José Pedro Goulart
De Porto Alegre (RS)
Jonas xinga a torcida e é vaiado (foto:Redação Terra )
Atenção leitor, esta não é uma coluna de esportes. Se você por acaso leu a minha última, sobre o Ronaldinho, pode ficar com essa impressão. Mas garanto que só volto ao tema pelas circunstâncias. É que o Jonas, atacante do Grêmio (sim, novamente o Grêmio), deixou o clube como quis e ainda mandou que a torcida calasse a boca na última vez em que jogou pelo time.
Cabe esclarecer quem é o Jonas para um passante desavisado: não, ele não é um Ronaldinho, um Ronaldo, menos ainda um Renato. Por outro lado, sim, ele foi o goleador do último Campeonato Brasileiro, jogando pelo Grêmio, pago pelo Grêmio, recebendo passes de jogadores do Grêmio, festejado, estimulado pela torcida do Grêmio.
Pois o Jonas saiu. E saiu, como dito, arrumando uma briga oportunista com a torcida, com o dedo na boca num gesto de quem exige silêncio: calem-se! E ainda chutou a bola em direção aos pagantes - um ator que joga o sapato na plateia. Depois do jogo, saiu de cena e mergulhou num covarde silêncio.
Eu aqui não quero falar do Jonas, do contrato mal elaborado, mal proposto por quem assinou pelo clube. Eu aceito as condições que lhe dão o direito de fazer o que bem quiser - e ele que faça as contas com a sua consciência.
Eu quero apenas me dirigir ao torcedor de futebol no Brasil. Seja do Flamengo, Corinthians, Fluminense, Palmeiras, Vasco, Santos, São Paulo, Bahia, Botafogo, Cruzeiro, Atléticos, do Olaria, Bangu, enfim, e do Inter e do Grêmio, claro. Vocês sabem por quem estamos torcendo? Vocês sabem afinal qual é a nossa parte nessa cantoria desafinada?
Somos um número - um bilionésimo número depois da vírgula.
Aquele herança afetiva de quando íamos ao jogo, levados pela mão do nosso pai, avô, tio. Aquela lendária história contada e recontada sobre o goleiro que morreu ao defender um pênalti decisivo, ou sobre o atacante que jogou com o pé quebrado. Tudo isso virou farofa nostálgica com pitadas e de pieguice, polvilhada de um romantismo tolo.
Não bastasse o único apelo da grana para um jogador jogar num clube hoje em dia, com trocas de camisas e beijos em distintivos diferentes a cada ano, a Seleção privilegia os que jogam fora - estimulando ainda mais o êxodo.
Basta. Chega. Que se convoque jogadores daqui e ponto, como forma de garantir algum interesse. "Tupy or not tupy!".
Que se façam jogos em horários humanos, mesmo que interfiram na novela das 8. Que seja devolvido um aspecto perto do original às camisetas, privilegiando as cores, os distintivos: os jogadores de hoje parecem homens-sanduíches, verdadeiros ambulantes de propaganda.
Todos sabemos do mundo corporativo. Da necessidade de ganhos. Mas qual é o fim disso, afinal? Quais os limites? Uma fábula cuja moral é sempre invertida? Cadê os mocinhos, os heróis, os autênticos? Onde se pode achar um pouco de amadorismo no meio dessa indecente busca de resultados? Até quando vamos frequentar um circo onde os palhaços ficam nas arquibancadas?
Pois bem.
Nós que deixamos a filha de sete em casa no domingo, ignoramos o lazer da família, botamos a grana - que muitas vezes faz falta - no clube; que destinamos nossa audiência, nossa paixão e tudo isso com uma fidelidade de cachorro. Nós que enfrentamos estádios sujos, banheiros podres, violência nas ruas. Nós que suportamos o frio, a chuva ou a vergonha de uma derrota, avisamos:
Nunca, sob nenhuma hipótese, aceitaremos que um outro jogador - seja milionário, craque ou perna de pau, nos mande calar a boca.
O resto nós ainda vamos discutir.
Orignal em Terra magazine: http://goo.gl/wcgAS
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