OS PRINCÍPIOS DE UMA ÉTICA MUNDIAL Nosso mundo atravessa uma crise fundamental: uma crise da economia mundial, da ecologia mundial, da política mundial. Por todo lugar lamentam-se a ausência de uma visão ampla, o acúmulo de problemas irresolvidos, a inação política, a condução política meramente mediana, que não chega a ser clarividente ou previdente o bastante, e ainda, de forma geral, a pouca sensibilidade para o bem-comum. Há muitas respostas velhas para desafios novos.
Centenas de milhões de seres humanos em nosso planeta sofrem cada vez mais sob o peso do desemprego, da pobreza, da fome e da destruição das famílias. A esperança por uma paz duradoura entre os povos volta a titubear. Tensões entre as raças e as gerações assumiram dimensões assustadoras. Crianças morrem, matam e são mortas. Cresce o número de estados abalados por casos de corrupção na política e na economia. A convivência pacífica em nossas cidades torna-se sempre mais difícil, diante dos conflitos sociais, raciais e étnicos, diante do abuso de drogas, do crime organizado, da anarquia. Até mesmo vizinhos freqüentemente convivem com medo. Nosso planeta, hoje como ontem, continua sendo saqueado sem a mínima consideração. Cresce a ameaça de um colapso dos ecossistemas.
Reiteradas vezes, e em diversos lugares deste mundo, observamos que líderes e adeptos de religiões instigam à agressão, ao fanatismo, ao ódio e à xenofobia; e inspiram e legitimam até mesmo confrontos sangrentos e marcados pela violência. Usurpa-se a religião para fins meramente voltados à conquista do poder político, até o extremo da guerra. Isso nos causa grande repugnância.
Condenamos todos esses desenvolvimentos e declaramos que isso não tem que ser assim. Já existe uma ética capaz de oferecer orientação diversa à desses desdobramentos globais funestos.
Embora essa ética não ofereça soluções diretas para todos os imensos problemas mundiais, oferece a base moral para uma ordem individual e global melhor: uma visão capaz de afastar homens e mulheres do desespero, e as sociedades, do caos.
Somos homens e mulheres que professam os mandamentos e práticas das religiões mundiais. Afirmamos já haver um consenso entre as religiões, capaz de constituir a base para uma ética mundial: um consenso fundamental mínimo, no que diz respeito a valores obrigatórios, parâmetros inamovíveis e atitudes morais básicas.
I. Não há nova ordem mundial sem uma ética mundial
Nós, homens e mulheres provenientes de diversas religiões e regiões deste planeta, dirigimo-nos portanto a todos os seres humanos, religiosos ou não-religiosos. Queremos expressar a convicção que partilhamos:
• Todos nós somos responsáveis por uma ordem mundial melhor.
• Nosso posicionamento em favor dos direitos humanos, da liberdade, justiça, paz e preservação da Terra dá-se de modo incondicional.
• Nossas tradições religiosas e culturais diversas não nos devem impedir de assumir um posicionamento ativo e comum contra todas as formas de desumanidade e em favor de mais humanidade.
• Os princípios manifestados nesta Declaração podem ser assumidos por todos os seres humanos que sustentem convicções éticas, sejam elas de fundamento religioso ou não.
• Nós, no entanto, como pessoas religiosas ou de orientação espiritual – que fundamentam suas vidas sobre uma realidade última, da qual retiram força e esperança espiritual em uma atitude de confiança, de oração ou meditação, em palavras ou pelo silêncio –, estamos especialmente comprometidos com o bem da humanidade como um todo, e preocupados com o planeta Terra. Não nos consideramos melhores que outras pessoas, mas temos confiança em que a sabedoria milenar de nossas religiões seja capaz de apontar caminhos, também para o futuro.
Depois de duas guerras mundiais e após o fim da Guerra Fria, depois do colapso do fascismo e do nazismo e após o abalo do comunismo e do colonialismo, a humanidade entrou em uma nova fase de sua história. A humanidade, hoje em dia, disporia de recursos econômicos, culturais e espirituais suficientes para dar início a uma ordem mundial melhor. Contudo, antigas tensões étnicas, nacionais, sociais, econômicas e religiosas ameaçam a construção pacífica de um mundo melhor. Nossa época, é bem verdade, experimentou avanços científicos e técnicos maiores do que nunca. Ainda assim, estamos diante do fato de que no mundo todo não diminuíram a pobreza, a fome, a mortalidade infantil, o desemprego, a miserabilização e a destruição da natureza; na verdade, esses problemas aumentaram. Muitos povos estão ameaçados pela ruína econômica, pela degradação social, pela marginalização política, pela catástrofe ecológica, pelo colapso nacional.
Em uma situação mundial tão dramática, a humanidade não precisa apenas de programas e ações políticas. Ela precisa também de uma visão de convivência pacífica dos povos, dos agrupamentos étnicos e éticos e das religiões, sob uma atitude de co-responsabilidade partilhada em relação ao planeta Terra. Uma tal visão baseia-se em esperanças, em objetivos, ideais e parâmetros. Todas essas coisas, no entanto, foram subtraídas a muitas pessoas no mundo todo.
Mesmo assim, estamos convictos de que cabe justamente às religiões – apesar de todo o mau uso que se fez delas, e de seus freqüentes fracassos históricos – suster a responsabilidade de manter vivas essas esperanças, objetivos, ideais e parâmetros. Isso vale de modo especial para os Estados modernos: as garantias de liberdade religiosa e de consciência são necessárias, mas não substituem valores obrigatórios, convicções e normas válidas para todos os seres humanos, seja qual for sua origem social, seu sexo, cor, língua ou religião.
Estamos profundamente convencidos da unidade fundamental da família humana sobre nosso planeta Terra. Por isso trazemos à memória a Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, de 1948. O que ela proclamou solenemente no plano do Direito queremos confirmar e aprofundar aqui no plano da Ética: arealização plena da indisponibilidade da pessoa humana, da liberdade inalienável, da igualdade de todas as pessoas, assumida
como princípio, e da necessária solidariedade e dependência recíproca de todas as pessoas, umas em relação às outras.
Com base em experiências de vida pessoais e com base na história de nosso planeta, plena de misérias, aprendemos:
• que com leis, prescrições e convenções, por si sós, não se pode criar uma ordem mundial melhor, nem muito menos estabelecê-la;
• que a concretização da paz, da justiça e da preservação da Terra depende da clarividência dos seres humanos e de sua disposição para validar o Direito;
• que o engajamento em favor do Direito e da liberdade pressupõe a consciência em relação à responsabilidade e aos deveres, e que é preciso dirigir-se, portanto, aos corações e mentes das pessoas;
• que o Direito sem eticidade não perdura ao longo do tempo, e que portanto não haverá uma nova ordem mundial sem uma ética mundial.
Ética mundial não subentende aqui uma nova ideologia mundial, nem tampouco uma religião mundial única para além de todas as religiões, nem muito menos o domínio de uma religião sobre todas as outras. Com uma ética mundial temos em mente um consenso fundamental quanto a valores obrigatórios vigentes, parâmetros inamovíveis e atitudes pessoais básicas.
Sem um consenso fundamental na ética, cedo ou tarde toda comunidade vê-se ameaçada pelo caos ou por uma ditadura, e as pessoas, como indivíduos, perderão a esperança.
Centenas de milhões de seres humanos em nosso planeta sofrem cada vez mais sob o peso do desemprego, da pobreza, da fome e da destruição das famílias. A esperança por uma paz duradoura entre os povos volta a titubear. Tensões entre as raças e as gerações assumiram dimensões assustadoras. Crianças morrem, matam e são mortas. Cresce o número de estados abalados por casos de corrupção na política e na economia. A convivência pacífica em nossas cidades torna-se sempre mais difícil, diante dos conflitos sociais, raciais e étnicos, diante do abuso de drogas, do crime organizado, da anarquia. Até mesmo vizinhos freqüentemente convivem com medo. Nosso planeta, hoje como ontem, continua sendo saqueado sem a mínima consideração. Cresce a ameaça de um colapso dos ecossistemas.
Reiteradas vezes, e em diversos lugares deste mundo, observamos que líderes e adeptos de religiões instigam à agressão, ao fanatismo, ao ódio e à xenofobia; e inspiram e legitimam até mesmo confrontos sangrentos e marcados pela violência. Usurpa-se a religião para fins meramente voltados à conquista do poder político, até o extremo da guerra. Isso nos causa grande repugnância.
Condenamos todos esses desenvolvimentos e declaramos que isso não tem que ser assim. Já existe uma ética capaz de oferecer orientação diversa à desses desdobramentos globais funestos.
Embora essa ética não ofereça soluções diretas para todos os imensos problemas mundiais, oferece a base moral para uma ordem individual e global melhor: uma visão capaz de afastar homens e mulheres do desespero, e as sociedades, do caos.
Somos homens e mulheres que professam os mandamentos e práticas das religiões mundiais. Afirmamos já haver um consenso entre as religiões, capaz de constituir a base para uma ética mundial: um consenso fundamental mínimo, no que diz respeito a valores obrigatórios, parâmetros inamovíveis e atitudes morais básicas.
I. Não há nova ordem mundial sem uma ética mundial
Nós, homens e mulheres provenientes de diversas religiões e regiões deste planeta, dirigimo-nos portanto a todos os seres humanos, religiosos ou não-religiosos. Queremos expressar a convicção que partilhamos:
• Todos nós somos responsáveis por uma ordem mundial melhor.
• Nosso posicionamento em favor dos direitos humanos, da liberdade, justiça, paz e preservação da Terra dá-se de modo incondicional.
• Nossas tradições religiosas e culturais diversas não nos devem impedir de assumir um posicionamento ativo e comum contra todas as formas de desumanidade e em favor de mais humanidade.
• Os princípios manifestados nesta Declaração podem ser assumidos por todos os seres humanos que sustentem convicções éticas, sejam elas de fundamento religioso ou não.
• Nós, no entanto, como pessoas religiosas ou de orientação espiritual – que fundamentam suas vidas sobre uma realidade última, da qual retiram força e esperança espiritual em uma atitude de confiança, de oração ou meditação, em palavras ou pelo silêncio –, estamos especialmente comprometidos com o bem da humanidade como um todo, e preocupados com o planeta Terra. Não nos consideramos melhores que outras pessoas, mas temos confiança em que a sabedoria milenar de nossas religiões seja capaz de apontar caminhos, também para o futuro.
Depois de duas guerras mundiais e após o fim da Guerra Fria, depois do colapso do fascismo e do nazismo e após o abalo do comunismo e do colonialismo, a humanidade entrou em uma nova fase de sua história. A humanidade, hoje em dia, disporia de recursos econômicos, culturais e espirituais suficientes para dar início a uma ordem mundial melhor. Contudo, antigas tensões étnicas, nacionais, sociais, econômicas e religiosas ameaçam a construção pacífica de um mundo melhor. Nossa época, é bem verdade, experimentou avanços científicos e técnicos maiores do que nunca. Ainda assim, estamos diante do fato de que no mundo todo não diminuíram a pobreza, a fome, a mortalidade infantil, o desemprego, a miserabilização e a destruição da natureza; na verdade, esses problemas aumentaram. Muitos povos estão ameaçados pela ruína econômica, pela degradação social, pela marginalização política, pela catástrofe ecológica, pelo colapso nacional.
Em uma situação mundial tão dramática, a humanidade não precisa apenas de programas e ações políticas. Ela precisa também de uma visão de convivência pacífica dos povos, dos agrupamentos étnicos e éticos e das religiões, sob uma atitude de co-responsabilidade partilhada em relação ao planeta Terra. Uma tal visão baseia-se em esperanças, em objetivos, ideais e parâmetros. Todas essas coisas, no entanto, foram subtraídas a muitas pessoas no mundo todo.
Mesmo assim, estamos convictos de que cabe justamente às religiões – apesar de todo o mau uso que se fez delas, e de seus freqüentes fracassos históricos – suster a responsabilidade de manter vivas essas esperanças, objetivos, ideais e parâmetros. Isso vale de modo especial para os Estados modernos: as garantias de liberdade religiosa e de consciência são necessárias, mas não substituem valores obrigatórios, convicções e normas válidas para todos os seres humanos, seja qual for sua origem social, seu sexo, cor, língua ou religião.
Estamos profundamente convencidos da unidade fundamental da família humana sobre nosso planeta Terra. Por isso trazemos à memória a Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, de 1948. O que ela proclamou solenemente no plano do Direito queremos confirmar e aprofundar aqui no plano da Ética: arealização plena da indisponibilidade da pessoa humana, da liberdade inalienável, da igualdade de todas as pessoas, assumida
como princípio, e da necessária solidariedade e dependência recíproca de todas as pessoas, umas em relação às outras.
Com base em experiências de vida pessoais e com base na história de nosso planeta, plena de misérias, aprendemos:
• que com leis, prescrições e convenções, por si sós, não se pode criar uma ordem mundial melhor, nem muito menos estabelecê-la;
• que a concretização da paz, da justiça e da preservação da Terra depende da clarividência dos seres humanos e de sua disposição para validar o Direito;
• que o engajamento em favor do Direito e da liberdade pressupõe a consciência em relação à responsabilidade e aos deveres, e que é preciso dirigir-se, portanto, aos corações e mentes das pessoas;
• que o Direito sem eticidade não perdura ao longo do tempo, e que portanto não haverá uma nova ordem mundial sem uma ética mundial.
Ética mundial não subentende aqui uma nova ideologia mundial, nem tampouco uma religião mundial única para além de todas as religiões, nem muito menos o domínio de uma religião sobre todas as outras. Com uma ética mundial temos em mente um consenso fundamental quanto a valores obrigatórios vigentes, parâmetros inamovíveis e atitudes pessoais básicas.
Sem um consenso fundamental na ética, cedo ou tarde toda comunidade vê-se ameaçada pelo caos ou por uma ditadura, e as pessoas, como indivíduos, perderão a esperança.
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