sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

No princípio era o verbo


Quando o homem começou a falar?

Categoria: Didático • Escrita Criativa • Livro
Escrito em Maio 1, 2007 3:38 PM, por Mauro Rebelo
"Acredita-se que o homem tenha começado a falar - ou começado a tentar falar - cerca de 60 mil anos antes da Era Cristã. Essa possibilidade foi levantada após a descoberta de um osso hióide - situado na base da língua - em uma caverna do Monte Carmelo, em Israel."

É impressionante a quantidade de vezes que o texto acima, exatamente como está, aparece na internet. O Google virou realmente um oráculo. Basta estar ali para ser "verdadeiro". Ninguém mais se dá ao trabalho de verificar as informações. Bom, eu pesquisei pra contar pra vocês.

A fala nos humanos é permitida por uma intrincada articulação entre o cérebro, a laringe, as cordas vocais e a língua. Os elementos necessários para essa que ela pudesse acontecer foram aparecendo ao longo da evolução dos hominídeos. Dê uma olhada no texto sobre a origem do homem para ver a cronologia das diferentes espécies que antecederam o Homo sapiens.

A maior parte dos autores concorda que a adoção da posição bípede tenha sido fundamental para liberar as mãos e a boca dos hominídeos e permitir os dois processos fundamentais para o aparecimento da fala. O primeiro foi o uso das mãos para a construção de ferramentas. As ferramentas rudimentares apareceram entre 2,5 e 2 milhões de anos atrás como o Homo habilis. Segundo alguns autores, seria impossível a criação de utensílios sem a existência das capacidades intelectuais que acabam por definir a própria condição humana: o processo seqüencial mental, a associação de eventos em uma determinada ordem de acordo com uma determinada lógica. As capacidades de abstração, previsão, imaginação e a noção de símbolo.


Os hominídeos desenvolveram processos de reconhecimento de padrões, classificação em categorias e interpretação ordenada do mundo. Processos esses que são, ao mesmo tempo, que estabelecem a base de uma linguagem, necessitam de um mecanismo de transmissão e compreensão de mensagens mais longas e complexas que caracterizam a própria linguagem. A utilização de sinais necessitava da proximidade entre os indivíduos entre eles e entre o objeto discutido. Apenas uma linguagem oral (e depois escrita) permitia transmitir mensagens que não tivessem correspondência com a realidade percebida através dos sentidos (sentimentos, desejos e outros pensamentos abstratos). A partir daí o grupo humano pode passar a se beneficiar das experiências de um individuo e o indivíduo das experiências alheias. O desenvolvimento da fala e das tradições orais foi fundamental para a natureza aditiva do conhecimento humano e para a formação da cultura.

Tão importante quanto o desenvolvimento do cérebro e da inteligência, foi o desenvolvimento do aparelho buco-faríngeio. A maior parte dos cientistas acredita que oHomo habilis, mas principalmente o Homo erectus, possuía algum tipo de vocalização rudimentar. O basicrânio arqueado dos humanos modernos (essencial a fala) começou a aparecer nessa espécie cerca de 2 milhões de anos atrás e ele já poderia produzir certas vogais, como u, a, e, i.


Também a Laringe, que nos primatas é curta e alta, se desenvolveu nos humanos até ficar longa e baixa, funcionado como um órgão de sopro. Curiosamente os bebes humanos, até os dois anos de idade, não possuem a laringe baixa e só por volta dos 14 anos a nossa laringe se estabelece na posição "adulta". Deve ser por isso que praticamente ninguém aprende a falar antes dos dois anos de idade. Essa laringe mais baixa permitiu, agora sim, o aparecimento do osso hióide, outra adaptação anatômica fundamental para a fala.

O hióide é um pequeno osso em forma de U que segura e permite a articulação da língua e foi descoberto nos Neandertais. Ao contrário do que o texto do início sugere, não é isso que marca o aparecimento da fala. Apesar de ser um pré-requisito importante, o hióide está longe de ser o único ou o mais relevante. Apesar do hióide, nos Neandertais, a base da língua era muito acima da garganta deixando a boca, literalmente, "cheia". Com isso os sons emitidos por eles deveriam ser muito anasalados, lentos e de difícil compreensão. Muitos antropólogos acreditam que a fala pouco desenvolvida foi a razão da extinção dos Neandertais. "Quem não se comunica, se trumbica", já dizia o velho guerreiro.


Uma peça chave no enigma é o nervo hipoglosso, que controla os movimentos da língua. Esse nervo se insere no crânio através de um orifício e é duas vezes maior nos humanos modernos que nos chimpanzés. De acordo com esse critério as formas mais primitivas deHomo não poderiam ter falado, o que coloca o início da fala realmente com os Neandertais em torno de 400.000 anos atrás. No entanto, algumas evidências sugerem que o Homo habilis já se comunicava com um repertório de sons maior que o arfada-apupo-grunhido dos chimpanzés modernos.

Uma coisa é certa, a reorganização do cérebro e as mudanças anatômicas necessárias ao aparecimento da fala só apareceram com o surgimento dos Homo e eram inexistentes nos Australopithecus. O que a história não conta é que, certamente, quem começou a falar, foi uma mulher! ;-)

Original no site http://goo.gl/xJRBp

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