Epílogo do físico Erwin Schrödinger para o seu livro "O Que é a Vida? O Aspecto físico das células vivas":
Como recompensa pelos grandes embaraços que tive ao expor o aspecto puramente científico do nosso problema sine ira et studio, permitam-me que manifeste, agora, o meu próprio ponto de vista, necessariamente subjetivo, quanto às implicações filosóficas.
Schrödinger aos 13, quando era apenas um dedicado estudante de Física e Defesa contra as artes das trevas.De acordo com as evidências expostas nas páginas anteriores, os fenômenos do espaço-tempo de um organismo vivo, correspondentes à atividade de sua mente, a sua autoconsciência e a suas outras ações (considerando também sua estrutura complexa e a explicação estatística aceita da físico-química) são, se não estritamente determinísticos, pelo menos estatístico-determinísticos. Para o físico, desejo enfatizar que, em minha opinião, e contrariamente à opinião mantida em alguns setores, a indeterminação quântica não tem neles qualquer papel biológicamente relevante, exceto talvez por sublinhar seu caráter puramente acidental em eventos tais como a meiose, a mutação natural e a mutação induzida por raios X etc. - sendo isso, de qualquer modo, óbvio e bem reconhecido.
Para fins de argumentação, permitam-me considerar esse aspecto como um fato, como acredito que qualquer biólogo sem preconceitos o faria se não existisse a desagradável e bem conhecida sensação de "declarar-se a si próprio como puro mecanismo". Pois isto está fadado a contradizer o Livre-Arbítrio tal como ele se encontra garantido pela introspecção direta.
Mas experiências imediatas, em si mesmas, quão numerosas e diferentes sejam, são logicamente incapazes de se contradizerem mutuamente. Assim, vejamos se não somos capazes de extrair a conclusão correta, não-contraditória, das duas premissas seguintes:
1) Meu corpo funciona como um puro mecanismo, de acordo com as Leis da natureza.
2) Ainda assim, sei por experiência direta e incontestável, que comando seus movimentos, dos quais prevejo os efeitos, que podem ser decisivos e extremamente importantes, em cujo caso sinto e assumo por eles total responsabilidade.
A única inferência possível a partir destes dois fatos, imagino, é que eu - eu no sentido mais amplo da palavra, ou seja, toda mente consciente que jamais disse ou sentiu "eu" - sou a pessoa, se é que existe alguma, que controla "o movimento dos átomos", de acordo com as Leis da Natureza.
No âmbito de um determinado ambiente cultural (Kulturkreis) em que certos conceitos (que já tiveram ou ainda têm um significado mais amplo entre outros povos) foram limitados ou especializados, é ousado dar a essa conclusão a palavra simples que ela requer. Na terminologia cristã, dizer "Logo, eu sou o Deus Todo-Poderoso" parece tanto blasfemo quanto lunático. Mas, por favor, abstraiam por ora essas conotações e considerem se a inferência acima não é o mais próximo que um biólogo pode chegar para provar, de uma só vez, a existência de Deus e da imortalidade.
Em si, a idéia não é nova. Os registros mais antigos datam, até onde sei, de 2.500 anos atrás. Desde os primitivos grandes Upanixades, no pensamento indiano, a identificação de ATHMAN = BRAHMAN (o eu pessoal iguala-se ao eu eterno, e onipresente e onisciente), longe de constituir uma blasfêmia, representava a quintessência da mais profunda intuição quanto aos acontecimentos do mundo. O maior empenho de todos os estudiosos da escola Vedanta era, após o aprendizado dos movimentos dos lábios para a pronúncia correta, realmente assimilar em suas mentes este pensamento, o mais grandioso de todos.
De novo, os místicos de muitos séculos, independentemente, mas em perfeita harmonia uns com os outros (algo como ocorre com as partículas de um gás ideal) descreveram, cada um deles, a experiência única de sua vida em termos que podem ser resumidos na expressão DEUS FACTUS SUM (Tornei-me Deus).
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