sábado, 21 de março de 2009

O Tao do Jung



É um ser indeterminado em sua perfeição, anterior ao céu e à terra, impassível e imaterial. Quieto e sem forma, não dependendo de nada, é imutável, tudo abrangendo, inesgotável! Pode ser considerado a mãe de todas as coisas. Não lhe conheço o nome, mas designo-o pela palavra Tao.
(Lao Tsé)
Lao Tsé compara o Tao a água para definir sua natureza: "A bênção da água consiste em fazer bem a todos e, apesar disso, procura, conformada, sempre o lugar mais baixo, que todas as pessoas evitam. Portanto, ela tem em si algo do Tao." A idéia do "declive" não poderia ser melhor expressa.
Alguém desprovido de cobiça vê sua essênciaAlguém cheio de cobiça vê sua exterioridade
(Lao Tsé)
Segundo as concepções da religião taoísta, o Tao se divide num par de opostos fundamental, Yang e Yin. Yang é calor, luz, masculinidade. Yin é frio, escuridão, feminilidade. Yang também é céu, Yin é terra. Da força de Yang nasce Shen, a parte celestial da alma humana; e da força de Yin nasce Kwei, a parte terrena. Na qualidade de microcosmo, o ser humano é um reconciliador dos opostos. Céu, ser humano e terra são os três elementos principais do mundo, o San-tsai.
Esta imagem é uma concepção bem antiga. Encontramos algo semelhante também em outros lugares como, por exemplo, no mito africano-ocidental de Obatala e Odudua, o casal mais antigo (céu e terra), que, juntos, estavam deitados numa calebaça até que um filho, o ser humano, nasceu no meio deles. O ser humano, como microcosmo que une em si os opostos do mundo, corresponde ao símbolo irracional que une opostos psicológicos. Esta imagem primitiva do ser humano está presente também em Schiller, ao denominar o símbolo "forma viva".
A divisão da alma humana traduz uma grande verdade psicológica. Esta concepção chinesa se apresenta de novo na conhecida passagem de Fausto:
Duas almas, ah, moram em meu peito
Uma da outra quer se separar;
Uma, com forte paixão amorosa,
Ao mundo se aferra com força total;
Outra se levanta vigorosa do pó
Para as planícies dos grandes ancestrais.
A existência de duas tendências mutuamente antagônicas, ambas tentando forçar o homem a atitudes extremas e envolvê-lo no mundo - tanto no lado material quanto no espiritual - e, assim, dividi-lo em si mesmo, exige a existência de um contrapeso que é exatamente a grandeza irracional do Tao. Por isso o fiel se esforça ansiosamente por viver de acordo com o Tao, a fim de não sucumbir à tensão dos opostos. Sendo Tao uma grandeza irracional, não pode ser produzido intencionalmente, o que Lao Tsé sublinha sempre de novo. A esta circunstância deve seu significado específico um outro conceito, tipicamente chinês, o Wu-wei, que quer dizer "não fazer", mas no sentido de "não agir", e não de "não fazer nada". O racional "querer fazer", que constitui a grandeza e o mal de nossa época, não leva ao Tao.
O objetivo da ética taoísta é resolver a tensão dos opostos, nascida do fundo do universo, pelo retorno ao Tao. Neste contexto temos que lembrar também do "sábio do Omi", Nakae Toju, o importante filósofo japonês do século XVII. Baseando-se na doutrina da escola Chu-Hi, proveniente da China, apresentou dois princípios: Ri e Ki. Ri é a alma do mundo, Ki é a matéria do mundo. Mas Ri e Ki são um e o mesmo, já que são atributos de Deus e, portanto, só existem nele e por ele. Deus é a sua união. Também a alma engloba Ri e Ki. De Deus fala Toju assim: "Deus como essência do mundo engloba o universo mas também está bem próximo de nós e, inclusive, em nosso próprio corpo". Deus é, para ele, um eu comum, enquanto o eu individual é "céu" em nós, algo supra-sensível, divino, chamado Ryochi. Ryochi é "Deus em nós" e mora em cada indivíduo. É o verdadeiro eu. Toju distingue um verdadeiro e um falso eu. O falso eu é uma personalidade adquirida, nascida de concepções errôneas. Poderíamos denominá-lo "persona", ou seja, aquela idéia geral de nosso ser que formamos a partir da experiência de nossa influência sobre o mundo e da influência deste sobre nós. A persona designa isto: como alguém parece a si mesmo e ao mundo, mas não significa o que alguém é, para usar as palavras de Schopenhauer. 0 que alguém é, é a sua individualidade, segundo Toju, seu eu "verdadeiro", o Ryochi.
Ryochi também designa o "estar só", o "conhecer só", certamente porque é um estado relacionado com a essência do si-mesmo (Self), além de todo julgamento pessoal, condicionado pela experiência exterior. Toju entende Ryochi como "sumo bem", como "delícia" (No hinduísmo, Brahma = Ananda, que é igual a delícia, êxtase). Ryochi é a luz que perpassa o mundo, paralelo que Tetsujiro Inouye estabelece com Brahma. Ryochi é amor humano, imortal, onisciente, bom. O mal vem do querer (Schopenhauer). Ryochi é a função auto-reguladora, o intermediário e unificador dos pares de opostos, Ri e Ki. É, segundo a concepção hindu, o "velho sábio que mora em teu coração", ou, como diz o pai chinês da filosofia japonesa:
Em cada coração habita um sejin (sábio). Apenas não acreditamos com força suficiente, por isso o Todo permaneceu sepultado
(Wang Yang-Ming)

Carl Jung; Tipos psicológicos - Ed. Vozes

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