No século II, o médico grego definiu alucinação e ilusão ao distinguir os delírios da razão e dos sentidos.
por Isaias Pessotti
Sintomas clássicos de algum distúrbio mental são as alucinações, tais como ver pessoas ou objetos inexistentes, ou "ouvir vozes" sem que ninguém emita som algum. Diversamente, quando a percepção absurda ou distorcida refere-se a objetos reais e presentes não há alucinação; há o que em psicologia se chama "ilusão". Mas em psicopatologia só interessam certas ilusões. As ilusões de óptica, ou as provocadas por um mago, por exemplo, são percepções normais.
Enquanto eventuais sintomas de algum distúrbio mental, alucinação e ilusão não se equivalem. Esquirol, em 1838, as distinguiu de forma lapidar: "Um homem que tem a convicção íntima de uma sensação realmente percebida, quando nenhum objeto exterior capaz de excitar aquela sensação está ao alcance do sentido, está em estado de alucinação: é um visionário... a ilusão ao contrário é um erro dos sentidos, que não põe em questão a presença real do suporte da percepção. Há sempre impressão real dos objetos exteriores. Impressão dos sentidos".
Como se vê, o critério discriminante de Esquirol é presença ou ausência de um objeto real. Trata-se, em ambos os casos, de erros de percepção.
Galeno (131-200), como outros grandes médicos antigos, já se ocupara com a distinção entre alucinação e ilusão. Mas com um critério diverso, que ele ilustra ao relatar um episódio pessoal de delírio: "Alguns também deliram por causa do desarranjo de sua faculdade de pensar, mas conservaram por um curto momento sua faculdade crítica e a recuperaram o bastante para... resistir e compreender o que lhes ocorria... eu acreditava ver esvoaçando sobre meu leito fiapos escuros... eu executava movimentos para pegá-los... Ouço dois meus amigos presentes dizerem entre eles \\'olha ele já está tentando pegá-los\\'. Eu compreendi perfeitamente o que me estava acontecendo, o que eles diziam, e como sentia em mim que minha inteligência não sofria perturbação eu disse: Vocês têm razão venham ajudar-me para que a loucura (phrenitis) não me domine".
É um caso de delírio dos sentidos, mas não de delírio da razão, segundo Galeno. Pelo critério de Esquirol, seria um episódio de alucinação, pois os fiapos não existem, e há a convicção de uma sensação realmente percebida. Mas aqui existe a consciência de que essa percepção é enganosa. O critério discriminante, entre os dois tipos de delírio, para Galeno, é a consciência da falsidade da percepção alucinatória, no delírio dos sentidos, e a ausência dela no delírio da razão. Sem prejuízo de haver a "convicção íntima de uma sensação realmente percebida". A diferença de critérios se explica: como bom discípulo de Pinel, Esquirol enxerga alucinação e ilusão como erros, incoerências entre a experiência sensorial e a realidade objetiva. Galeno, como bom seguidor de Platão, procurou apontar o papel da razão, da "faculdade crítica", ou seja, da consciência da percepção, em cada um deles.
O que Esquirol chamaria de alucinação seria para Galeno um delírio da razão. Há alucinação quando se perde a "faculdade crítica"; mesmo quando a percepção errada se refere a um objeto real e presente. Mesmo nos casos que Esquirol consideraria ilusões.
Isaias Pessotti é escritor e ex-professor titular de psicologia da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto. É autor de Os nomes da loucura e O século dos manicômios.
Enquanto eventuais sintomas de algum distúrbio mental, alucinação e ilusão não se equivalem. Esquirol, em 1838, as distinguiu de forma lapidar: "Um homem que tem a convicção íntima de uma sensação realmente percebida, quando nenhum objeto exterior capaz de excitar aquela sensação está ao alcance do sentido, está em estado de alucinação: é um visionário... a ilusão ao contrário é um erro dos sentidos, que não põe em questão a presença real do suporte da percepção. Há sempre impressão real dos objetos exteriores. Impressão dos sentidos".
Como se vê, o critério discriminante de Esquirol é presença ou ausência de um objeto real. Trata-se, em ambos os casos, de erros de percepção.
Galeno (131-200), como outros grandes médicos antigos, já se ocupara com a distinção entre alucinação e ilusão. Mas com um critério diverso, que ele ilustra ao relatar um episódio pessoal de delírio: "Alguns também deliram por causa do desarranjo de sua faculdade de pensar, mas conservaram por um curto momento sua faculdade crítica e a recuperaram o bastante para... resistir e compreender o que lhes ocorria... eu acreditava ver esvoaçando sobre meu leito fiapos escuros... eu executava movimentos para pegá-los... Ouço dois meus amigos presentes dizerem entre eles \\'olha ele já está tentando pegá-los\\'. Eu compreendi perfeitamente o que me estava acontecendo, o que eles diziam, e como sentia em mim que minha inteligência não sofria perturbação eu disse: Vocês têm razão venham ajudar-me para que a loucura (phrenitis) não me domine".
É um caso de delírio dos sentidos, mas não de delírio da razão, segundo Galeno. Pelo critério de Esquirol, seria um episódio de alucinação, pois os fiapos não existem, e há a convicção de uma sensação realmente percebida. Mas aqui existe a consciência de que essa percepção é enganosa. O critério discriminante, entre os dois tipos de delírio, para Galeno, é a consciência da falsidade da percepção alucinatória, no delírio dos sentidos, e a ausência dela no delírio da razão. Sem prejuízo de haver a "convicção íntima de uma sensação realmente percebida". A diferença de critérios se explica: como bom discípulo de Pinel, Esquirol enxerga alucinação e ilusão como erros, incoerências entre a experiência sensorial e a realidade objetiva. Galeno, como bom seguidor de Platão, procurou apontar o papel da razão, da "faculdade crítica", ou seja, da consciência da percepção, em cada um deles.
O que Esquirol chamaria de alucinação seria para Galeno um delírio da razão. Há alucinação quando se perde a "faculdade crítica"; mesmo quando a percepção errada se refere a um objeto real e presente. Mesmo nos casos que Esquirol consideraria ilusões.
Isaias Pessotti é escritor e ex-professor titular de psicologia da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto. É autor de Os nomes da loucura e O século dos manicômios.
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