Sotto Mayor e as imagens daquele Opala Stock Car voando baixo sobre a Rio-Santos de 20 anos atrás são de arrepiar, especialmente quando o capô voa longe. Uma revista deu destaque para o feito com uma matéria cujo título foi "O menino maluquinho".
Depois do evento mantive contato com o Fabinho até ele mudar-se de São Paulo. Nunca mais nos vimos. Esta semana, após participar de um programa de televisão, mudei a rota de retorno para casa, só para passar pela lanchonete Oregon, no bairro de Pinheiros, aqui em São Paulo.
Ali, desde os anos 80, devoro o melhor cheese-egg-salada do mundo! Já era tarde da noite, fiz meu pedido e... quem entra pela porta, também sozinho, também desviando do caminho para comer um cheese-salada? O Fabinho! Foi um reencontro delicioso, relembramos daquelas loucuras de 1991 e assim que pude corri pro Youtube para rever o pequeno documentário que realizamos na época, e que você pode assistir aqui:
Rever aquelas imagens dá um frio no estômago. Como é que fizemos uma maluquice daquelas? Na ondulada pista de asfalto da Rio-Santos? Com condições mínimas de segurança, chances enormes de um acidente envolvendo o carro, o piloto e as centenas de pessoas que assistiam o evento?
Olho aquilo e não consigo não exclamar:
- Como éramos malucos! Hoje eu não correria aquele risco!
Pois é. Em 1991 eu tinha 35 anos, era um garotão, cheio de energia, de invenções, de vontade de fazer acontecer. Metia os peitos mesmo, correndo riscos e quebrando paradigmas. E quando encontrava outro maluco como o Fabinho, dava naquilo...
Mas lá se foram duas décadas, o garotão de 35 está com mais de 50 e, embora aquele ímpeto de correr riscos ainda exista, tem uma nova forma de avaliar, refletir e tomar decisões. Alguém dirá que me tornei um cagão, já que não tenho mais a coragem de fazer as mesmas loucuras que fazia. E talvez isso seja verdade.
Hoje tenho uma percepção diferente sobre até onde vale a pena chegar. A verdade é que amadureci e agora dou valor ao que 20 anos atrás passaria batido. Mas não acho que isso tenha me tornado um "cagão". No entanto, para a garotada de 35 anos devo ser o tiozinho que empata as coisas, que não faz e que não deixa fazer, que acha defeito em tudo, que tem medo de correr riscos.
Pois é. Essa é mais uma das maravilhas da vida: o amadurecimento nos protege. Evita que ultrapassemos nossos limites pois, como alguém disse uma vez, "depois dos cinqüenta, todo salto é mortal".
Passei a lidar com medos que nunca tive e com a perspectiva de ficar paralisado por eles. Mas a maturidade fez com que eu percebesse que aquele frio na barriga, que paralisa muita gente, na verdade é um aviso.
Para alguns significa medo: Pare! Não se arrisque! Seja prudente!
Mas para outros significa estar muito perto de tentar algo que "não se faz". Ir para onde não se vai. Sair fora da média.
Tai uma grande lição destas duas décadas, que acho que no fundo é o que acontece com os grandes pilotos como o Fabinho: aprendi a usar o medo a meu favor.
Por isso continuo um menino maluquinho.
Luciano Pires
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quinta-feira, 17 de junho de 2010
Linguagem do sistema em que vivemos
Por Maurício Gomide Martins
Eu sou bancário. Eu sou motorista. Eu sou balconista. Eu sou jornalista. Eu sou estoquista. Eu sou comerciante. Eu sou industrial. Eu sou…. e assim por diante.
Todos estão integrados a um sistema social que, atualmente, é o econômico. Sem perceberem, estão condicionados à linguagem comportamental vigente. Tal como nos comunicamos pela linguagem oral materna. Sem examinarem a questão a fundo, raciocinam, agem, e vivem ao compasso desse sistema. É como se houvesse uma linguagem social sedimentada desde o nascimento. É a linguagem cultural, que guia nossos passos, comanda nossas aspirações, marca o ritmo social. São essas condicionantes que constroem as leis e dizem o que é normal ou marginal. A preservação dos recursos naturais não consta do rol de suas preocupações.
Essa linguagem é tida como tão natural que não se dão conta de que podem existir outras condutoras estruturais para a sociedade. Espantam-se e não compreendem as ações de outrem, tal como ocorre a uma criança quando ouve diálogo em língua diferente da que usa. Ninguém se questiona sobre a possibilidade da existência de outra linguagem vivencial. Espanta-me quando leio alguma crítica sobre os procedimentos sociais de alguma teocracia ou de povos aborígines. Culturas diferentes não podem ser mutuamente criticadas. É preciso que cada lado leve em consideração esse caldo de linguagem em que os povos vivem. Muitas dessas culturas giram em torno de uma cosmovisão antropocêntrica.
A palavra linguagem, aqui, é inadequada no seu verdadeiro significado. Empregamo-la, figurativamente, para destacar que o sistema econômico em que todos estamos inseridos funciona como um se fosse um referencial único e correto. É o paradigma da vida em sociedade. Passa a ser um estado de consciência permanente, em função do qual o homem pensa e age. Seria como a água para os peixes. Fica sendo tão natural para eles respirarem o oxigênio da água que ficam incapacitados de entender como podem viver seres fora desse meio.
Existem outros sistemas, fora dessa linguagem dominante, a que não damos a devida atenção, mas que servem perfeitamente de exemplo e indicação de que é possível alterar o sistema vigente:
a) a linguagem social imperante dentro da família, formada pelo pai, a mãe e filhos. Esse ambiente propicia condições para que os relacionamentos se façam de forma própria, exclusiva, sem a pressão dos esquemas sociais egoísticos. As individualidades agem e se condicionam em função do todo familiar;
b) a que prevalece numa comunidade religiosa, seja num mosteiro, num convento, ou numa coletividade ideológica. Ali vivem segundo um código próprio, particular, exclusivo. E se entendem muito bem, pois suas mentes são equalizadas pela crença ou ideologia com vistas a um bem uno;
d) a usada em reuniões de dirigentes corporativos ao tratar de seus procedimentos ou objetivos econômicos. Esclarecendo melhor esse aspecto, além de servir de exemplo, eles decidem implantar uma revolta militar sangrenta para derrubar um governo e saem candidamente da reunião para o convívio amoroso da família. Esse caldo de vivência lhes parece tão normal que eles próprios, identificados como os agentes da destruição dos recursos naturais, não conseguem entender as motivações ambientalistas. Eles têm uma fé inabalável na perenidade da riqueza individual e só conhecem essa linguagem. No âmbito da vida humana, isso tudo não é mais do que o objetivo sem objetivo.
Mesmo alguns ambientalistas, tal como os fanáticos de todas as espécies, ainda não foram capazes de perceber que os humanos estão aprisionados mentalmente a um contexto, a uma linguagem civilizacional. Não conseguem enxergar a amplidão da liberdade vivencial e se vêm aprisionados pelas condicionantes da cultura e do antropocentrismo.
Há outras linguagens, outros viveres. Basta citar os silvícolas não contatados, ainda não impregnados pela modernidade desagregadora. Eles, na vivência simples, natural, têm o conjunto ambiental como parte integrante das concessões que lhes fazem o criador, em suas crenças cosmogônicas.
A alteração para uma linguagem compatível com o meio ambiente somente se dará com uma revolução mental de todo o sistema civilizacional vigente. Pontos fundamentais dessa mudança: abandono do egoísmo humano, visão ecológica, governo mundial e afrontamento demográfico.
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“Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista, colaborador e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nota: o livro “Agora ou Nunca Mais“, está disponível para acesso integral, gratuito e no formato PDF, clicando aqui.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Cidadão e Cidadania - O que é ser Cidadão
Afinal, o que é ser cidadão?
Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho justo, à saúde, a uma velhice tranqüila.
Como exercemos a cidadania?
Cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Expressa a igualdade dos indivíduos perante a lei, pertencendo a uma sociedade organizada. É a qualidade do cidadão de poder exercer o conjunto de direitos e liberdades políticas, socio-econômicas de seu país, estando sujeito a deveres que lhe são impostos. Relaciona-se, portanto, com a participação consciente e responsável do indivíduo na sociedade, zelando para que seus direitos não sejam violados.
A cidadania instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram na Independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa. Esses dois eventos romperam o princípio de legitimidade que vigia até então, baseado nos deveres dos súditos e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão. Desse momento em diante todos os tipos de luta foram travados para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo ocidental o estendesse para a s mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias.
Capturado no site: http://www.codic.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=8
terça-feira, 15 de junho de 2010
O fetiche de quantidade
São Paulo, domingo, 09 de maio de 2010
Metas de produtividade e burocracia acadêmica diminuem o potencial de pesquisas científicas. A criação de conhecimento não pode ser medida somente pelo número de trabalhos escritos pelos pesquisadores, como é a tendência atual no Brasil.
RENATO MEZAN
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
A cada tanto tempo, volta-se a discutir como deve ser avaliado o trabalho dos professores. O grande número de pessoas envolvidas nos diversos níveis de ensino, assim como o de artigos e livros que materializam resultados de pesquisa, tem determinado uma preferência por medidas quantitativas. Se estas podem trazer informações úteis como dado parcial para comparar resultados de escolas em vestibulares ou o desempenho médio de alunos em determinada matéria, sua aplicação como único critério de "produtividade" na pós-graduação vem gerando – a meu ver, pelo menos – distorções bastante sérias.
Não é meu intuito recusar, em princípio, a avaliação externa, que considero útil e necessária. Gostaria apenas de lembrar que a criação de conhecimento não pode ser medida somente pelo número de trabalhos escritos pelos pesquisadores, como é a tendência atual no Brasil. Tampouco me parece correta a fetichização da forma "artigo em revista" em detrimento de textos de maior fôlego, para cuja elaboração, às vezes, são necessários anos de trabalho paciente. A mesma concepção tem conduzido ao encurtamento dos prazos para a defesa de dissertações e teses na área de humanas, com o que se torna difícil que exibam a qualidade de muitas das realizadas com mais vagar, que (também) por isso se tornaram referência nos campos respectivos. O equívoco desse conjunto de posturas tornou-se, mais uma vez, sensível para mim ao ler dois livros que narram grandes aventuras do intelecto: "O Último Teorema de Fermat", de Simon Singh (ed. Record), e "O Homem Que Amava a China", de Simon Winchester (Companhia das Letras). O leitor talvez objete que não se podem comparar as realizações de que tratam com o trabalho de pesquisadores iniciantes; lembro, porém, que os autores delas também começaram modestamente e que, se lhes tivessem sido impostas as condições que critico, provavelmente não teriam podido desenvolver as capacidades que lhes permitiram chegar até onde chegaram.
Everest da matemática
O teorema de Fermat desafiou os matemáticos por mais de três séculos, até ser demonstrado em 1994 pelo britânico Andrew Wiles. O livro de Singh narra a história do problema, cujo fascínio consiste em ser compreensível para qualquer ginasiano e, ao mesmo tempo, ter uma solução extremamente complexa. Em resumo, trata-se de uma variante do teorema de Pitágoras: "Em todo triângulo retângulo, a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa", ou, em linguagem matemática, a2²=b2²+c2².
Lendo sobre esta expressão na "Aritmética" de Diofante (século 3º), o francês Pierre de Fermat (1601-65) -cuja especialidade era a teoria dos números e que, junto com Pascal, determinou as leis da probabilidade- teve a curiosidade de saber se a relação valia para outras potências: x3³= y3³ + z3, x4 = y4 + z4 e assim por diante. Não conseguindo encontrar nenhum trio de números que satisfizesse as condições da equação, formulou o teorema que acabou levando seu nome -"Não existem soluções inteiras para ela, se o valor de n for maior que 2"- e anotou na página do livro: "Encontrei uma demonstração maravilhosa para esta proposição, mas esta margem é estreita demais para que eu a possa escrever aqui".
Após a morte de Fermat, seu filho publicou uma edição da obra grega com as observações do pai. Como o problema parecia simples, os matemáticos lançaram-se à tarefa de o resolver – e descobriram que era muitíssimo complicado. Singh conta como inúmeros deles fracassaram ao longo dos 300 anos seguintes; os avanços foram lentíssimos, um conseguindo provar que o teorema era válido para a potência 3, outro (cem anos depois) para 5 etc. O enigma resistia a todas as tentativas de demonstração e acabou sendo conhecido como "o monte Everest da matemática". É quase certo que Fermat se equivocou ao pensar que dispunha da prova, que exige conceitos e técnicas muito mais complexos que os disponíveis na sua época.
Quem a descobriu foi Andrew Wiles, e a história de como o fez é um forte argumento a favor da posição que defendo. O professor de Princeton [universidade americana] precisou de sete anos de cálculos e teve de criar pontes entre ramos inteiramente diferentes da disciplina, numa epopéia intelectual que Singh descreve com grande habilidade e clareza. Não é o caso de descrever aqui os passos que o levaram à vitória; quero ressaltar somente que, não tendo de apresentar projetos nem relatórios, publicando pouquíssimo durante sete anos e se retirando do "circuito interminável de reuniões científicas", Wiles pôde concentrar-se com exclusividade no que estava fazendo. Por exemplo, passou um ano inteiro revisando tudo o que já se tentara desde o século 18 e outro tanto para dominar certas ferramentas matemáticas com as quais tinha pouca familiaridade, mas indispensáveis para a estratégia que decidiu seguir. Questionado por Singh sobre seu método de trabalho, Wiles respondeu: "É necessário ter concentração total. Depois, você para. Então parece ocorrer uma espécie de relaxamento, durante o qual, aparentemente, o inconsciente assume o controle. É aí que surgem as ideias novas".
Este processo é bem conhecido e costumo recomendá-lo a meus orientandos: absorver o máximo de informações e deixá-las "flutuar" até que apareça algum padrão, ou uma ligação entre coisas que aparentemente nada têm a ver uma com a outra. Uma variante da livre associação, em suma.
Ora, se está correndo contra o relógio, como o estudante pode se permitir isso? A chance de ter o "estalo de Vieira" é reduzida; o mais provável é que se conforme com as ideias já estabelecidas, o que obviamente diminui o potencial de inovação do seu trabalho.
Tarefa hercúlea
Outro exemplo de que o tempo de gestação de uma obra precisa ser respeitado é o de Joseph Needham (1900-95), cuja vida extraordinária ficamos conhecendo em "O Homem Que Amava a China". Bioquímico de formação, apaixonou-se por uma estudante chinesa que fora a Cambridge [no Reino Unido] para se aperfeiçoar; ela lhe ensinou a língua e, à medida que se aprofundava no estudo da cultura chinesa, Needham foi se tomando de admiração pelas suas realizações científicas e tecnológicas.
Em 1943, o Ministério do Exterior britânico o enviou como diplomata à China, então parcialmente ocupada pelos japoneses. Sua missão era ajudar os acadêmicos a manter o ânimo e a prosseguir em suas pesquisas. Para saber do que precisavam, viajou muito pelo país e entrou em contato com inúmeros cientistas; em seguida, mandava-lhes publicações científicas, reagentes, instrumentos e o que mais pudesse obter. Nessxe périplo, Needham se deu conta de que – longe de terem se mantido à margem do desenvolvimento da civilização, como então se acreditava no Ocidente – os chineses tinham descoberto e inventado muito antes dos europeus uma enorme quantidade de coisas, tanto em áreas teóricas quanto no que se refere à vida prática (uma lista parcial cobre 12 páginas do livro de Winchester). Formulou então o que se tornou conhecido como "a pergunta de Needham": se aquele povo tinha demonstrado tamanha criatividade, por que não foi entre eles, e sim na Europa, que a ciência moderna se desenvolveu? A resposta envolvia provar que existiam condições para que isso pudesse ter acontecido, e depois elaborar hipóteses sobre por que não ocorreu. Daí a ideia de escrever um livro que mostrasse toda a inventividade dos chineses, tendo como base os textos recolhidos em suas viagens e as práticas que pudera observar.
Embora o projeto fosse ambicioso, a Cambridge University Press o aceitou, considerando que, uma vez realizado, abrilhantaria ainda mais a reputação da universidade. "Science and Civilization in China" [Ciência e Civilização na China] teria sete volumes, e Needham acreditava que poderia escrevê-lo "num prazo relativamente curto para uma obra acadêmica: dez anos". Na verdade, tomou quatro vezes mais tempo, e, quando o autor morreu, em 1995, já contava 15 mil páginas. Empreendimento hercúleo, como se vê, que transformou radicalmente a percepção ocidental quanto ao papel da China na história da civilização. O volume de trabalho envolvido era imenso: de saída, ler e classificar milhares de documentos sobre os mais variados assuntos; em seguida, organizar tudo de modo claro e persuasivo, e por fim apresentar algumas respostas à "pergunta de Needham". Várias pessoas o auxiliaram no percurso (em particular, sua amante chinesa), mas a concepção de base, e boa parte do texto final, se devem exclusivamente a ele.
Monumento
Needham não publicou uma linha de bioquímica durante os últimos 30 anos de sua carreira. Tampouco tinha formação acadêmica em história das ideias – mas isso não o impediu de, com talento e disciplina, redigir uma das obras mais importantes do século 20. Se tivesse sido atrapalhado por exigências burocráticas, se tivesse de orientar pós-graduandos, se a editora o pressionasse com prazos ou não o deixasse trabalhar em seu ritmo (o primeiro volume levou seis anos para ficar pronto), teria talvez escrito mais um livro interessante, mas não o monumento que nos legou.
O que estes exemplos nos ensinam é que um trabalho intelectual de grande alcance só pode ser feito em condições adequadas – e uma delas é a confiança dos que decidem (e manejam os cordões da bolsa) em quem se propõe a realizá-lo. Tal confiança envolve não suspeitar que tempo longo signifique preguiça, admitir que pensar também é trabalho, que a verificação de uma ideia-chave ou de uma referência central pode levar meses – e que nada disso tem importância frente ao resultado final.
Em tempo: um dos motivos encontrados por Needham para o estancamento da criatividade chinesa a partir de 1500 foi justamente a aversão de uma estrutura burocrática acomodada na certeza de sua própria sapiência a tudo que discrepasse dos padrões impostos. Enquanto isso, na Europa (e depois na América do Norte) a inovação era valorizada, e o talento individual, recompensado. Nas palavras de um sinólogo citado no fim do livro, o resultado da atitude dos mandarins foi que "o incentivo se atrofiou, e a mediocridade tornou-se a norma".
Seria uma pena que, em nome da produtividade medida em termos somente quantitativos, caíssemos no mesmo erro.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Matemática da dor
Em fevereiro de 2007 Rosa Cristina Fernandes e seus filhos Aline, 13 e João Hélio, 6, foram abordados por homens armados ao parar seu Corsa num sinal de trânsito, no Rio de Janeiro. Todos saíram do carro, mas João Hélio ficou pendurado do lado de fora, preso ao cinto de segurança. O menino morreu ao ser arrastado por sete quilômetros, mesmo com populares avisando os bandidos. Difícil de lembrar.
Os cinco assassinos foram presos, julgados e condenados: Carlos Eduardo pegou 45 anos de prisão, Diego Nascimento, 44 e Carlos Roberto e Tiago de Abreu 39 anos cada um. O quinto bandido, Ezequiel Toledo de Lima, que teria sido justamente quem fechou a porta com João Hélio preso do lado de fora, era menor. Cumpriu uma pena sócio- educativa até completar 18 anos, três anos após o crime. Mas enquanto detido no Instituto João Luiz Alves, na Ilha do Governador, Ezequiel foi ameaçado e, ao ganhar liberdade em fevereiro de 2010, um Juiz da Vara da Infância e Juventude determinou que ele ingressasse no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente. E como sua mãe também sofreu ameaças a Justiça determinou que os pais do rapaz entrassem no programa por meio do Conselho de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente, presidido pelo advogado Carlos Nicodemos, diretor da ONG Projeto Legal.
No site da ONG encontramos: "O Projeto Legal é uma organização não-governamental que desde 1993 desenvolve projetos sociais na área da defesa, garantia e promoção dos direitos humanos, especialmente de crianças, adolescentes e jovens. Nosso foco é o atendimento jurídico-social a cidadãos que tiveram seus direitos violados. (...) Temos como meta contribuir para o pleno exercício da cidadania e o desenvolvimento de uma sociedade mais humana, justa e democrática."
A ONG providenciou para que Ezequiel e seus pais obtivessem documentos e recursos para sair do Rio de Janeiro. A imprensa carioca disse que o destino teria sido a Suíça, mas a ONG garante que ele não saiu do Brasil. O fato é que três anos após o crime hediondo, Ezequiel ganhou a chance de reconstruir a vida, com ficha limpa e apoio financeiro.
Bem, qualquer comentário neste momento será considerado "visão de um leigo sobre a justiça", distorcida e vingativa. Justiça não se discute ao calor das emoções, como sempre ouvimos das autoridades após os crimes que nos chocam.
Então deixarei a emoção de lado para fazer como os políticos: recorrer à fria matemática. Assim ninguém me acusa de ignorante.
Veja só: dos cinco assassinos, quatro estão na cadeia com penas de cerca de 40 anos e só um está livre, pois era "de menor". Isso quer dizer que 80% da justiça foi feita, não é? Pô, considerando a realidade brasileira, é um índice muito bom!
Pois é. Mas perdemos 100% do João Hélio.
Me desculpem o juiz, o advogado, a Justiça, a ONG, os direitos humanos ou o raio que o parta, mas nos meus esforços para desenvolvimento de uma sociedade mais humana, justa e democrática, essa conta não fecha.
Quero 100% na cadeia.
Luciano Pires
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